Capítulo I - Alguma coisa maligna

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Acordei com um pressentimento ruim. Uma lágrima ameaçava cair do canto do olho. Era sempre assim. Acontecia um sonho estranho, e horas depois já não havia mais nada dele, nem mesmo a certeza que o mesmo havia acontecido.

Da janela entrava um ar gelado. Afastei os cobertores do meu corpo e levantei, espreguiçando-me. Fui até o criado-mudo, olhando-me no espelho. Passei o pente pelos cabelos pretos e deixei que meus olhos castanhos azulados pousassem sobre meu reflexo. Abri a porta talhada a madeira e senti o ar frio entrar por ela. Observei as ondas quebrando da costa pela sacada da pequena casa que eu dividia com minha mãe, Anna, minha irmã, Luce e meu padrasto, Henry. A vida era a mais normal possível naquela cidadezinha do litoral, cercada de pessoas que se conheciam com a palma das mãos. Aquela maravilha era Angel Bay.

 O sol não raiara ainda, mas os barcos já estavam no mar, na mesma aventura nauseante de todos os dias. Mas havia um na costa, e parecia encalhado. Fui até lá.

Não era dos mais bonitos, mas era enorme. Um navio. Em sua proa levantava-se uma mulher perfeitamente desenhada a cerâmica. Havia uma túnica verde esmeralda, já desbotada pelo sol e pelas águas marinhas, que caía de seus ombros a seus pés. Seus cabelos vermelhos ondulados estavam soltos e, no alto, havia uma coroa de pétalas quase negras.

Ao lado do navio, podia-se ver as inscrições desgastadas indicando seu nome: Navegante Negro.

Uma corrente de ar gelada passou, fazendo meus pelos da nuca se arrepiar. Da cabine mais alta, pude ver de relance uma mulher, semelhante à mulher de cerâmica na proa. Ela tinha uma aparência cansada e fria. Que mulher viveria em um navio abandonado? Insinuei gritar algo para ela, mas, misteriosamente, ela sumiu.

Balancei a cabeça, afirmando que eu estava vendo coisas. Definitivamente não havia mulher nenhuma ali. Mas havia um homem, do outro lado da praia. Bom, é claro que eu não ficaria surpresa em ver um homem fazendo uma caminhada matinal na praia, mas... Aquela era uma cidade realmente pequena e eu conhecia todos dali.

Ele tinha cabelos loiros e à medida que foi se aproximando, percebi que seus olhos eram azuis – e estavam fixos nos meus. Vestia uma camisa azul clara e shorts de cor bege.

- Vi você me observando – Disse ele quando tentei desviar o olhar.

- Desculpe – Disse desviando meu olhar, as bochechas começando a corar – Você não é daqui, não é? – Perguntei depois de algum tempo balançando-me de um lado a outro.

Balançou a cabeça, fazendo que não.

Ele estava intrigado com as ondas que quebravam no mar. Eu olhava para ele, para seus olhos. Ele olhava para mim quando eu não me atrevia mais a olhar para ele, mas nunca nos encarávamos.

- Steven – Disse ele.

Olhei para ele confusa.

- Como disse?

- Sou Steven – Disse ele rindo – Prazer.

Houve um aperto de mãos.

- Catharina – Disse, largando sua mão.

Steven voltou seu olhar para o mar e eu não me atrevi a olhar mais para ele. Percebi que não sabia mais que seu nome e já estava pronta para lhe fazer um interrogatório quando vi que ela havia sumido.

Voltei meu pensamento para a mulher que vira no navio e como aquilo era macabro, mas decidi que resolveria aquela dúvida de uma vez por todas. Hoje à noite.

A noite caíra. O navio ainda estava encalhado. Decidi que resolveria aquilo e diria a mim mesma que não passava de uma ilusão ou de uma brincadeira de mau gosto. Peguei uma lanterna e segui para a praia. Era noite de lua cheia e seu brilho caía sobre o navio, que parecia ainda mais macabro e assustador. Uma vela velha e destroçada havia sido levantada e balançava com o vento forte e com a maré. Inflei os pulmões e fui até lá.

Anjos da Escuridão - A Primeira FaceOnde histórias criam vida. Descubra agora