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O meu "Curso de Direito Constitucional Positivo" do José Afonso da Silva estava aberto nas páginas que explicavam sobre o controle de constitucionalidade concentrado. Eu estava estudando sobre os legitimados para proporem a Ação Direta de Inconstitucionalidade...

Era apenas mais uma tarde rotineira de estudos, nada de especial, apenas aquele típico desespero que assola todo estudante universitário em final de semestre.

Em meio aos parágrafos do livro e consultas ao "Vade Mecum", escutei meu celular tocando.

Estiquei meu braço para pegá-lo. O display indicava o número de quem estava me ligando. Era um número desconhecido que eu nunca tinha visto antes.

- Alô? - eu falei ao atender a chamada.
- Você até hoje não trocou seu celular? - falou a voz do outro lado da linha.
- Quem está falando? - perguntei.
- Não está me reconhecendo? Assim eu vou ficar chateado... - falou brincando a voz.

Depois de alguns segundos em silêncio, arrisquei:

- Guilherme?

- Capaz. Achei que você não fosse reconhecer a minha voz. - falou Guilherme do outro lado da ligação.

Naquele instante, as engrenagens do meu corpo pararam e, sem reação, a única atitude que eu consegui tomar foi desligar o celular.

Guilherme ainda mexia com os meus sentimentos, mas o machucado que ele tinha deixado em mim até hoje ainda não tinha se cicatrizado.

O celular voltou a tocar. O display mostrava o mesmo número que antes. Já não era um número desconhecido. Era provavelmente o número do novo celular de Guilherme.

Tive vontade de não atender. Entretanto, a cobiça de escutar a voz dele novamente falou mais alto dentro do meu coração e eu atendi o telefone.

- Alô.
- Caiu a ligação? - ele perguntou todo ingênuo.
- Foi... - eu respondi.
- Você já tirou sua carteira de motorista? Você pode vir me buscar aqui na rodoviária?

Mas era muita cara de pau, vou te falar! Estava achando o quê? Que era casa da Mãe Joana? Que eu era uma espécie de servo dele? Em que mundo ele vivia? Ele que se virasse. Eu não ia buscar ele na rodoviária porra nenhuma!

- Posso. - eu respondi.
- Beleza. - ele falou. - Vem logo, eu não estou agüentando ficar mais um minuto longe de você. Fiquei com tanta saudade, você não tem noção.
- Vou só calçar meu tênis.

Mas o desgraçado era muito sonso mesmo, eu pensei. Quero é que morra. Eu estava com mais raiva dele do que nunca. Voltar assim, como se ele não tivesse feito nada, como se não tivesse me deixado na mão, ao deus dará...

Arrumei-me, peguei o carro e fui à rodoviária.

Chegando lá, encontrei um Guilherme cheio de malas, assentando num dos corredores de espera, assistindo televisão.

Ao me avistar, ele largou as malas, levantou de pinote da cadeira e veio correndo na minha direção me abraçar. Senti seus braços me envolveram num aperto forte e quente.

- Ahh Dodói!!! Eu tava com tanta saudade desse abraço!!! - ele exclamou e eu reparei lágrimas escorrerem de seus olhos.

Agi de forma indiferente, fria. Ele estava muito enganado se estava achando que merecia a minha ternura.

Guilherme desfez o abraço e me olhou confuso nos olhos. Sustentei o olhar, ainda mantendo uma expressão fria de indiferença, como se estivesse na rodoviária a contragosto, apenas por educação.


Guilherme estava bastante diferente desde aquela fatídica tarde do ano passado em que ele me largara atônito no meu próprio quarto. Como exemplo, o cabelo dele estava maior, com um cumprimento mediano, cobrindo parcialmente as orelhas. Além disso, ele estava com barba por fazer. A nova aparência fazia ele parecer mais responsável, embora ele continuasse exalando aquele ar peculiar de garoto levado. A pitinha no canto superior esquerdo da boca continuava no mesmo lugar, provocando o mesmo efeito charmoso que causava antes.

- O que está acontecendo, Marcos? - ele perguntou espantado.

Eu olhei para ele sem acreditar na ousadia dele em fazer a pergunta.

- Você ainda pergunta? - eu retruquei.

Nesse momento, ele olhou para minha mão direita e reparou que eu estava usando uma aliança prateada no meu dedo anelar.

- Ah... - ele exclamou baixinho, decepcionado - Entendo... Eu sou muito idiota de ter pensando que você... Bom... Deixa pra lá...

Nisso, ele me deu as costa.

Eu fiquei puto com aquela ceninha que ele tinha feito. Fui atrás dele e o segurei pelo braço com força. Ele se virou surpreso.

- Espera aí! - eu exclamei irritado, apontando o dedo pra ele. - Você cala a sua boca, seu merda! Porque o idiota aqui, o panaca, fui eu.

Depois de desabafar, larguei o braço dele e dei as costas, indo embora.

Antes que eu pudesse dar três passos, senti a mão de Guilherme agarrar meu braço direito.

- Espera aí você! - ele replicou. - Quê que você tá querendo dizer?

- Você sabe muito bem o que eu estou querendo dizer! - eu exclamei nervoso.

- Não. Eu não sei!!! - irritou-se Guilherme.
- "Você realmente achou que nós iríamos pra frente? Que daria certo? Desculpa, mas foi ingenuidade sua..." - eu falei, repetindo a frase que ele havia me dito há praticamente um ano atrás. - "Você vai ter que se virar..."

Guilherme me olhou surpreso.

- Você não leu o livro que eu falei para você ler? - ele perguntou perplexo.
- Que livro?

Você Quer Ser Meu Pokémon?Onde histórias criam vida. Descubra agora