7. Libertação

45 3 2
                                    

''Todos dizem que o perdão é uma ideia maravilhosa até que elas possuam algo para perdoar.'' (C.S. Lewis)

                                                                                              ***

Ao entrar na casa de vovó, me sinto uma criança novamente. Longe de toda e qualquer preocupação. O mundo lá fora parece não existir mais. Pelo menos não o mundo moderno. É como se ao saisse lá para fora, me deparasse com outra época. Aquela que fui de fato feliz e mal me dava conta disso.

A sensação de revê-la me faz sentir que o tempo nem sempre é um vilão, ele não só passa por que tem que passar. O tempo existe para por tudo em ordem: desde a agenda super lotada de compromissos, até a recuperação de corações partidos. Não consigo imaginar o mundo sem o tempo, e quando o faço, visualizo apenas desordem.

- Ela está no quarto. Ultimamente tem sido o único lugar que tem preferido ficar - diz Hanna me puxando dos meus pensamentos - Antes ela até que gostava de cuidar do jardim, era de certa forma uma atividade terapêutica. Mas depois de um tempo, ela não viu mais sentido, dizendo que estava apenas adiando o inevitável - de todas as informações que recebi em tão pouco tempo, "adiando o inevitável" se fixou imediatamente em meus sentidos. Significava algo que eu não fazia questão de pensar, e muito menos mencionar.

Tudo tinha um fim, isso é um fato incontestável, mas espero que o tempo seja um pouco mais generoso com vovó. Não consigo dizer nada por alguns instantes. Só observo a casa com certa fascinação e nostalgia. Tão perto de vovó como jamais estive. Hanna me fita com um certo ar de curiosidade. Finalmente conhecera a personagem tão bem falada.

- Há quanto tempo trabalha aqui? - isso me pareceu um tanto frio. Como se Hanna fosse apenas uma empregada encarregada de tirar o pó dos móveis. Me apresso a corrigir - Quer dizer, a quanto tempo você cuida de vovó? - ela senta no sofá, o que me diz que uma longa conversa estaria por vir. Ela faz menção para que eu me sente também, e o faço sem hesitar.

- Não pretendo demorar muito, acredito que esteja bastante ansiosa para revê-la. Eu cuido da senhora Rosemeire há exatos 5 anos. Só que parece muito mais, tenho aprendido com ela diariamente. E, muitas vezes, sem que diga uma palavra. Ela irradia sabedoria em cada movimento - sinto uma ponta de ciúmes, lembrando que eu deveria ser a pessoa mais indicada a passar esses momentos com vovó. Mas não culpo Hanna. Devo ser eternamente grata. Ela prossegue:

- Me entristece e me revolta como, ao chegarem nessa altura da vida, essas pessoas sejam simplesmente descartadas como se a velhice significasse simplesmente invalidez e ponto final. E consequentemente, passam a viver seus últimos dias em um asilo. Vivem tudo para terminar em nada. O pior, é que tudo isso parte dos próprios familiares. - me sinto atingida, mas sei que ela só está se abrindo sem intenção de julgamento. Como se lesse meus pensamentos ela continua:

- Desculpe Megan, eu não queria soar tão acusatória. É so que... - a interrompo dizendo: - Não se preocupe Hanna. Quanto a isso temos o mesmo pensamento. Já até posso imaginar quem te contratou. Foi meu pai, estou enganada? - Ela parece sem jeito, baixa o olhar como se tivesse sido advertida a guardar segredo. - Pode falar Hanna. Acho que eu tenho o direito de saber a verdade, e mais que saber, me garanto em suportá-la - Ela me encara de volta e responde:

- Sim, Megan. Foi seu pai. Mas olha, não fique magoada com ele, por favor. Acredito que ele não se encaixe na categoria que comentei agora a pouco. Ele só trabalha demais e queria garantir que sua vó estivesse bem - antes que eu pudesse responder, passos no corredor chamam minha atenção seguidos de uma voz inconfundível:

- Hanna minha querida, agora deu para falar sozinha? Lembre-se que a velhota aqui sou eu - ela ri em seguida o que confere à casa ainda mais vida. Primeiro vejo a sombra a se erguer diante dela, e parece que uma eternidade se passa até que sua forma se revele. Ela para. Parece não acreditar no que vê. Seus lábios se movem sem emitir som algum. Está surpresa demais para falar. Hanna divide o olhar entre mim e vovó, evidentemente ansiosa para esse desfecho. Eu me levanto, prestes a cair em lágrimas. O rosto inexpressivo de vovó me deixa angustiada. Meus pensamentos obscuros a respeito desse momento não podem ganhar vida. Mas o rosto dela se ilumina com um sorriso, dissipando qualquer escuridão que viesse a existir. Se esse sorriso fosse registrado em uma pintura, se chamaria "os primeiros raios da manhã".

O sorriso de vovó também me traz a triste sensação de que esperou muito para brotar de novo, e verdadeiramente. Quando me dou conta, estou ajoelhada aos pés dela e segurando suas mãos a beijá-las. Repetidamente pedindo perdão. Vovó me ergue, e toca meu rosto como se para se certificar de que era real. Por fim, me abraça e diz:

- Não há dúvidas quanto ao meu perdão, neta amada. Precisava de você para fazê-lo em voz alta. Me sinto liberta. Pois perdoar também liberta aquele que perdoa, das amarras do rancor - suas palavras só reforçavam o quanto eu não merecia tamanho amor - E além do mais, perdoar é procurar repor o tempo perdido. E eu quero passar meus últimos momentos com você. Só assim, terminarei minha existência com completa satisfação - vovó teria motivos de sobra para virar as costas, mas escolheu perdoar. Escolheu me aceitar de volta. Escolheu amar.



Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 19, 2015 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Virtual: O mal à um clique de distânciaOnde histórias criam vida. Descubra agora