Era um prédio caindo aos pedaços. Sua entrada marcada por algumas tentativas de arbustos e flores mal cuidadas.
O sol nessa cidade é estonteante e o clima quente e seco. Um vento repentino afagou os meus cabelos curtos e pretos e trouxe uma pequena nuvem de poeira. A sensação da areia nas minhas narinas foi terrível.
Me recuperei e observei de novo a casa. Meu humor já não estava um dos melhores. Uma hora ou outra eu teria que entrar e me deparar com as novas pessoas que terei que conviver. Era inevitável.
Observei que havia uma caminhonete vermelha e velha do lado de fora e uma Harley.
Impressionante.
Voltando a casa... Vi que a fachada era de uma cor azul anil descascada e com mofo. Haviam colunas grotescas na varanda. O número da casa tinha sido pintado com alguma coisa próxima de esmalde de unhas em uma das quatro colunas com acabamento só de cimento.
Me certifiquei se era ali mesmo, olhando para o papel amassado na minha mão e para a grafia torta e tosca do número 205 gravado no papel. Era ali mesmo.
Subi a pequena escada que levava até a varanda, atravessando o montante de plantas a beira da morte. Me aproximei da porta, que era de madeira maciça. Ela estava encostada. Então, me permiti abri-a.
O ambiente interior era bastante confuso. Havia, na sala de estar, um sofá com capa florida, uma mesinha de centro de madeira e uma TV modesta. A sala estava repleta de quadros, alguns sem sentido, outros com retratos de familiares, mais especificamente de uma garota loira e bochechuda.
Logo após, na sala de jantar, vinha uma série de saídas e uma escada que levava para a cozinha (talvez) e a outro andar. As paredes foram pintadas em um tom de amarelo doente. Era tudo confuso, estranho e com aparência ruim.
Caminhei até o ambiente posterior, vindo a minha direção um gato preto. Uma mulher abriu uma das portas de madeira velha que inutilmente foi pintada para disfarçar o seu desgaste. Ela devia ter por volta dos quarenta anos, magra, de pele amarela e flácida, cheia de rugas e marcas de cansaço. Seu cabelo era negro e liso, cheio de friz, com uma franginha sobre os olhos contornados com lápis de olho e olheiras fundas. Ela vestia uma blusa justa de malha rosa bebê e uma saia preta que não lhe caiu muito bem, sinceramente.
Ela pareceu não perceber a minha presença.
- Ande aqui, Pandora! - A mulher gritou para a gata preta que já havia corrido para a outra sala, se escondendo em baixo do sofá.
Não demorou muito para que a tal mulher se deparasse com a minha cara atordoada e levasse um susto.
- Ah! - Ela exclamou, depois se retomando da expressão assustada - Valentina Sá, não é?
- Sim, sou eu.
- Nossa, não sabia que era tão linda... - Seus olhos, com bolsas d'água até então imperceptíveis, se acentuaram com o sorriso deslumbrado que ela fez. Seus dentes amarelos e mal cuidados também se revelaram.
- Obrigada - pronunciei baixo, não muito confortável com o elogio.
- Vamos, vou te mostrar o teu quarto! - Sua voz pulou para uma entonação energética e entusiasmista.
Ela me guiou até uma escada de cimento com estado precário e sem apoio, dando-me certa ansiendade pela periculosidade que ela apresentava a quem a usasse. Chegando no andar de cima, avistei um imenso corredor sujo e com paredes ainda em amarelo. Haviam teias de aranha nas bordas delas e cerca de cinco portas pintadas de um verde cor de vômito. Algumas se destacavam das outras pelas manifestações rebeldes ali deixadas: alguns xingamentos e mensagens ofensivas ("Lolita gostosa", "Jack bundão", "Madu e Cristiano", "Jack e Vanessa", "Jack idiota", "Lola puta da esquina - cinco reais", etc.); desenhos próprias de grafiteiros em outra, uma placa de "não entre" e "Melissa e Clarisse" com detalhes femininos em rosa em outra porta , uma porta muito degastada com um grande buraco na parte de baixo (aparentemente, obra de chutes) e a última com uma série de figurinhas de cadernos gravados (iam desde figurinhas da Jolie, Menininhas, até umas mais simples como "Não esquecer"). A mulher parou na frente da última porta, e virou-se bruscamente para mim.
- Me desculpe! Como ando esquecida... Nem me apresentei! - Ela jogou os seus braços para o alto. Ela tinha uma animação incomodante. Assim como o sorriso - Me chamo Madalena. Espero que goste do quarto. Esse é o seu - Ela apontou para a porta cheia de figurinhas - Temos horários para tudo aqui. A maioria aqui acorda cedo para ir para a escola ou faculdade, mas mesmo em finais de semana não seria bom dormir até tarde. Tudo aqui tem horário, então não seria recomendado perder uma refeição - Ela pausou, me olhando nos olhos para analisar a minha expressão -E quanto a chegar em casa também temos regras: voltar para casa até as 22:00 horas.
Assim que acabou de falar, ela abriu a porta, que fez um rangido agudo enorme e incomodante. E então entramos no quarto. Na verdade, um cubículo de tão pequeno e abafado. Havia somente uma janelinha do mesmo material das portas. Porém, o quarto era bem organizado: duas camas pequenas de ferro que quase se encostavam de tão pouco espaço para elas, um guarda-roupa grande e simples de madeira, uma mesinha com um abaju e um ventilador branco no canto ao chão.
- Alice será sua colega de quarto. Ela está fora, mas já chega. Eu acredito - A última frase a mulher, Madalena, murmurou baixo, como se para se mesma.
- Tudo bem.
- E só temos um banheiro, lá embaixo.
- Certo.
- Você pode arrumar suas coisas aqui - Então ela me mostrou o lado que eu usaria no guarda-roupa. Eu assenti somente - Aproveite, então. O mais eu te direi depois, acredito que você daqui a pouco se adapta.
- Aham - Murmurei pressionando os meus lábios.
Ela saiu devagar, analisando o meu rosto sem expressão e minha posição encolhida que mantive desde que entrei aqui, meio que sem perceber.
Ela, contudo, saiu me deixando sozinha no quarto. Coloquei minha única mala na cama que acreditava ser minha. Deduzi isso porque, ao contrário da outra, ela não tinha as Vans ao lado, nem o "A" gravado na parede junto com algumas letras de músicas que eu desconhecia. Diferente dessa, a outra cama parecia sem personalidade, apagada.
A casa permaneceu silenciosa, até eu ouvir uma gargalhada alta vinda de outro quarto. Era uma gargalhada masculina. Logo após, ouvi uma música alta. Era um rock pesado, que eu desconhecia.
Peguei meu celular e pus uma playlist pra tocar. Coloquei no volume máximo. Assim eu não pude ouvir nada mais do que as minhas próprias músicas e o barulho dos meus pensamentos tempestuosos e pessimistas.
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ESQUIVA
RomanceAlba é o extremo quando se trata de uma pessoa tímida e retraída. Ela é dona de cabelos curtos e negros, pele branca e uma personalidade problemática e frágil. Ao mudar-se para uma outra cidade, ela se instala em uma pensão em estado decadente. Lá c...