1. A.S.T.R.A D.A.Y.S - O COMEÇO

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- Adele vamos, pelo amor de Deus largue, largue essas colônias de ácaro e poeira e vamos embora!

Astra choramingava seguindo a amiga entre os corredores da vasta biblioteca, Adele ignorava-a enquanto acomodava os livros em suas devidas prateleiras e respectivas seções, não lhe importava a idade dos artefatos que manuseava no trabalho, para ela quanto mais antigo, mais história, e quanto maior a história, melhor.

Não era à toa que cursava História com especialização em literatura, amava tudo relacionado aos livros, o cheiro, a aparência, textura, eram seu paraíso, paraíso este perturbado por um ser extremamente irritante chamado Astra, estudante de direito, sua amiga e colega de apartamento.

- Para onde? Acha que posso largar meu trabalho e sair perambulando pela cidade? - Rebateu, serpenteando habilmente os corredores até a seção infantil, seu fiel carrinho emitindo um ruído irritante durante o percurso, talvez, só talvez, não gostasse de algumas coisas antigas, as que rangem particularmente.

- Vamos lá Addie, vamos fazer algo digno de ser lembrado! - Astra encurralou a amiga, tomando-lhe os livros dos braços e jogando-os de qualquer jeito numa poltrona.

- Digno de ser lembrado você diz, vejamos como eu interpreto - começou empurrando-a para o lado, recuperando os livros e continuando seu trabalho. - Vamos sair, encher a cara, ficar com alguém cujo nome não conhecemos, pegar algum tipo de doença sexualmente ou melhor, qualquer tipo de doença transmissível via saliva, o que vale salientar, eu acho extremamente nojento, ou talvez, na melhor das hipóteses, engravidar. Eu não acho isso divertido tampouco algo digno de ser vivido ou lembrado.

Retrucou, estreitando os olhos castanho carmesim atrás das lentes da fina armação negra. Astra bufou, jogando os braços para cima teatralmente e começando com suas reclamações.

- Eu disse vamos fazer algo digno de ser lembrado, não "vamos entrar no clipe de Last Friday Night da Katy Perry e viver a vida loucamente"- completou rolando os olhos enquanto mexia o quadril num movimento tosco e falho de imitar o Rick Martin - Estou falando pra nos divertimos, ver um filme, ir num parque, tomar sorvete, boliche, essas coisas.

- Ainda tenho trabalho aqui por hoje Astra, não rola.

A amiga gritou, se jogando no chão enquanto levantava os braços meneando negativamente com a cabeça.

- Deus, por que de tantos seres humanos na face terrestre o Senhor inventou de me dar essa maníaca por livros perfeccionista como amiga? O que eu fiz? Joguei sal na santa ceia?

E Astra continuou se lamuriando, criando uma cena no meio do salão principal. Adele contou até três, seis, nove, doze.... Desistiu de se acalmar, bufou, bateu os pés, guardou o carrinho, bateu o ponto, pegou a bolsa e jogou na amiga, que levantou reclamando da dor e sussurrando uma aleluia escandalosa demais para passar despercebida, colocaram os sobretudos, trancaram a porta e saíram, soltando um suspiro resignado quando notaram o trânsito parado.

- Vamos andando? - Sugeriu a amiga, Adele mordeu o lábio inferior, conferindo o horário em seu relógio.

- Aonde é o cinema?

- No nosso bairro, por que é mais barato, claro, há uns três quarteirões daqui.

Adele olhou para sua caminhonete estacionada na transversal, olhou para o trânsito, bufou e começou a andar sendo seguida por Astra, que ria internamente da preguiça e mal humor estampados na amiga.

- Por que de tantos dias na semana para me arrancar do trabalho, você escolheu justamente uma sexta feira?

- Por que hoje é o festival de filmes do Tim Burton, e ao contrário de você, eu gosto de filmes com efeitos especiais de verdade. - Defendeu-se, com a mão no peito, numa pose de falsa indignação.

