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LÍVIA FORKS

"Não tinha medo tal João de Santo Cristo, era o que todos diziam quando ele se perdeu..."

Acordo com as palavras de Renato Russo e sei que são 6:30 da manhã. Tem coisa melhor do que teu ídolo te acordar todos os dia de manhã? Amo despertadores.

Fito o teto branco de gesso do meu quarto, com as estrelinhas amarelas brilhando no escuro. Meus pais as colocaram lá quando eu tinha apenas 12 anos, com o intuito de propiciar noites mais tranquilas. Não deu muito certo, mas de alguma forma, essas estrelinhas se tornaram reconfortantes.

 Durante os próximos 4 anos, não dormirei com estrelinhas amarelas me vigiando. Hoje eu vou para um internato.

Me espreguiço na cama e saio das cobertas. Pego minha roupa que está dobrada em cima da penteadeira e uma toalha, seguindo para o banho. Provavelmente esse é meu último banho em casa por um longo tempo.

Entro no box após me despir e ligo a ducha em temperatura adequada. É bom relaxar assim, deixar a água escorrer por seu corpo, levando com ela todas as preocupações.

Depois de 15 minutos, desligo o chuveiro. Me seco e visto o uniforme que usarei a partir de agora: saia de pregas azul marinho, blusa branca de botão e gola, gravata dourada e azul, sapatilhas pretas. Uma péssima combinação de cores e modelos, na minha opinião.

Seco o cabelo e amarro uma fitinha preta nele, para segurá-lo atrás do meu rosto.
Por um minuto permito analisar o meu reflexo no espelho: 1,67 de altura, não exatamente gorda ou magra, um corpo em desenvolvimento, bochechas rosadas, olhos grandes e cinzas, pele clara, cabelos castanho escuro, caindo em uma cascata de ondas por minhas costas até a linha do quadril. Não acho que sou bonita ou atraente. Só sou eu mesma. Sem nada de mais a oferecer, uma garota desengonçada e problemática de 14 anos do sul do Brasil.

Dou uma última olhada no meu quarto. A empregada acabou de arrumar minha cama e deixou um farto café da manhã esperando-me no criado-mudo, mas eu não estou com fome. Eu não estou me sentindo bem.

É minha 4ª escola em 5 anos. Então você deve imaginar o quão problemática sou. Tenho muita dificuldade de adaptação, de conviver com as pessoas ao meu redor, de falar com estranhos ou em público. Não gosto de olhares voltados para mim, eu quero ser invisível, não ser notada.

Meus pais conversaram com minha psicóloga, Dra. Luna e ela os orientou a colocar-me em algum lugar longe deles, onde eu tivesse que me virar sozinha, interagir à força com outras pessoas. 

Eu mergulhei em um abismo profundo depois da última reunião familiar. Perdi minha avó. E a culpa?Foi toda minha. Nunca, jamais vou conseguir me perdoar por isso. Meus pais e meu irmão dizem que eu não tinha culpa, mas sei que tenho. Conviverei com a dor de ser uma assassina para sempre.

E então, tudo que passei durante minha vida pareceu se tornar ruim. Cheguei a conclusão de que não sou uma boa pessoa, mas alguém que só prejudica todos ao seu redor. Então eu me isolei, desejando ficar sozinha para sempre. Mas algo me fez companhia durante esse período obscuro: a depressão.

Tentei tirar a minha vida inutilmente várias vezes. Afinal, nem pra morrer eu presto. Além da culpa, carregarei também as cicatrizes em meus pulsos.

O alarme soou em minha família e eles começaram a buscar tratamentos e mais tratamentos para mim. Eu não reagia a eles. Simplesmente me trancava no meu quarto e chorava por horas, sem atender aos apelos de meu pai que batia desesperado na minha porta.

Então, a última alternativa era um colégio interno, um lugar onde eu precisaria manter relações sociais. Nem preciso dizer que odiei essa ideia.

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