I - Começando no Meu Fim

88 4 1
                                    

Eu tinha todos os motivos pra enlouquecer, mas o costume com a situação mantinha-me calma.

- Mais chá? - perguntou o homem sorridente a minha frente, lembrava um palhaço, com maquiagem mais que extravagante, rosto pálido e cabelo bagunçado e laranja, também usava um chapéu duas vezes maior que a cabeça.

- Não. - disse enquanto admirava a ideia de se sentir encolhida em um jardim, com flores que possuíam caules com mais de 5 metros de comprimento e botões de um tom azul marinho, os pedaços que apareciam no céu mostrava a extravagancia do lugar: o céu rosa com nuvens verdes. A cadeira na qual estava sentada ameaçava despencar e a mesa a sua frente tinha tantas coisas que mais parecia uma montanha de lixo.

"isso precisa de uma faxina urgente", pensei.

- Claro que não, Alice. - protestou o homem, lendo meus pensamentos - E não temos tempo! Agora é hora do chá.

- Meu nome é Adeline - respondi, bebericando o chá, estava doce demais, mas mesmo assim bebi outro gole.

- O que disse, Alice?

- Disse que meu nome é Adeline - já estava perdendo a paciência.

Ele fitou-me por um segundo e depois respondeu, enquanto morda um pedaço de biscoito banhado em mel:

- Você é a Alice, tenho certeza.

Parecia que ele chamava-me de louca, é claro que eu sabia meu próprio nome. Empurrei a cadeira e joguei a xícara no chão. Os olhos do homem se arregalaram.

Quando Joe, meu irmão caçula de 5 anos e meio, costumava me irritar, eu apenas lhe dava um peteleco no nariz e ele já entendia o recado e me deixava em paz, pensei em fazer a mesma coisa com esse homem, mas seu sorriso era tão aberto e macabro que parecia que ia engolir meus dedos, sem exageros.

- Alice, você está com medo? -ele sussurra.

Olho em volta, está tudo óbvio agora, é sempre assim, um conto de fadas e depois a parte ruim.

- Não. - respondo friamente, fitando os olhos negros penetrantes escondidos por trás de sombra azul escura.

Ele riu com escárnio.

- Você está morrendo de medo. - faz uma pausa e fito meus pés, estou descalça e eles estão sujos de lama, adoro quando estão assim, sinto-me criança novamente - Acha que vou te machucar?

Um grito vibrou em minha garganta, então já estava gritando. Abri os olhos. E gritei de novo, só para sentir que estava viva e sóbria. Era o meu quarto e não mais o sonho. Meu cobertor jazia no chão, eu estava sentada na cama. Joguei-me pra trás, deitando de novo e olhei para o despertador, faltavam menos de 20 minutos para ele tocar, então o desliguei e olhei pro teto, absorvendo o sonho, esquecendo-me do final, tinha que decorar os detalhes antes que eles se perdessem...

- Hey Line! - cantou Joe, no ritmo de "Hey Jude" dos Beatles, quando entrei na cozinha, já trocada e com a mochila nas costas.

Minha mãe lavava louça enquanto ele tomava leite com chocolate em seu copo azul com canudo vermelho.

- Don't make it bad. - continuei, ignorando o resmungo da minha mãe.

Todas as manhãs eram assim, eu entrava na cozinha recebida por música e um "vão acordar seu pai", sempre ignorado por um simples, porém marcante detalhe: aquele homem não é, nunca foi e nunca será meu pai. Preferia morar nas ruas antes de presenteá-lo no dia dos pais ou pedir pra que ele vá em uma peça escolar de Joe.

#Wattys2016 Em Meio Aos GirassóisOnde histórias criam vida. Descubra agora