See the vultures circling in dark clouds
Mais tarde, naquela semana, a Princesa trombou com Harry enquanto ele tentava escapar para ir à Floresta.
- Harry? Aonde vai tão tarde?
- Só vou tomar um ar. - ele mentiu, dando de ombros - E você, por que ainda não foi se deitar?
- Como se fosse fácil dormir com todos esses pobres protestando na frente do Palácio. - a irmã bufou, revirando os olhos - Eu já falei para o papai mandar matar todos, mas ele não me escuta.
- É, talvez seja a melhor solução. - Harry concordou, só para não ter que continuar aquela conversa ridícula - Volte para o seu quarto. Vou dar uma volta e já entro.
- Tudo bem.
Mas, quando Harry saiu do Palácio, a Princesa o seguiu.
A Princesa tinha problemas de insônia e ficava acordada a maior parte da noite, se revirando na cama. Normalmente, a única coisa que ajudava era uma boa xícara de chá bem quente e um passeio nos jardins. Por causa disso, acabou percebendo que pelo menos uma vez por semana, seu irmão atravessava os portões silenciosamente e se perdia na Floresta. Ela nunca ficava até ele voltar, já que Harry parecia demorar uma eternidade e quando o sol começava a aparecer a Princesa voltava para seu quarto. No começo acreditava que ele ia caçar, mas então reparou que nunca havia nenhum tipo de animal diferente durante o jantar ou na coleção de empalados na sala de caça. Harry não saía vestido como Príncipe e usava somente roupas casuais, não levando nenhuma arma, o que descartava a possibilidade de caça. Naquela noite, quando o viu sair, sua criada particular ainda não havia levado seu chá, então resolveu ir atrás dele e descobrir o que Harry fazia.
Ela andou com certa distância dele, tomando cuidado para não pisar em nenhuma folha barulhenta ou em um galho. Como estava escuro era mais difícil enxergar Harry, mas a Princesa não o perdeu de vista. Logo avistou uma pequena cabana, onde Harry entrou e ficou por um tempo. Não conseguiu se aproximar para ver melhor ou tentar espiar por uma das janelas, pois tinha medo de acabar se denunciando.
Preferiu ficar escondida, imaginando quanto tempo ele passaria lá dentro.
Quando a Princesa já estava ficando impaciente, Harry saiu da casa, despedindo-se de uma senhora velha, alta e magra, que lhe era vagamente familiar. Sabia que já a conhecia de algum lugar, mas sua memória não identificava de onde. Ele a abraçou e lhe deu um beijo na testa, sorrindo ao se afastar.
Assim que a velha voltou para dentro da cabana, a Princesa voltou a seguir o irmão. Ele caminha rapidamente, como se estivesse com pressa, desesperado por algo. Foi mais difícil acompanhá-lo em silêncio e ela sabia que se Harry estivesse mesmo prestando atenção em alguma coisa, teria percebido que estava sendo seguido.
Ouviu o barulho da cachoeira e logo avistou a água corrente desaguando no rio, mas não foi isso que lhe chamou atenção.
Seu irmão correu em direção à uma garota que estava sentada em uma das pedras na beira do rio, usando um vestido rosa desbotado que chegava até dois palmos abaixo do joelho e tinha as mangas compridas dobradas até o cotovelo. Quando se aproximou o suficiente dela, abraçou-a, mas logo viu que ela se livrou de seus braços.
- O que foi, Jack?
Jack. O nome era familiar para a Princesa. Onde já havia ouvido aquilo...?
- Por que não me contou, Harry?
A Princesa percebeu rapidamente que ela não tratava o irmão com o devido respeito, assim como a velha da cabana. Ali, na Floresta, era como se ele não fosse nenhum Prícipe.
- Não há nada para...
- Não mente pra mim! - ela gritou - Eu já sei de tudo!
- O que você sabe, Jack? O quê...?
- As pessoas se rebelaram na cidade. Estão atacando o Palácio! Tudo um caos! Os soldados estão saindo para matar pessoas inocentes para tentar colocar medo nas pessoas! Quando pretendia me contar tudo isso?!
A Princesa se aproximou ainda mais para tentar ver o rosto da garota. Não parecia ser muito velha, talvez tivesse a idade de seu irmão.
- Jack...
- Não, Harry! Se você vai me pedir para esquecer isso e deixar de lado, então prefiro que não fale nada. Aliás, não falar nada é a sua especialidade!
- Me desculpe, ok?! - Harry gritou, bufando frustrado - Não pretendia esconder nada de você. É só que eu não aguento mais. Meu pai está me pressionando para casar, e então explodiu a rebelião e ele quer que eu dê um jeito em tudo e eu só quero estar com você, Jack...
A tal Jack virou o rosto e então a Princesa finalmente pode vê-la direito, lembrando-se de que aquela era a garota que haviam enterrado alguns meses atrás. Arregalou os olhos e conteve um grito de surpresa. Ela havia visto a cabeça da garota rolar pelo chão e espalhar sangue para todos os lados, mas ali estava ela, na Floresta, discutindo com seu irmão.
- Não sei se vou conseguir vir te ver como sempre faço, nos próximos dias. Eles estão me vigiando. Exigindo coisas de mim. Não posso vir para cá e arriscar que te vejam.
O silêncio se instalou pelo lugar durante alguns minutos. Nenhum dos dois falou nada, e a Princesa prendeu a respiração para não fazer barulho. Estava completamente chocada com o que via.
- Nós podíamos... Fugir.
- Como assim?
- Pegue suas coisas e vamos fugir. Vamos para algum lugar bem longe daqui. - Jack começou a falar, se aproximando de Harry e colocando uma mão em cada ombro do rapaz - Estive explorando a Floresta. Conheço lugares para onde podemos ir e não seremos encontrados. Você só precisa dizer "sim".
- Eu diria "sim" para você em qualquer ocasião, Jack.
A Princesa assistiu perplexa ao beijo que os dois compartilharam. Com isso, não se aguentou. Percebeu que seu irmão iria fugir com a garota que deveria estar morta e sentiu-se traída. Harry sempre fora dela. Sempre cuidara dela. Ele não podia simplesmente fugir com uma qualquer.
Começou a correr de volta para o Palácio, sem se importar com o barulho que estava fazendo. Naquele momento, ela precisava chegar ao seu pai.
