6. Camille - O monstro que reside em mim

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Quando criança, algumas verdades nos são distorcidas. Transformadas numa realidade mais suportável. Em fatos meio que distantes de nós. De forma que quando falamos daquilo, soa como algo fora da nossa dimensão, como se não fôssemos os próprios protagonistas dessa história.

Lembrei do monstro debaixo da cama, bicho-papão, ou seja lá como possa se apresentar. Dormimos hesitantes, nos cobrimos dos pés a cabeça, nos tornamos mais obedientes porque as consequências podem ser desagradáveis demais. Mas quando crescemos, percebemos que o monstro debaixo da cama, talvez estivesse na própria cama. O monstro talvez fosse nós. Digo talvez porque não sei que lado você alimenta, se o melhor ou o pior.

Pode ser que essa noção de monstro debaixo da cama, fosse uma forma de nos proteger de uma verdade dura demais para ser suportada. Assustadora demais pra uma criança.

Porque no final das contas, o monstro não habitava debaixo da cama ou em qualquer outro canto da casa. Ele habitava onde menos procuramos: Na escolha entre ser ou não sê-lo.

                                                                                                   ***

Passo despercebida. Não faço muita questão de ser notada. É perigoso demais participar diretamente da vida das pessoas. Ultimamente Megan tem mostrado interesse em ser minha amiga, ou apenas se identifica comigo pela habilidade em matemática. Vou corresponder, mas não vou muito a fundo. Já ouvi e já recebi muitas mensagens maldosas do tipo: "Oi esquisita, o que vai fazer hoje? Alguma esquisitice? Ass: Um esquisito que te ama esquisitamente." 

Às vezes penso em revidar, protestar, revolucionar a situação com pensamentos que ajudem pessoas que como eu passem pela mesma coisa. Mas não. Tenho me alimentado disso há muito tempo, o que vem nutrindo um monstro em mim chamado vingança. E essa vingança toma proporções devastadoras a cada bilhete, a cada sussurro, a cada olhar que parece me fuzilar. A cada risada que me bane do mundo, que tira meu direito de ser quem sou. 

Eles ainda vão sentir permanentemente que sou mais do que meu silêncio demonstra. Eu não vou chorar, nem me desesperar. Eles é que terão motivos de sobra para chorar. Motivos de sobra para se desesperar. Esquisita não será eu, e sim o clima sombrio que rondará suas vidas medíocres.



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