Lençóis, lençóis, lençóis,... não aguento mais olhar para eles. Dobrados, quentes e limpos, principalmente muito limpos. Recomendações, não se esqueçam! Os lençóis têm de estar impecáveis. Brilhantes, com cheiro e cara de limpos, sensivelmente limpos. Ora, bolas, agora lençol tem cara? Esses patrões têm cada uma! Onde já se viu lençol sensível? Eu, hein! Depois a gente é que é ignorante.
Mais uma cama pronta. Pelo jeito esse pessoal veio aqui pra dormir. Não mexeram em quase nada. A cama limpinha, as toalhas no lugar, somente uma taça de coquetel. Engraçada essa gente. Se despenca de casa, e vem para um quarto de motel para beber um coquetel? Rapidinha não foi, pois pela nota ficaram aqui mais de quatro horas. Às vezes, eu não entendo as pessoas, gastam dinheiro à toa, jogam fora mesmo. Eu é que não dava dinheiro para vir fazer sexo num lugar diferente. Na verdade, eu não dou dinheiro para fazer sexo de nenhum jeito. Coisa chata, sem graça, parece novela de televisão... mudam as posições, mas o final é sempre o mesmo.
Meu marido diz que eu sou frígida. Nem ligo, não gosto mesmo desse negócio de gozar. Sei lá, eu nem sei se eu já tive esse tal de orgasmo. E não acredito muito que as pessoas tenham, acho mesmo que inventam só para dizer que sabem o que é. É, porque o que a maioria quer é fazer sexo num lugar diferente ou, então, escondido, e isso é que faz essa gente sentir prazer, o proibido. Coisa de pecado! Luxúria! Eu não concordo com isso. Acho que sexo serve para ter filhos, e para isso eu não sirvo. Não tenho filhos, nenhum. Então para que fazer sexo? Pra nada. E quem vem aqui não vem para fazer filho, eles vêm só para fazer sexo sujo. Tem umas exceções! Mas é difícil.
Em todos esses anos que eu trabalho aqui, só conheci um caso: um homem que vinha aqui duas vezes na semana para tomar banho. Quer dizer, ouvi o pessoal da recepção e da portaria comentando isso. Sim, porque todo mundo falava dele, chamavam de cativo, sabe, cliente certo. Eu achava ele tão esquisito, que uma vez me fiz de tonta e passei pela porta enquanto ele pagava a conta. Quase que eu fui vista, mas o cobrador estava distraído e não percebeu. É, pois se eu sou pega, levava a maior bronca. Aqui, nós temos de ser discretos, e o cliente não quer ser visto, por isso vem para cá. São recomendações! Ele ficava mais ou menos duas horas dentro do apartamento com hidromassagem. Sim, porque tinha que ter hidro. Diziam que ele chegava suado, que vinha de um clube de bacana que tem aqui perto. Entrava sozinho, e nunca encontrava ninguém. Sabíamos que ele ligava o rádio, e tomava banho de hidromassagem. Usava as toalhas de banho, de rosto e os dois roupões. Não sei pra quê. O pessoal da cozinha disse que o pedido era sempre igual: duas doses de uísque sem gelo, uma coca-cola e uma lata de castanhas de caju (que ele mesmo pegava do frigobar). Nada era diferente. Quando eu entrava para limpar o quarto, a bagunça era parecida com a das outras vezes. Ainda que o apartamento fosse outro, eu saberia identificar aquele em que ele tivesse entrado. Os dois travesseiros dobrados para apoiar a cabeça, o lençol dentro do plástico, intocado. As toalhas no chão do banheiro, os sabonetes no box, xampu e condicionador no lixo, banheira cheia de água, pontas de cinza no tapete, guimbas de cigarro no cinzeiro. Os chinelos nunca eram retirados do lugar. Acho que ele era um homem solitário e decepcionado. Talvez ele não gostasse de sexo. Ou então, já estava até enjoado.
Hoje eu fico aqui até as três da madrugada. Não gosto muito de sair a essa hora, prefiro ficar até o início da manhã. Eu moro perto daqui e em dez minutos já estou em casa. Mas o pior é que quando chego no meio da madrugada meu marido fica excitado e quer fazer sexo. Diz ele que é excitante uma mulher entrando na cama no meio da noite. Ele fantasia o tempo todo, e olha que eu não estou nem aí; é tudo tão sem graça. Mas ele não se importa, faz sexo comigo, fala obscenidades, grita, urra e nem percebe que eu estou querendo é dormir. Deve ser chato ser homem, ser obrigado a pensar em sexo. É, porque eu acredito que essas atitudes masculinas são animais. Eles sentem diferente, precisam eliminar aquilo de dentro deles e então, fazem de tudo para gozar. É, porque homem goza, precisa gozar, senão acho que eles ficam sufocados. As mulheres não, elas foram feitas para serem mães, para cuidar dos seus filhos. Por isso, não precisam dessa coisa de gozar.
Às vezes tenho vontade de ficar enrolando o serviço, mas eu não sei fazer isso. Bom, lá vou eu para outro quarto, outras sujeiras, outras histórias.
Nossa! Que barulho é esse? Meu Deus! São dois homens brigando. Dois homens? Que falta de vergonha! Como gritam. O que será que dois homens estão fazendo aqui? Ai, eu não quero nem pensar nisso, que é pecado. Acho que a coisa aqui ao lado não está muito boa, eles estão gritando tanto que vão incomodar os outros clientes.
"Alô? É Alda da limpeza. O quê? Tem dois homens no apartamento ao lado fazendo a maior gritaria. Eu? Ah, não. Pede pro Marcos. Eu não tenho cara para isso." Onde já se viu? Eu falar com dois clientes homens dentro de um quarto de motel, pedir para eles se acalmarem, ou o quê? De repente, estão nus lá dentro. Que horror!
Pinho sol. Adoro esse cheiro que fica no banheiro. Tão fresquinho! Ah, se eu pudesse, ficaria aqui o dia todo sentindo esse cheirinho. Olhando esses ladrilhos claros, brilhantes. Só gosto de cor clara, nada de cores berrantes. Vermelho. Odeio vermelho. Detesto roxo. Antes de eu trabalhar em hotel, trabalhei em algumas casas de família, e tive uma patroa que era muito escandalosa e adorava cores fortes. Ai, como aquilo me fazia mal. Roupas, móveis, objetos, até o óculos era colorido. O cabelo era vermelho. Uma coisa horrível! Por isso que nunca casou. Vivia trazendo uns caras estranhos para dentro de casa, rapazes jovens, corpos fortes, chegavam suados, vinham da praia, bonitos. Quase não falavam, entravam e saíam em horários diferentes às vezes ficavam tardes inteiras, ou saíam no meio da madrugada. Eu não sabia o nome de ninguém, e nem ela comentava sobre eles. Gente esquisita, cheios de manias.
Bom, mas eu recebo para ficar na minha e não pensar sobre o que eles fazem ou não. Dez e dez, quarto 201, "borboleta amarela", ok!
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Café com Chantilly, contos de motel.
Kısa HikayeCafé com Chantilly, contos de motel, é um livro onde ENCONTRO é a chave. Histórias se entrelaçam, fazendo com que personagens em suas questões individuais tenham suas vidas cruzadas num motel carioca. Encontros e desencontros de personas construídas...