Uma garoa repentina caia do céu, as árvores eram embaladas pela ventania, a janela embaçada do carro me impedia de ver as ruas passarem feito borrões por nós. Guilherme mantinha uma expressão dura, percebi que estava tenso com algo e isso estava me deixando irritada.
- Guilhe...- interrompeu-me.
- Quieta! - disse ríspido, assustei-me.
- Como? - perguntei confusa.
- Não sabe fechar a boca? - indagou irritantemente.
- Pare o carro! - rosnei com os olhos brilhantes de ódio.
- Como é? - sorriu sarcástico me deixando mais raivosa ainda.
- Não sabe parar o carro? - sorri irônica usando a mesma frase que ele usou a poucos segundos comigo.
- Deixa de ser mimada menina! - afinal, qual é a dele??!
- Não estou sendo mimada, você que está agindo feito um completo idiota.
- Ok, parei o carro! - não acredito que ele parou esse carro, que idiotice eu nem estava falando sério. Abri a porta bruscamente, mas antes de me impulsionar pra fora, Guilherme segurou meu pulso.
- Por que você não obedeceu a Jessica quando ela pediu pra você ficar longe de mim? - sua testa estava levemente franzida, então ele escutou?
- Não interessa! - retruquei, mas a verdade era que nem eu mesmo sabia porque não tinha ouvido quando ela só quis me alertar. Guilherme me soltou grosseiramente e arrancou com seu Audi preto. Duas quadras daqui até em casa nem é muita coisa, quem eu estou tentando enganar mesmo? Se Teddy estivesse aqui eu não precisaria caminhar duas quadras até minha casa na chuva. Caminhava pela calçada perdida em pensamentos, aqueles olhos me intrigaram de uma tal maneira, é como se dissessem tudo e ao mesmo tempo nada, nunca vi um azul tão bonito e tão obscuro, aquela expressão de desgosto a vida, o que será que acontece com esse menino? Quem ele é quando não está cercado de pessoas? A pergunta é : Será mesmo que ele é cercado de pessoas? Não estou falando de pessoas medíocres e repugnantes que é facilmente encontradas na High School , estou falando de pessoas que o amam. A sala estava escura e vazia assim como o resto da casa, subi as escadas torturando-me com meus próprios pensamentos, tem sido um caminho muito longo e confuso desde que cheguei aqui, não sai pra me divertir, não conheci a cidade, não foi isso que planejei antes de vir pra cá, a verdade é que nunca sai do jeito que planejamos, sempre por menor que seja tem algo que da errado, não sei se é pra te mostrar o caminho certo ou se é apenas uma peça torturante que a vida prega. Tomei uma ducha rápida finalmente me acostumando com o silêncio da casa, deitei em minha cama sentindo minhas pálpebras pesarem e minha mente entrar em hibernação. Abri meus olhos achando que a claridade invadiria meu campo de visão, mas a verdade é que já estava anoitecendo e a chuva havia cessado. Soltei um gemido de indignação, não estava nos meus planos acordar tarde. Olhei no visor do meu celular e já marcavam : sete e vinte oito. Puxei o edredom pra cima afim de tentar dormir mais um pouco, mas o sono não estava mais habitando o mesmo lugar que eu. Ouvi batidas na porta e uma pontada de empolgação surgiu em meu peito por saber que eu não estava sozinha em casa. Teddy enfiou a cabeça pra dentro do quarto deixando apenas seu tronco pro lado de fora.
- Hora da nossa conversinha! - revirei os olhos e um sorriso sapeca alastrou-se por seu rosto.
- Tata, você sabe que é horrível te ver assim, né? Cadê aquela Tamires que eu conheci anos atrás? Amor, você não é assim - Teddy soltou rapidamente tudo em minha cara, engoli em seco antes de responder, não posso fazer errado e deixar tudo escapar!
- Não está acontecendo nada, isso é coisa da sua cabeça - "Ou da minha" completei em pensamento.
- Tenho certeza que não, você conhece a Karolynne? - percebi a expressão desconfiada em seu rosto tentando buscar alguma resposta em minha face para sua pergunta.
- Nã... Não.. Sim.. Na verdade, só de vista! - gaguejei - Mas qual é a curiosidade nesse assunto?
- Estamos meio que... Saindo, sabe? - não sei otario, e pelo visto você também não sabe que ela só está te usando! Engoli minha vontade de despejar tudo isso em sua cara, não posso afirmar nada sem provas!
- Por isso não foi me buscar hoje? - lembrei de ter vindo com Salez, até a metade do caminho pra ser mais exata.
- Esse é outro assunto que quero falar com você, me desculpe Tata, é que.. Fiquei meio ocupado!
- Não tem importância, não ligo pra isso, nem andei muito - não menti hein.
- Você não sabe mentir Tamires, mas sinto que você não está mentindo, quem te trouxe? - sua expressão de envergonhado deu espaço a uma expressão ciumenta.
- Um amigo! - Salez meu amigo? Piada.
- Amigo?? Homem??
- Não Teddy, ele é gay! - suspirou aliviado, talvez o Salez seja mesmo gay, né? Provável.
- Ok então, né? Se você diz, mas me desculpe, ok? - assenti. Depois que Teddy saiu, soltei o ar que estava preso em meus pulmões me arrastando para fora da cama. Tomei um banho gostoso e demorado, lavei meus cabelos cacheados massageando fio por fio. Passei tempo demais no banho, tempo demais pensando e decidi fazer uma mudança, mas uma mudança não só física como emocional, ah High School me aguarde!
Cambaleei para fora da cama ainda sonolenta, olhei o relógio que marcava 05:25 como hoje entrarei 09:00 ainda dá tempo de fazer alguma coisa com essa aparência desgastada. As meninas da High School são lindas e esbeltas e eu sou apenas uma caipira que deu sorte de ter ganhado uma bolsa nesse país maravilhoso com os mais belos pontos turísticos e com as mulheres mais lindas e magras do mundo. Olhei para minha barriga não satisfeita com o que vi, todas as brasileiras ou QUASE todas tem um corpo lindo, bundão, peitão, coxas grossas, não estou reclamando da minha nacionalidade isso é realmente muito lindo, mas só no Brasil. Aqui na Inglaterra os corpos apreciados pelos homens são corpos magros e sem curvas, coisa que eu tenho de sobra. Agora não dava mais tempo, meu cabelo já estava liso na altura da minha cintura, minha maquiagem antes clara e fofa, agora tinha um tom mais forte e sombrio, revelando uma Tamires objetiva e determinada, não sei se estou pronta pra enfrentar o mundo e me adaptar com essa nova fase, mas o que for pra ser será, eu tenho amigas lindas ao meu lado, lindas e magras! Ok, preciso parar de me torturar.
