O Deus do Fogo

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A medida que ia me distanciando da caverna podia sentir minhas mãos formigarem,estava estranho,minha visão estava diferente,não diferente ruim, estava melhor,mais viva. Podia sentir o vento na minha pele e as cores se multiplicavam a medida que distinguia a visão.

Apesar dessa melhora repentina ainda me lembrava do que Marmont havia me dito,pensei em como seria se fosse verdade,eu seria expulso do meu reino e fugitivo perdido entre cavernas e castelos. Seria como o homem barbudo,inútil,velho e escondido de tudo que hoje é planejado para mim.

Procurei afastar os pensamentos de ser bruxo da minha cabeça,afinal estava voltando para Murdehr e teria que encontrar minha família.
Depois de quase seis horas de caminhada e o dia já escurecendo,pude vê a ponta do castelo,o alívio que senti ao vê-lo foi inevitável.

Estava tudo queimado,cinza e morto. O lago das Relvias não tinha mais o azul de antes, a floresta não era mais verde e as cadeiras e flores e banquetes do casamento estavam jogados e espalhados por entre corpos de soldados,que haviam no peito bordado um azul de tamanha valentia e honra que deixava despercebido o nome dos Gardon coberto de sangue.

Pensei em como seria se eu tivesse feito tudo diferente,se Natallyn não voltasse, se fosse apenas uma fugitiva, se fosse só uma qualquer e se não fosse filha daquele homem. Tudo teria sido melhor,eu estaria casado com Margary,teriamos tido filhos e seriamos rei e rainha,governaria tudo como meu pai governou.

O amor muitas vezes nos leva a caminhos errados,por mais que eu quisesse Natallyn não deveria ter feito o que fiz,as vezes devemos abrir mão de alguém ou de algo para beneficiar um todo e não só e exclusivamente a nós.

Andei sobre os destroços,entrei no castelo e não havia niguem. De longe pude avistar a espada que meu pai usava,corri na esperança de encontrá-lo por perto. Ao chegar peguei a espada,tinha o punho vermelho da casa Lancerth,a casa de sua mãe.

Ao abaixar-me para pegar a espada,vi um homem vestido de rei,deitado de costas para o chão. Não queria acreditar que fosse meu pai,ele era forte,valente e não poderia morrer ali. Virei o homem para vê seu rosto, era ele, vi o que estava velho,o rosto estava metade queimado, mas o outro lado estava perfeito,intacto. Era meu pai,morto,peguei seu rosto e encostei junto ao meu. Ele me ensinara tanta coisa,era meu exemplo, meu rei.

-Pai! Eu vou matar aquele desgraçado,vou quebrar seu reino e tudo que há envolta dele irá morrer também.- Falei.

Apesar da tristeza não chorei,estava seco demais, cansado demais e com o sentimento de vingança maior que tudo que poderia um dia ter sentido.

Sair daquele lugar,com sua espada na mão,estava com o braço sujo de sangue do grande Gardon,parei ao avistar um cabelo preto,corpo pequeno e pele branca como a neve misturado dentre os mortos. Corri. Ao chegar virei-a as pressas e vi minha pequena Melissa,minha irmã,minha pobre e inocente irmã com uma espada cravada em seu peito.

Passei a mão em seu rosto,tirei a espada que já estava suja e quebrada,tirei-a do meio dos corpos e a coloquei na beira do Lago das Relvias,onde adorava passar suas tardes.

Não havia mais o que sentir naquele momento,estava ajoelhado com Melissa morta em meus pés,olhei para os lados procurando algo que pudesse me confortar.

Levantei. Por mais que tivesse prometido não fazer mais aquilo não pude evitar,minha mão abrasou-se em chamas,gritava,chorava e tocava fogo em tudo que via,usava o que tinha,era tudo de mim,estava morto por dentro e só restava raiva para acompanhar a dor.

Dei por mim e estava completamente desnorteado,havia usado meus poderes,depois de muito os usei,não devia ter feito aquilo.

Ajoelhado no chão perto de Melissa,olhei para os lados e vi de longe Marmont,com um cajado,sua grande bata,sua barba comprida e branca e seu rosto coberto de ressentimentos e pena.

- Eu falei que iríamos nos encontrar novamente garoto. Venha,deixe eu te ensinar a conviver com a dor,assim como em anos convivi com a minha. - Disse Marmont.

- Conviverei com a dor,mas isso não impede que outras pessoas possam conhecê-la. E o farei,partilharei minha dor com aqueles que mataram minha família.

- Não tenho dúvidas disso,mas primeiro partilhe seus dias com ela e só assim o tempo irá lhe dizer a hora certa de vingar o seu sangue. Use seu fogo,queime-os! Mostre o que estava escondido. -

Depois das palavras do bruxo,levantei-me,dei alguns passos e soltei de novo as chamas que estavam a muito tempo retidas em mim.

CONDOR:A CONQUISTA DE MURDEHROnde histórias criam vida. Descubra agora