4. A curiosidade matou o gato

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Passei a manhã fuçando tudo. Era sexta-feira e eu tinha decidido só começar a caça a empregos na segunda.

Não achei uma foto sequer de tia Ercília ou do marido. O guarda-roupa do casal estava vazio e não encontrei pertences nas gavetas dos criados-mudos.

A ausência de qualquer coisa que remetesse ao vestuário masculino era natural. Tia Ercília poderia ter doado as roupas e os objetos do marido antes de morrer. Mas achei estranho o fato de não ter encontrado nada da própria Tia Ercília. Se ela não tinha mais ninguém, onde estariam seus vestidos e sapatos?

O guarda-roupa do quarto de hóspedes, que agora seria meu, continha muitos lençóis, edredons, colchas, travesseiros e toalhas. A maior parte dos itens encontrava-se na embalagem ainda. E os que não eram novos em folha estavam meticulosamente dobrados e cheiravam a lavanda.

Depois de ajeitar minhas pouquíssimas peças no guarda-roupa branco do meu novíssimo quarto, eu finalmente abri a porta e fui para a sacada. Era bem pequena, estilo Romeu e Julieta, mas abrigava uma poltrona cor-de-rosa, um pufe para descansar os pés e um cesto com alguns livros.

Admirei a vista. Dava para ver a rua inteira. E, da lateral esquerda, eu tinha uma visão privilegiada da casa de Max. A piscina ficava lá em baixo, imensa e muito azul, rodeada por um tapete gigante de grama bem cuidada. Avistei quatro guarda-sóis, oito espreguiçadeiras, duas duchas e as portas francesas que separavam a área da piscina do restante da casa.

Será que a tal Sofia ia muito ali? Porque, pelo telefonema, ela morava em outro lugar. Logo, deviam ser só namorados. Mas a casa era muito grande para um cara morar sozinho. Talvez fossem noivos e ela logo fosse se mudar... Mas que merda, de todo jeito, não era da minha conta.

Meu estômago começou a roncar e eu me lembrei da geladeira e da despensa abarrotadas de tia Ercília. Estavam cheinhas. Mais cedo, eu até encontrara o pacote de ração ainda fechado de Lola e várias latinhas de comida para gato. Será que eu daria uma de Pícara Sonhadora¹ se decidisse consumir aquelas coisas?

De manhã, quando cheguei, vi um supermercado a umas duas quadras de distância da casa. Eu ainda tinha um bom trocado, fruto da venda dos meus móveis, de modo que poderia muito bem ir até lá e fazer minhas próprias compras. Mas, em tempos de abundância não é bom abusar. Além disso, aquelas comidas ainda estavam no prazo de validade! Seria um desperdício deixar tudo perder, certo?

Certo!

Desci as escadas e fui até a despensa. Peguei alguns itens para preparar meu almoço, uma latinha de comida do Rodolfo, a ração da Lola e rumei para a cozinha. O gato estava deitado na almofadinha azul (única coisa não rosa do ambiente, além de seus potinhos para ração e água) e Lola me seguia para todo canto. Peguei-a no colo.

— Oi, fofuchinha! Você agora tem uma nova mamãe! Eu sou a sua mamãe agora, meu amor! — Fiz uma vozinha de criança e apertei a cadelinha com força.

Ela fez um barulhinho gostoso e eu beijei sua cabecinha (juro que foi uma ação espontânea, mas, quando me lembrei de que Max a havia beijado ali também, dei outro beijinho, só para aumentar as minhas chances de ter beijado no mesmo lugar).

Depois, fui até Rodolfo e alisei seu corpinho. E beijei sua cabecinha também, para ele não ficar enciumado. Coloquei a comida dos dois (porque não sabia quando eles tinham comido pela última vez) e comecei a preparar meu almoço.

Eu era um fiasco na cozinha, mas sabia fazer um bom macarrão com queijo. Enquanto a massa cozinhava, fui até os livros de culinária, só para ir me inteirando sobre o assunto (talvez eu arriscasse uma coisa nova no jantar). Foi quando eu vi a carta. Tinha me esquecido completamente!

O Devasso Mora Ao Lado [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora