Ouvi alguns burburinhos do andar de cima e infelizmente não consegui distinguir uma palavra sequer, mas já até sabia que minha mãe e seu namorado estavam discutindo. Fui para a cozinha beber um copo de água e meu irmão mais velho, Jack, estava lá fazendo qualquer outra coisa no computador.
- Sim, essa briga toda dos dois está relacionada à festa que demos ontem.
Continuei andando e ouvi alguns barulhos fortes da rua, pareciam com revolves disparando, já até sabia que Jack largaria suas besteiras da internet e sairia correndo apavorado para o nosso quarto, e foi assim, parecia uma criança cagando de medo de apanhar da mãe.
- O que você tem cara? - ele disse entrando no quarto pronto para se embrulhar no edredom.
Pensei um pouco antes de falar algo - Como assim?
- Ah, você ainda pergunta? A rua só está cheia de malucos atirando em tudo o que vê pela frente, e você fica ai numa boa?! - ele já estava deitado me encarando.
- Contando que ninguém me mate, sim estou numa boa. - respondi me sentando na cama relaxando os músculos.
Ele me fitou por alguns segundos curtos e se virou para o lado da parede, de repente ele começou a fazer algum tipo de reza para que nossa casa não fosse demolida por tiros, eu queria muito rir mas não atrapalhei ele. Enquanto isso tirei minha camiseta do Bart e me deitei olhando para os rabiscos que eu e Jack fizemos alguns anos atrás.
Comecei a pensar sobre o desenho de uma garota com balões coloridos nas mãos voando no meu teto, que, por um acaso fui praticamente obrigado a rabiscar, Jack não era muito bom com desenhos, então acabou sobrando para mim. - Esse desenho que fiz, foi para te ajudar a conquistar a Ally, né?!
Ele se virou para o meu lado e observou o desenho, que agora já estava totalmente desbotado. - Trouxa foi ela que não me quis porque não bebi ovos cru.
Ally era uma garotinha que morava aqui no bairro. Eu, meu irmão e ela sempre saíamos todas as tardes para brincar na pracinha que tinha perto da nossa casa. Eram tantas brincadeiras que agora nem me lembro direito quais eram. E por incrível que pareça, Jack não parava mais de falar sobre Ally antes de dormir
"A Ally é uma garota incrível né?"
"Lá na escola as garotas não são como a Ally, são todas tão metidas e briguentas".
Até que um dia eu falei pra ele que parecia que estava totalmente apaixonado por ela, mesmo sabendo agora que aquilo era coisa de criança. Ele foi alimentando aquela pequena paixão e disse pra ela
"Ally, eu gosto de você."
Ela ficou olhando ele abismada, e ele me obrigou a desenhar ela na parede voando com balões coloridos.
E ela apenas disse:
"Muito bonito o seu desenho, mas Jack, beba ovos cru e eu vou namorar com você", Jack não bebeu e preferiu manter a amizade, claro.
- Bah, que nojo! - falei, imaginando se Jack tivesse tomado mesmo os ovos naquele dia.
- Não estava tão apaixonado assim para cometer um crime daqueles! - ele soltou uma gargalhada e eu ri junto.
Ficamos olhando mais um pouco para os desenhos e conversando sobre a história de cada um deles. Mamãe e seu namorado pareciam ter acabado de brigar e eu comecei a lembrar de meu pai. Ele estava conversando com minha mãe no quarto dizendo que foi transferido para trabalhar no México e que não tinha condições de levar todos nós juntos, ele disse que depois de um ano voltaria e nunca mais voltou.
Minha mãe, Mary, sempre veio respondendo minha perguntas dizendo que ele talvez tenha arrumado outra família e ficado por lá mesmo, ou que ele estava traindo ela desde o início e foi morar com a amante. Acho isso bem provável mesmo.
Meus pensamentos tinham ido longe demais e, de repente, ouço alguns barulhos fortes vindo do quarto da minha mãe. Jack claramente, o mais apavorado, saiu da cama em questão de milésimos e foi direto para o quarto da mamãe, ele gritou claramente:
- Filho da mãe... Babaca!!
Eu não queria pensar no que estava suspeitando, talvez um bandido da máfia entrou pela janela e simplesmente foi atirando e matando eles dois. Me sentei na cama e simplesmente paralisei, meu corpo não estava obedecendo meu cérebro. Meus olhos estavam vidrados, nem as pálpebras queria fechar e abrir, como sempre faziam.
Senti minha pulsação mais forte, minha espinha dorsal tendo arrepios e meus pés latejando querendo obedecer os mandamentos que meu cérebro fornecia. Mas o estranho é que, eu obedeci e não percebi que fiz aquilo.
Foi tudo muito lento na minha cabeça, a imagem estava entrando como um filme. E foi mais ou menos assim:
um garoto de treze anos estava conturbado ouvindo gritos de seu irmão mais velho, que tinha dezesseis anos. Ele gritava como se quisesse esganar alguém, esse garoto conseguia escutar seus próprios passos no corredor enorme que havia em sua casa. Andava passando os dedos na parede lisa cor beje, seus pés pisavam em pisos de madeira e isso ajudava muito que fizesse eco.
Seus olhos estavam querendo explodir em lágrimas e ver a imagem de sua mãe, talvez seria a última. Ele continua andando e por algum instante para, porque não queria sofrer logo, mas disse para si mesmo "coragem" e foi. Fechou os olhos e entrou no quarto de Mary, ajoelhou - se e conseguiu enfim explodir sua angústia.
Abriu os olhos e conseguiu ver que seu irmão estava sentado no chão, chorando desesperadamente com a cabeça de sua mãe nas mãos. A mesma estava com dois tiros na testa, e seu companheiro estava jogado com um tiro no peito.
Essas cenas me marcaram muito, até hoje. Lembro que depois daquilo tudo, vários policiais entraram na nossa casa, pois, Jack havia ligado para eles. Eles passaram por ali e entraram no quarto dizendo para que saíssemos, tive que pegar meu irmão pelos ombros e levá - lo porque senão ele iria ficar por ali mesmo.
Eu sabia muito bem que dali pra frente minha vida iria tomar um rumo totalmente diferente se minha mãe estivesse viva. Um tempo depois, meu irmão veio ver as estrelas comigo pela janela, ficamos ali ouvindo os policiais tentando projetar como teria sido a cena do crime. Fiquei pensando como seria minha vida agora sem minha mãe, mas vou tentar ser forte o suficiente para superar.
- É meu mano... vamos ter que aprender a viver sem a senhora Mary. - Jack choramingou.
- Tudo vai mudar agora, para mim e pra você.
Ele apenas bufou do meu lado e ficamos ali, parados olhando a rua que nessas horas já estava deserta apenas com as luminárias acesas. Alguns segundos depois, um policial negro que se chamava James veio até nosso quarto dizer que os corpos já estavam sendo retirados, e que voltaria no dia seguinte resolver o nosso caso.
Eu não consegui dormir por um bom tempo, fiquei ali, deitado olhando a lua iluminar meu quarto, coisa que talvez nunca mais eu faça novamente aqui neste lugar.
- Zayn Malik, relembrando a vida, 1986.
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Convict
JugendliteraturZayn Malik, um garoto reservado e ao mesmo tempo falado por todos. Ninguém sabe do seu maior segredo, e ele não espera o que tem por vir, que com toda certeza está muito próximo. Como será que ele vai reagir?