- Emma, chegaram mais livros para você arrumar! - Chamou tia Amy da recepção do orfanato, uma sala com as paredes pintadas de um cor-de-rosa fraco, quadros de paisagens pendurados nas paredes e dois grandes sofás velhos que estavam lá desde a inauguração. Emma podia apostar que a tia estava teclando em seu computador antigo que ficava em sua escrivaninha, um canto empoeirado onde ela vivia praticamente todos os seus dias cuidando da parte administrativa do estabelecimento. A senhora, já com seus 64 anos, tia de sangue da garota, porém sua mãe de criação e de outras crianças e jovens órfãos, ainda conservava um espírito jovial e era muito apaixonada por seu trabalho.
Emma saiu de seu pequeno quarto e desceu as escadas para receber o carregamento de doações de livros usados que o orfanato recebia mensalmente; como ela cuidava da biblioteca, pelo seu amor por livros, tinha que arcar com todas as responsabilidades, mesmo sendo as mais chatas e desgastantes. Porém ela adorava separar os novos livros por nome, gênero ou autor; era muito divertido imaginar do que se tratavam antes de ler as sinopses e tentar adivinhar os finais. Ela acariciou a capa de um exemplar que lhe chamou muito a atenção: na capa, havia um dragão negro retratado ao lado de uma bela moça loira no meio da floresta. Este se encontrava tão velho que a lombada estava arrebentada, algumas páginas rasgadas e o título estava apagado, completamente ilegível. Isso serviu para prender a atenção da menina, além da sinopse envolvente. Ela o separou para ler enquanto tivesse tempo, pois cada momento livre que tinha era dedicado às tarefas escolares e suas obrigações no orfanato, e continuou a arrumar as pilhas de livros, lembrando de seu dia escolar.
Ela estava sentada em sua cadeira no meio da classe segurando um misterioso bilhete que havia parado em cima de sua carteira durante a aula de literatura, que por sinal era sua favorita. Abriu-o ansiosa, mas não se surpreendeu pela mensagem: "Nerd filhinha de papai, opa, de orfanato". Mais um para a coleção. Ela era a diversão da turma: já que era quieta, fazia as tarefas de casa e morava em um orfanato, todos debochavam de sua personalidade e até mesmo de sua aparência. Emma não se importava com o que comentavam sobre ela, desde que não excedessem os limites da brincadeira e chegassem à agressão.
Ela vira Erick no colégio, é claro. O garoto era sobrinho de uma das mais dedicadas funcionárias do orfanato e sonhava seguir no ramo da tia, ajudando as pessoas. Ele encantava muitas das meninas pelas quais passava, por ser popular, porém misterioso, com suas mechas escuras jogadas para o lado, sempre bagunçadas, e seu perfume importado que impregnava em todos os corredores do colégio. Seus companheiros intermináveis eram uma velha jaqueta de couro preta e uma calça jeans rasgada e muito velha, seus olhos eram escuros e brilhantes como uma linda noite de céu limpo e estrelado: com eles ele observava tudo, incluindo os feitos de Emma, que por acaso era uma das coisas que ele mais gostava de fazer mesmo as vezes tendo que ajudar ela com o seu problema de labirintite. Apesar de ser popular, era tímido e recluso, tinha um pequeno grupo de amigos e preferia os que não chamassem a atenção e fossem discretos.
Ela nunca havia tido coragem de realmente conversar com ele: normalmente seus diálogos não passavam de cumprimentos simples. Porém, naquele dia, ela se sentia mais confiante e, determinada a iniciar pelo menos uma amizade sincera entre os dois, aproximou-se para dialogar com o rapaz. Localizou-o ao lado do armário; respirou fundo e se aproximou:
- Olá, Erick. Tudo bem? - Perguntou ela, com a voz trêmula e nervosa. Ele sorriu lentamente, e dava indícios de responder quando uma voz gritou seu nome em outra direção.
- Já estou indo! - Respondeu ele para o chamado. Deu um último sorriso para ela e virou-se na direção da voz.
Emma balançou a cabeça, livrando-se de suas lembranças frustradas. Quando ela finalmente tentou conversar com o garoto que lhe chamava a atenção, este não estava disponível para ouvi-la. Nem sequer retribuiu seu cumprimento, somente sorriu e foi embora. Mas, por mais que esse pensamento magoasse a garota, havia sido um grande passo para a tímida e reclusa; além disso, cada batida de seu coração continuava tendo o nome de Erick, sua paixão platônica ainda continuava forte.
Como ela queria ter uma mãe para poder falar sobre garotos! Porém tudo o que restara de sua família era sua tia, a coordenadora do orfanato. Ela morava ali há 14 anos, desde que seus pais sofreram um acidente de carro. Era véspera de Natal quando o carro onde eles estavam caíra em um lago após derrapar na estrada e capotar por vezes seguidas. A mãe da menina, sem forças, pedira a seu marido para salvar a vida da filha. Este conseguiu levar Emma até um barracão antes de cair inerte no chão. O bebê, muito pequenino, não sabia o que se passava, só ficou sabendo da tragédia anos depois, quando chegou a um orfanato humilde.
Ela ainda refletia a situação quando ouviu a voz de Tia Amy, pedindo para que ela acompanhasse as crianças mais novas em seu passeio pelo parque mais próximo. A garota suspirou: normalmente, essa era uma tarefa entediante, pois os pequenos passavam a tarde toda se divertindo por lá, e ela deveria ficar sentada sem fazer nada. Fitou rapidamente seu trabalho e localizou o livro que havia separado anteriormente; uma ideia surgiu na sua cabeça: ela levaria aquele livro para passar o tempo enquanto os outros brincavam. Agarrou-o, pegou uma maçã verde e se dirigiu à saída da biblioteca.