pensão

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Entrei na pensão em disparada, repetindo o mantra "Madalena não me veja, Madalena não me veja". Eu não queria que ninguém me visse naquele estado, nem ter que responder uma série perguntas referentes a isso. Eu não queria ter que pensar nas respostas.

Por sorte, eu não vi Madalena. Vi somente a gata dela - Pandora, eu acho - barrando o meu caminho na escada.

- Sai! - Murmurei baixo, torcendo para que a gata saísse o mais rápido possível e para que, quem quer que estivesse em casa, não percebesse minha presença.

Pandora continuou onde estava. Se ela fosse humana, eu diria que ela estava zombando de mim pelo jeito que me olhava.

Pulei por cima dela, então. Avancei dois degraus de uma só vez e continuei a caminhar com nítida pressa.

Cheguei no quarto e me larguei na cama. Eu queria chorar, mas não era bom arriscar. Eu estava em uma pensão, dividia meu quarto. A qualquer hora, ou Alice ou Madalena podiam entrar no quarto. Alice eu sei que não apareceria pois estava na escola essa hora, mas já Madalena... Ela nem ao menos sabe que eu estou em casa. E ela deve entrar nos quartos constantemente para arrumá-los.

Peguei uma toalha e desci as escadas. Entrei no banheiro e me tranquei lá. Era o lugar mais decadente da casa. Os azulejos eram encardidos, sujos e haviam emendas de cimento por toda a parte. Nem nivelado era. Os azulejos faziam uma espécie de onda no chão. Alguns estavam quebrados.

O espelho, por cima da pia, era cheio de ferrugem. A pia estava suja como se não tivesse sido limpa a anos. Um plástico separava o lado onde estava o vaso de onde estava o chuveiro. Era impressionantemente apertado aqui dentro. Mas era o máximo de privacidade que eu poderia ter.

Chorei até a minha cabeça doer e até que eu sentisse um nó na garganta de tanto forçar que o choro não saísse alto. Algumas vezes, um soluço estrondoso escapava por entre os meus dentes, me deixando tensa com o pensamento de que alguém tivesse o escutado.

Chega uma hora que, se você não parar de chorar, sua cara vai ficar abatida o restante do dia. Então, todos que olharem pra você irão perguntar se você andou chorando. Sua cara fica gritando "Eu chorei! Eu chorei!" para todos que olharem pra ti.

E como eu disse, não quero perguntas.

Tentei me controlar aos poucos e me despi. Liguei o chuveiro e deixei a água lavar a minha cara abundantemente. Pode ser loucura minha, mas é como se a água lavasse os resquícios do choro. Eu me sentia mais confiante de que não perceberiam isso.

Lavei minha cara com sabonete duas vezes. Realmente eu me esqueci que já havia passado ele e passei de novo, só me lembrando quando ele já estava na minha cara. Estava com a cabeça tão cheia que me esqueci do que estava fazendo. Terminei o banho, me vesti e sai do banheiro.

Madalena estava sentada em uma cadeira de frente para o banheiro tomando uma xícara. Ela pousou a xícara em cima do pires, recém tomada, e me olhou com uma expressão ilegível.

- Querida Alba... - Então seus dentes amarelos apareceram.

- Oi, senhora - Minha voz saiu baixa e doce. Eu odiava quando ela saia assim. Parecia a voz de criança.

- Saiu mais cedo da aula?

Engoli em seco.

- Sim... Na verdade, problemas com a farda. - Disparei de uma vez, apreensiva.

- E o que houve com sua farda? - Ela tornou a tomar sua xícara, agora com uma expressão confusa.

- Caiu suco nela. Está toda estragada. Não tinha como...

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