A Caçada

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Ele corria.

Sua vida, literalmente, dependia da força que aplicava nos membros inferiores. Uma perna logo após a outra.

Precisava mais que tudo do que precisou em sua humilde existência chegar à estrada. O que mais o assustava era o tortuoso silêncio. Bem, sem contar com os estalos das folhas secas e galhos finos se partindo ao seus pés.

Em seu pequeno momento de reflexão, se xingou por não ter levado à sério os breves momentos de perseguição de algum filme te terror qualquer. Talvez ele soubesse o que fazer agora.

Ou talvez não, se levasse em consideração que a vítima era sempre pega no final. De um jeito, ou de outro.

Esse pensamento o perturbou.

"Pensa, porra. Pensa..."

Num lapso de memória lembrou que todos os personagens acometidos por esse destino - serem caçados pelo vilão -, só corriam e corriam, até serem pegos por alguma armadilha ou pelo próprio psicopata assassino.

Era isso: Ele tinha que parar de correr.

Mas como? Levando em conta o velho ditado "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come", ele morreria muito mais rápido se resolvesse brincar de estátua. Foi nessa hora que ele sentiu uma forte vontade de ser um camaleão.

Acometido por uma falta de ar absurda e um cansaço colossal, parou numa rápida pausa para recuperar as energias e a linha do pensamento. Foi aí que olhou para cima, numa prece ao céus por uma salvação e viu a copa das árvores ofuscarem a pouca claridade que a lua lhe permitia ter.

Era isso. Escalaria uma árvore.

Olhou ao seu redor forçando as vistas, procurando alguma que tornasse mais fácil sua empreitada rumo a uma vida mais duradoura. Quando pôs seus olhos em uma mais seca, com mais buracos e galhos mais baixos, tornou a correr. Calculou apressado se daria tempo de alcançar ao menos dois metros de altura sem o risco de ser encontrado e, quando percebeu que não fazia a mínima idéia se estaria longe de seu captor ou não, mandou sua racionalidade à merda e começou a subir.

Ele poderia morrer tentando.

Além de ser a única saída, a única possibilidade de escapar que ele havia encontrado, não achava nada tentadora a idéia de tentar encontrar a estrada. Estava pingando suor, o ar parecia se perder no caminho até chegar ao seu devido destino e estava extremamente trêmulo, um sinal de que havia exigido demais de seu corpo. Seu coração pulsava loucamente, e por um momento pensou que o órgão devia estar fazendo um show de heavy metal.

Além do mais, fazia a mínima idéia da direção em que se encontrava a estrada. Iria gastar um bom tempo tentando achá-la.

Voltando a árvore que o garantiria mais alguns minutos, pela primeira vez achou útil sua rápida passada pelo acampamento de verão. Se não fosse o pouco tempo como escoteiro, demoraria o triplo para conquistar aqueles poucos centímetros do chão.

No seu ínfimo, sabia que ia ser pego. Pior: que seria pego por algo atroz. Enquanto corria, sentia isso.

Apavorado, se apercebeu de que naquela noite ele era a caça.

Até aquele momento, não acreditava em sexto sentido. Leviano engano. Desde que havia sido solto naquela floresta, seus pêlos permaneceram eriçados desde então. Também teve a certeza de que só estava respirando até agora porquê fazia parte de uma brincadeira lúgubre, um pequeno entretenimento tétrico.

Ele sentia no âmago do seu ser que viraria um banquete. Aquilo que estava atrás de si não era um psicopata querendo matar por esporte.

Oh, não. Aquilo nem podia ser considerado humano. E estava com fome.

Amor MoribundoOnde histórias criam vida. Descubra agora