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TOBIAS SCOTT

"Não tinha medo o tal João de Santo Cristo era o que todos diziam quando ele se perdeu..."

Bom dia, Renato, penso enquanto abro preguiçosamente meus olhos. A primeira coisa que vejo é meu teto branco, de gesso. 

Me espreguiço e saio da cama lentamente. Em cima da minha escrivaninha há uma roupa familiar. Ahh claro, meu uniforme do Salvatore, hoje começam as aulas, uuhuuulll. Finalmente vou poder vazar desse inferno e voltar para a escola.

Você deve achar que eu sou meio louco, mas não. Eu amo a escola, literalmente, e odeio minha casa e minha família, literalmente também.

Agora você deve estar pensando que eu sou um desnaturado... É por aí, coisa de família sabe? Genética talvez...

Vou para o banho e rapidamente estou vestindo o uniforme ridículo, mas ao mesmo tempo reconfortante do Salvatore: calças jeans, blusa branca de botão e gravata azul branca e dourada. Quando eu disse que era ridículo, não era uma hipérbole.

Olho para o canto e vejo meus gibis, e ao lado, alguns dos meus instrumentos. Lembro do dia que resolvi pedir pros meus pais pra me deixarem fazer um teste no Salvatore, já que eles me odeiam e eu odeio eles, a melhor coisa seria ficarmos o mais longe possível uns dos outros e ainda assim parecermos uma família feliz. Piada.

Eles aceitaram sem relutância, mas também sem fé. É que a Salvatore é uma máquina de talentos da América Latina e por isso mesmo é muito concorrida. Mas um dedilhado aqui e uma voz ali, eu tinha passado. Nem preciso dizer que quase soltei foguetes né?

Meus pais também, apesar de que eles estavam felizes por se livrarem do filhão inútil e indesejado aqui.

No fim das contas, fui aprovado na Salvatore e vai ser meu 5º ano lá. Na parte dos estudos normais, sim, é bastante difícil, porque apesar de estarmos lá por um talento específico, ainda precisamos passar na faculdade futuramente, então, não dá pra vacilar.

São 950 alunos ao total, divididos em teatro, música e esportes. De manhã temos aulas curriculares e a tarde oficinas que condizem com seu talento. Existem algumas tardes que são livres para estudo, e aquelas tardes que vem no dia anterior a uma prova não exigem presença nas oficinas.

É raro termos um momento de folga, mas é bom manter-se ocupado, ter coisas importantes para se pensar. Pensar mais no presente e no futuro e não no passado...

Á noite, o toque de recolher soa as 23h, a janta é servida pontualmente as 19h. O café é servido as 7:15 e as aulas começam 7h45min; no horário da manhã, a aula acaba as 11h50min e o almoço é servido as 12h em ponto. Á tarde os lanches são opcionais, mas são servidos as 15h30min. Esses são basicamente, os horários que devemos cumprir com precisão, além dos horários das oficinas em que estamos incluídos.

Despertando para a realidade, dou um giro 360° e observo meu quarto. Olho de lado para a escrivaninha e vejo os rastros de minha raiva ali gravados. Um abajur pode realmente quase destruir uma escrivaninha quando você está com raiva, muita raiva. Inconscientemente, as lembranças ruins de dias que passei nesse quarto me encontram sem permissão e me abalam sem dificuldade. Foram dias difíceis, em que meu violão foi meu único amigo, dias em que meus pais jogavam na minha cara o quanto eu era, ou melhor, sou indesejável. Mas é bom deixar o passado para trás, porque o Salvatore me espera!

Jogo minha mochila nas costas, pego o celular e desço rapidamente as escadarias, passo na cozinha e pego uma maçã. Cleusa, a empregada, ri da minha cara ao perceber que a maçã estava com uma batida e da minha atitude infantil quando pedi para que ela cortasse fora a parte estragada da fruta. Ela é minha 2ª mãe, me conhece desde criancinha. Meus pais a contrataram para que eles não precisassem cuidar e perder seu tempo com futilidades de uma criança inútil. Quando eu estava doente, ralava o joelho, perdia um dente, era Cleusa que me acudia. Quando minhas notas boas na escola apareciam, quando a primeira canção se formou em minhas mãos, foi para Cleusa que eu mostrei, porque meus pais nunca tiveram tempo para mim.

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