Parque (Capítulo Bônus)

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A minha alma é doente. Será que ele nunca percebeu isso? Eu não tenho culpa de não poder sorrir. Eu não consigo sorrir.

- Então, junte-se ao clube! Você não é o primeiro que me joga pedras - Lhe dirigi a palavra ainda com as duas mãos no rosto, escondendo desnecessariamente pois ele já havia descoberto a obscuridade da minha alma. Na verdade, não é a coisa mais difícil, visto que sou como um livro aberto. Não sou uma boa atriz, nem finjo bem. Eu sou uma merda.

Por ele ter demorado demais para me atacar de novo com asneiras, me permiti fazer uma brecha entre os meus dedos observando a cara absurda que ele fazia. Ele parecia ter sido pego de surpresa. Bem, acho que ele não esperava que eu tivesse dito aquilo.

- Eu não estou te julgando...

- Não me importo para a sua opinião sobre mim. Pode achar o que quizer. Não me importo. A sua opinião não é válida e nem pesaria de algum modo - Suspirei e deixei o meu rosto visível para dar mais ênfase ao que viria - Não precisa mentir, nem fingir se importar em me machurcar com palavras. Manda brasa, Tay!

- Eu não estou te julgando, nem fingindo. Eu só... só...

- Só foi desnecessário se ocupando em discutir sobre uma vida que nem é sua, nem lhe diz respeito - Disparei fitando os seus olhos que denunciavam culpa, arrependimento. Olhos escuros que mesmos tão pequenos estavam perceptivelmente arregalados de surpresa.

- E a minha intensão não é ficar apontando, Alba, só que é desagradável...

- Ah, qual é?

Ele continuava relutante em falar o que queria. Ou era por causa da súbita surpresa, ou porque o que ele queria dizer era visivelmente rude demais na mente fútil dele. Minha paciência já estava gasta e ouvir bobices dele já estava me cansando.

Coloquei de novo minhas palmas contra o meu rosto escondendo minha dor, meus olhos que sempre me traíam revelando o que não era para se revelar. Sentir um movimento vindo dele, não tal brusco mas que não deixou de ser repentino. E, enfim, senti o toque dos dedos dele pressionando meu braço. Ele proferiu as próximas palavras tão condescente e doce como se sussurrasse no meu ouvido.

- Desculpa, por não ter te entendido. Foi mal mesmo. Eu bem sei que você tem os seus motivos, tem os seus problemas... Mas o mundo inteiro não é culpado disso. Você é minha amiga e eu não quero te perder por um motivo bobo, certo?

Deixei minhas mãos cairem com violência na frágil mesa de madeira, com revolta e dor. E então encarei ele, que estava ao meu lado e me analisando preocupado.

- É tão fácil, não é? Mas sou eu o problema! Eu! Sua vida é perfeita, a minha é longe disso. Você é feliz e eu sou uma desgraçada... Eu me sinto vazia - lágrimas malditas escorreram pelo meu rosto, e meu lábio tremeu - Eu sinto falta de algo que eu não sei o que é. É como se faltasse algo em mim! E eu não sei, eu não sei o quê! Eu só queria ficar no meu canto... sozinha... é melhor pra mim.

- Não! Eu não vou deixar você chegar nesse ponto. Eu sou seu amigo, você não vai ficar sozinha - Ele pareceu desesperado, com os seus braços vindo ao meu redor e o seu rosto roçando o meu cabelo, mas satisfeito por eu ter digo algo. Mas não tinha um pingo de sentido nisso.

- Você me entende? - Perguntei respirando contra o seu peito, que por causa dos seus esforços com pesos e malhações chegava a ser maior que os meus.

- Claro.

E pela primeira vez eu pude sentir que alguém não esnobou o que eu sentia. Nem riu da minha tolice de amar sofrer, de amar a dor.

- Seu cabelo cheira bem... - Pelos os movimentos do seu rosto, percebi que ele sorriu. Eu o correspondi com o sorriso sem humor, seco e ainda vazio, mas já mais verdadeiro que os outros risos que eu distribuia afora.

E então ficamos abraçados no banco, por mil anos ou dois segundos (não sei bem), enquanto as folhagens caiam secas das árvores e o vento uivava no parque vazio, gélido e triste.

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