0.7

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guess who's back...

A cada aula Michael se sentia mais cansado. Seus olhos pesavam, graças à algumas noites não-dormidas pensando em Luke, ou melhor, observando o loiro.

O professor gritava alguma coisa que não fazia sentido algum. Michael encarava o quadro-negro com uma expressão explicita de confusão, os números colocados com certo desleixo fazia com que o garoto agradecesse pela primeira vez em sua vida não ter TOC.

Olhou para o resto da turma, alguns dormindo, outros atentos, com os olhos vidrados na criatura careca que insistia em gritar. Michael encarava os lápis agéis rabiscando as folhas, passeando pelas linhas desajeitadamente, preenchendo cada uma delas por completo. Observava o modo como cada um segurava os instrumentos de escrita, alguns com os dedos preguiçosos bem próximos ao grafite, com certa insegurança, a caligrafia deveria ser perfeita.

Suspirou.

Luke. Luke. Luke. Luke.

Como aquele garoto domou Michael...

"E então teremos uma raiz exata!"

Luke. LUKE. Luke. Luke.

"A prova é amanhã, não quero saber de suas dúvidas!"

Luke. Luke. Luke.

"Michael?"

O garoto levantou o olhar, encarando o irritante professor de Matemática, recebendo olhares curiosos sobre si.

"Presente." Murmurou. Fez questão de voltar ao seu Michael Desafiador, arqueando a sobrancelha. Sendo tudo aquilo que queriam que ele fosse.

"Seu caderno." O professor estendeu a mão, movimentando os dedos, chamando o objeto para si. "Eu quero ver."

O garoto levantou, tomando cuidado para não esbarrar em nenhuma mochila desnecessária no meio do corredor. Chegou até o velho sábio, que o aguardava com uma expressão séria, pronto para julgar qualquer erro do adolescente.

"Quem é Luke, Clifford?" Um arrepio percorreu a espinha do garoto, fazendo o mesmo voltar para a realidade. Encarou o próprio caderno, notando o nome se repetindo várias e várias vezes, sempre do mesmo jeito. As letras seguiam o mesmo tamanho, a caligrafia impecável, várias e várias vezes.

Logo suas bochechas se avermelharam, fez questão de desviar o olhar da folha, pensando o mais rápido possível numa resposta convincente.

"Meu irmão quem escreveu." Mentiu.

"O que você estava fazendo, então?" O professor mudou o próprio peso sobre as pernas, ainda com o caderno na frente de si.

"Por que não cuida da sua vida?" Michael rosnou e puxou o caderno, caminhando para fora da sala.

Velho intrometido.

~*~

Os corredores estavam vazios, afinal, era horário de aula.

Sem correria, pessoas falando ou qualquer tipo de movimentação a não ser a de Michael, aquilo era como o paraíso para o garoto. Claro que arrumaria alguma confusão por ter saído da sala, mas não era como se ele ligasse.

"Gostei do seu cabelo, eu gosto de vermelho." Uma voz feminina soou, fazendo Michael parar sua caminhada. Virou-se, encontrando uma garota mais baixa que ele, os cabelos negros batiam na altura do pescoço. A maquiagem no seu rosto deixava evidente que ela gostava de música boa.

"Uhn, obrigado..." Michael sorriu, recebendo um sorriso de volta. Adorável.

"Então, qual seu nome?" A garota se aproximou com o sorriso que não largava os lábios, deixando seu rosto numa expressão sempre alegre. Assustador.

"Michael, e o seu?" O garoto encarou as roupas da garota. Preto, preto, preto.

Vermelho.

Sangue.

Muito sangue.

Escorria pelas pernas da garota, o cheiro de ferrugem tomando as narinas de Michael, fazendo o mesmo ofegar.

"Fantasia, ilusão, irrealidade, doença." Ela se aproximava cada vez mais, enquanto Michael se afastava em passos lentos, não deixando de encarar as marcas que a garota fazia no piso claro.

Não é real. Não é real. Não é real.

"Ou se preferir... Me chame de Luke, são sinônimos."

Michael fechou os olhos, dando uma última suspirada.

~*~

"Um dos sintomas que ele tem desde pequeno são alucinações." Michael era capaz de ouvir uma voz distante, a mesma fazia com que ele retornasse à realidade aos poucos. "Você sabe, alucinações são falsas percepções na ausência de um estímulo externo, mas com as qualidades de uma verdadeira percepção."

Ele conhecia aquela voz.

Karen.

"A pessoa pode ver, ouvir e sentir coisas que não estão realmente ali. As alucinações podem ser auditivas, visuais, táteis, olfativas, gustativas ou uma combinação de todas. " Karen suspirou, Michael sentia medo de abrir os olhos.

Foi fraco na frente de sua mãe mais uma vez, quantas pílulas isso custaria?

"As auditivas são as mais comuns na vida de Michael, mas não as únicas. Elas são na forma de barulhos, músicas, mas o mais frequentemente são as vozes." A mulher fez uma grande pausa antes de continuar. "Estas vozes podem ser sussurradas, ou claras e distintas, podem falar entre si ou ser uma única voz. Michael desde pequeno reclama que alguém está falando com ele, está perturbando ele, isso começou a me destruir."

"Continue, por favor."

"Essas vozes podem chegar até mesmo a dar ordens... Ordens horríveis."

"E o que a senhora entende sobre as alucinações visuais?"

Michael abriu os olhos. Estava na enfermaria do colégio, tudo fazia sentido em sua cabeça.

Ele era doente.

Ele era louco.

Luke. Luke. Luke. Luke. Luke.

"As alucinações visuais levam a ver distorções de imagens ou aparecimento de pessoas e coisas que só ele vê." Karen apontou para o garoto deitado, não percebendo que o mesmo já havia despertado.

"Ele pode ter contatos e diálogos com essas pessoas e coisas inexistentes." Continuou. "Além disso uma pessoa com esquizofrenia pode sentir cheiros ou gostos ruins ou ter a sensação de ser tocado ou picado, como se insetos estivessem rastejando sobre sua pele."

Pessoas inexistentes.
Pessoas inexistentes.
Pessoas inexistentes.

Luke. Luke. Luke.

Ashton.

Ashton?

"E por que o colocou em uma escola... normal?" O diretor Robin a questionava sem parar, tentando entender ao menos 1% da vida conturbada da família Clifford.

"Porque eu queria ficar longe de tudo isso. As alucinações, os gritos, os pesadelos estavam acabando com a vida dos meus filhos. Michael estava deixando todos ao redor doentes, eu precisava afasta-lo de alguma forma. Ele é um tremendo problema." Karen praticamente rosnou, jogando todas aquelas palavras friamente na cara do Diretor.

Michael sentiu seu coração quebrar, uma dor insuportável invadiu seu peito. Sentia-se inútil, frágil, indesejado. Fechou os olhos, pedindo à qualquer criatura dos céus que aquela fosse a última vez que os fechava.

"Eu não posso aceitar um aluno alucinado pelos corredores do meu colégio..." Robin suspirou, passando os dedos entre os fios grisalhos. "Eu não quero fazer com que o colégio interfira na vida pessoal de seu filho mas... parece que é o único jeito."

"E o que sugere?" Karen parecia cabisbaixa, mas não sentia nenhuma gota de dó.

"Interne-o."

~*~

existence // mukeOnde histórias criam vida. Descubra agora