Capítulo II - Fogo e Sal

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Uma chuva torrencial caía sobre as casas e sobre o mar. Não havia pessoa que se aventurasse em uma tempestade daquelas. Trovejava. Barcos e navios estavam atracados, balançando violentamente, uns contra os outros e contra a maré, que subia cada vez mais. Estava escuro, mas já era tarde, e o tempo era valioso. Eu já sabia que providências tomar.

Dei um beijo em Luce, minha irmã mais nova. Seus cabelos negros espalhavam-se pelo travesseiro e os olhos verdes estavam fechados. Como era parecida comigo! Henry e Anna também estavam no quarto e dormiam um sono leve. Henry tinha cabelos loiros e algumas sardas no nariz e nos ombros, tão diferente do meu verdadeiro pai, que havia se perdido no balanço do mar e no barulho das ondas. Anna tinha cabelos morenos e pele clara, combinando com os olhos verdes. Eu tinha os olhos do pai. Castanhos azulados.

Fui até a porta da frente e segurei um guarda-chuva preto de listras brancas. Girei a maçaneta e abri a porta, com o cuidado de não fazer barulho e acordar alguém. Senti o vento úmido no rosto e gotas de chuva caindo em meus cabelos e roupas. Armei o guarda-chuva e caminhei pela rua, dispensando a areia da praia. Tudo estava cinzento e a visibilidade era mínima, podendo-se distinguir coisa ou outra por seus vultos e pelos faróis acesos dos carros que trafegavam pelo pavimento irregular, espalhando a água empoçada. A neblina impedia que eu enxergasse mais que poucos passos à frente em qualquer direção. A estrada acabou e eu adentrei em um terreno ermo e lamacento. Ouvia-se o farfalhar das folhas e, em seguida, o som de passos abafados pela água e pela lama. Arregalei os olhos, levando o guarda-chuva à frente, como se ele fosse uma arma com que eu pudesse ferir alguém que quisesse fazer o mesmo comigo. Pensei em como aquilo soava infantil.

- Quem está aí? – Chamei, empunhando o guarda-chuva para o lugar de onde o barulho tinha vindo. A chuva havia aumentado e o vento, engrossado o vôo.

Detrás de uma árvore, cujas folhas brandiam velozmente, surgiu um homem, que cruzava os braços à sua frente, apertando o tórax para que não tremesse de frio. Balançou os cabelos molhados.

- Não ataque, por favor – Ele riu desdenhoso. Vestia uma camisa lilás que, por causa da chuva havia colado em seu corpo, e uma calça jeans encharcada. Recolhi o guarda-chuva e continuei andando, sem me importar com as gotas que passavam a encharcar minhas roupas e com o homem que passara a me seguir. Ele não me era estranho.

- Não lembra mesmo de mim? – Perguntou ele, tomando minha visão com um par de olhos azuis. – Vamos. É claro que lembra!

- O que você quer? – Perguntei, fixando meus olhos nos dele. Sim, eu lembrava dos cabelos loiros e dos olhos azuis. Podia jurar que ele era... – Steven?

- Ora, sabia que você iria lembrar – Disse ele e depois abriu um sorriso. As gotas de chuva caíam pesadamente em seus cílios claros.

- Ora digo eu! Nunca mais me assuste assim, ouviu bem? – Ele meneou a cabeça, fazendo que sim, ainda com o sorriso no rosto. A chuva, então, transformou-se em garoa e Steven começou a andar ao meu lado, vez ou outra se atrevendo a olhar para mim. Resmunguei baixinho.  

- Posso saber aonde vai? – Quis saber ele, ajeitando os cabelos molhados no rosto. Fiz que sim com a cabeça e apontei para um prédio escuro e imponente que apresentava apenas uma luz acesa. Uma ruga apareceu em seu rosto e ele fez outra pergunta: - O que você vai fazer em uma biblioteca?

Revirei os olhos.

- Ora, acho que o senhor deve saber o que se faz em uma biblioteca, Steven. Não seja tolo. – Ele aquiesceu, mas depois riu novamente. Ri com ele. A noite não fora nada fácil, e por mais que eu quisesse esquecer o que tinha visto e vivido, não me saía da cabeça. O medo me dominava. Eu tremia, mas não era de frio, e sim de aflição.

Anjos da Escuridão - A Primeira FaceOnde histórias criam vida. Descubra agora