As duas riram e seguiram andando pelas longas calçadas inglesas, quando decidiram que se mudariam para a terra da rainha, não imaginaram que mesmo em cidades não tão conhecidas como Londres existiria engarrafamento, triste fato... Depois de três sinais, um mendigo e uma briga entre gatos, Adele resolveu quebrar o silêncio.

- Astra, você já parou pra pensar no quanto é estranho nós duas termos nomes que começam com a letra A?

- Eu me pergunto todos os dias várias coisas, como por exemplo, por que as lojas etiquetam as coisas com 1,99, você não vai pagar dois reais, euros, dólar, etc, do mesmo jeito? De que adianta colocar o bendito 99, se só seria vantajoso se você comprasse, por exemplo, cinco meias de 1,99, o que resultaria num troco de cinco centavos? Vale alguma coisa? Não, mas mesmo assim eles colocam, sabe pra quê? Pra iludir o povo, que compra feliz achando que vai economizar dinheiro - dizia, fazendo gestos exagerados e arrancando olhares curiosos da multidão.

- Astra... - interrompeu, as gargalhadas, fazendo garota parar e tentar, em vão, continuar a conversa sem rir.

- Enfim, penso em muitas coisas sim, mas essa não é uma delas.

- Eu acho curioso. - respondeu Adele com um ar de interesse, Astra sorriu irônica.

- O quê você não acha curioso Addie? Você é historiadora esqueceu?

- Aspirante você quis dizer.

- Claro que não, já faz três anos que entramos na faculdade, já sabemos sim como exercer nossas profissões, de agora em diante é aprimoramento.

- Astra, você é tão otimista que ás vezes eu fico em dúvida entre ficar assustada ou estressada. - Disse a garota prendendo o cabelo num coque mal feito, as lentes dos óculos embaçavam devido ao frio.

- E no momento meu otimismo te assusta ou te estressa?

- Os dois. - Respondeu entre risos, a morena parou, olhando para a amiga com uma sobrancelha arqueada. - Brincadeira, só me assusta mesmo.

- Sei...

- Astra, o sinal! - Adele bradou, puxando a amiga pelo capuz, Astra veio cambaleando até a calçada, quase caindo encima da garota. - Ás vezes eu acho que você se esquece que existem sinais de trânsito na rua. Quer morrer atropelada?!

- Mas o sinal fechou! - berrava a outra, com um bico do tamanho da lua.

- Mas nunca se atravessa sem olhar para os dois lados Ash! Mesmo se o sinal estiver fechado.

- Aff, motorista bronco, é bom que seja multado e perca a carteira. - agourava a menina, com um sorriso maligno nos lábios e os olhos brilhantes, Adele rolou os olhos, meneando negativamente com a cabeça.

- Astra...

- Tá, tá, vamos logo que aqueles gatos briguentos estão vindo na nossa direção. VOU PASSAR, I'M PASSING, STOP THE CARS!

Sim, Astra atravessou a rua berrando com os outros carros, apenas para garantir que "não seria pega de surpresa", Adele seguia a amiga de cabeça baixa, escondendo metade do rosto no cachecol, como queria uma capa de invisibilidade...

- Vem logo Adele! - gritou a menina, marchando até o outro lado.

- Eu não te conheço Astra!

- Se não me conhece então como sabe meu nome?

Como duas crianças, as duas seguiram discutindo meios de uma saber o nome da outra sem que se conhecessem, todo tipo de teoria bizarra surgia naquela conversa, mas nada, repito, nada seria mais bizarro do que o que aconteceria.

Os dois gatos brigões estavam no encalço das duas amigas, não piscavam, desviavam, ou olhavam para outra coisa, as pupilas dilatadas prestavam atenção a todo movimento da bibliotecária, atenção esta, capaz de notar a ponta do cachecol azul pender próxima aos tornozelos da garota, sem pensar duas vezes, os dois agarraram o tecido com os dentes e correram por entre a multidão.

E é aqui, que nossa história começa.

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