4. Vovó Rosemeire - É tarde demais para pedir perdão?

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Como iniciar uma história tão longa? E, além de longa, tão cheia de altos e baixos? A resposta mais óbvia seria começar pelo início: dia, mês e ano de nascimento do personagem retratado. Mas acho que esses detalhes não tem importância. Pelo menos não nesse contexto. São apenas fatores quantitativos da vida.

Poderíamos iniciar uma longa história, a partir do momento em que começamos a de fato viver, protagonizar, quando nos tornamos conscientes do valor de uma vida. Da nossa vida.

Hoje acordei pensando em vovó Rosemeire, e entre esses pensamentos sinto que acordei diferente. Não só acordei de uma noite bem dormida, mas acordei pra muita coisa que havia negligenciado, incluindo vovó. Um ser tão puro e delicado. Irradiava amor.

Sinto mais do que nunca que deveria estar perto dela, sinto necessidade de ouvir sua voz macia me fazendo viajar e aprender com mais uma história.

Sinto uma falta imensa, como uma cratera no peito, das tardes de café com biscoitos, da atmosfera tranquilizante que era a casa de vovó. Não, não era só uma casa. Era o lugar ideal, um mundo perfeito, novo, só nosso. Me sinto culpada por não retribuir como deveria. Me sinto egoísta por lembrar dela apenas quando preciso.

Mas hoje é sábado, vou fazer desse fim de semana o mais produtivo possível. Vou marcar como o momento em que eu comecei a acordar para as coisas que realmente importam. Como o momento em que eu aprendi mais o amor, mais do valor de alguém. Ah querida vovó! Quero tanto preencher esse espaço que se formou entre nós. Espaço esse que não se formou sozinho, eu contribui. Mas não é hora para se vitimar, é hora de começar a protagonizar a mudança.

Levanto rapidamente como uma criança apressada para abrir os presentes numa manhã de natal. Faço o habitual da manhã. No final, escolho a minha melhor roupa, aquela que ainda lembra a Megan que um dia vovó conheceu, e desço as escadas de certa forma confiante. O café da manhã de hoje vai ser mais que especial. Eu deveria me preocupar em avisar pros meus pais, mas da maneira como andam ocupados, eu poderia dar a volta ao mundo e eles mal notariam.

Vovó mora a meia hora daqui, o que reforça ainda mais meu sentimento de culpa, e me faz lembrar ainda que a distância estava em mim, e não no caminho. Quanto mais me aproximava, parecia que meu coração mal cabia no peito. Estava nervosa, ansiosa, feliz, esperançosa. Um mosaico de sentimentos.

Quando já estava a alguns poucos minutos de lá, pensamentos nada animadores me ocorrem: E se vovó não me aceitar de volta? Ainda haveria tempo para o perdão? E se o tempo tiver sido cruel suficiente para me arrancar de sua memória? Não, isso é absurdo. Continuo a andar procurando não estragar o dia com negatividade. Busco me distrair nas crianças que brincam alegremente na rua, trazendo um mar de nostalgia, fazendo com que eu lembre as brincadeiras que um dia me fizeram viver o puro significado de infância.

Por fim, chego. A casa de vovó não me parece tão diferente, o jardim ainda permanece muito bem cuidado. Parece que tudo por aqui congelou no tempo. À minha espera.

Posso até quase me ver aos 8 anos de idade perseguindo borboletas e escalando as árvores, vivendo numa espécie de paraíso, como se essa parte da cidade fosse um lugar mágico no qual só eu poderia ver.

Respiro fundo e me encaminho até a escadas onde paro, hesitante, quando a porta se abre e revela uma mulher não muito mais velha que eu. Teria vovó congelado no tempo também? Por um tempo só nos encaramos, mas ela sorri educadamente e diz:

- Pelas suas características, suponho que seja Megan, acertei? - além de surpresa, fico ainda mais ansiosa diante do seu comentário. Inúmeras perguntam me sobrevêm, mas de início pergunto:

- É... como sabe? Quem é você? - pergunto tão rápido que pode ter soado mal educado, mas ela mantém o mesmo sorriso e me responde:

- Impossível não identificar você! Ela sempre fala da linda neta e da imensa falta que ela faz. E bem, sou Hanna, a enfermeira da senhora Rosemeire. - ela estende a mão para mim - Prazer em conhecê-la, Megan - estou tão absorta no que ela acabou de dizer que mal percebo sua mão estendida. Não só aperto sua mão como também a abraço. Ela parece não entender. Claro, é uma atitude um tanto estranha pra um primeiro momento. Estou muito feliz e igualmente grata. Mas amenizo a confusão dizendo:

- Obrigada por cuidar dela quando ninguém mais esteve. - digo isso porque de fato, eu não estive. Digo isso porque sei que vovó esperava que acabasse por sua neta cuidando dela, sua família, seu sangue, e não uma enfermeira.

Virtual: O mal à um clique de distânciaOnde histórias criam vida. Descubra agora