Dragões existem (editado)

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O ambiente estava impregnado de uma viscosidade perturbadora, como se o mundo inteiro tivesse se transformado em uma lama de cor púrpura opaca. A cada movimento que fazia, Amélia sentia a resistência do lodo pegajoso, a atmosfera carregada de um odor ácido. Desesperada, ela tentou se erguer e correr, mas suas pernas escorregavam, afundando-se cada vez mais no terreno instável.

— Onde estou? — A voz de Amélia ecoou em um tom agudo, permeado pelo pânico. Enquanto tentava remover o lodo que se agarrava à sua pele, notou algo perturbador. A substância roxa começou a exalar uma fumaça esverdeada e acre. Um zumbido sibilante preencheu o ar, como o barulho de carne sendo queimada. Horrorizada, ela percebeu que a gosma era ácida e estava corroendo sua própria carne. Os músculos de suas mãos derretiam, transformando-se em um líquido viscoso avermelhado. Seus ossos começaram a ficar expostos, o contorno de cada falange tornando-se dolorosamente claro. Ela tentou gritar, mas sua voz era apenas um fio de som, sufocado pelo terror que a consumia.

— Todos devem sofrer... como eu sofri! — A voz cavernosa emergiu das sombras, ressoando como um pesadelo vivo.

— E-eu... Eu não sou culpada...— As palavras de Amélia saíram entrecortadas por soluços.

— Todos são culpados! Todos! — O rugido veio das trevas, e a figura que emergiu não era mais humana. Diante dela, um dragão com escamas de um roxo profundo a encarava com olhos flamejantes. A criatura abriu sua boca colossal, e, contrariando todas as expectativas alimentadas por filmes e literatura, não cuspiu fogo, mas sim um jorro de ácido letal.

Esse era o seu fim. Amélia sentiria sua carne e ossos se dissolvendo, sua existência reduzida a nada. A angústia final a engolfou.

— Não! — A palavra irrompeu de seus lábios enquanto ela abria os olhos abruptamente, o coração disparado. Tentou se levantar, mas uma mão a segurou com firmeza, forçando-a a ficar deitada.

— Amélia?! Você está bem? Não se levante ainda...— A voz reconfortante de sua mãe a envolveu como um cobertor quente. Confusa, Amélia percebeu que estava em uma cama, rodeada não pela viscosidade aterradora, mas por um ambiente iluminado. Uma rápida olhada ao redor revelou que aquele não era o seu quarto de infância, embora contivesse alguns de seus pertences pessoais e caixas de mudança. Era um espaço mais amplo, diferente do quarto apertado onde passara a maior parte de sua vida. Seria essa a nova casa para onde iriam se mudar?

De repente, a realidade começou a se reajustar, e Amélia se perguntou se tudo aquilo não passara de um sonho terrivelmente vívido. Mesmo assim, a sensação de alívio não era completa; algo em seu íntimo dizia que o pesadelo ainda a rondava, como uma sombra inextinguível.

— Mãe... O que houve? — indagou Amélia, sua voz tingida de confusão e um leve tremor de ansiedade.

Olívia, sua mãe, parecia hesitante, com os olhos varrendo o rosto da filha como se buscasse as palavras certas. Ela desviou o olhar brevemente e, nesse instante, outra figura se aproximou da beira da cama.

— Estamos aliviados que você tenha acordado e que esteja bem, Amélia — afirmou Arthur, colocando uma mão reconfortante no ombro de Olívia. O simples gesto parecia infundir uma certa calma na mulher, embora não dissipasse completamente a atmosfera carregada do quarto.

— O que realmente aconteceu? — Amélia insistiu, sentindo-se cada vez mais inquieta com a tensão que se instaurara.

— Você não se lembra? — A voz de Olívia denotava um misto de alívio e preocupação, como se ela estivesse dividida entre querer contar a verdade e temer a reação da filha.

Amélia hesitou. Se tudo aquilo fosse apenas um sonho grotesco, mencioná-lo a tornaria objeto de zombaria, certo? Além disso, não tinha a menor ideia de como chegara àquele lugar, àquela realidade.

Fogo e Escamas (Em processo de edição)Onde histórias criam vida. Descubra agora