É
outono, e eu não gosto desta estação. Até porque nunca vi as folhas caírem no Rio de Janeiro, as árvores peladas. Aqui está sempre calor, muito calor. E este clima me faz ficar ridícula, suando durante todo o ano. Não lembro de frio nesta cidade. Tanto faz! Bom mesmo é estar aqui, esquecer do tempo lá fora, das pessoas meladas como porcos indo para o matadouro. Ah! Acho que a melhor invenção do ser humano foi o ar condicionado. Tudo fica fresquinho! A pele, as roupas, os lençóis... Eu adoro os lençóis limpinhos daqui... parece que saíram agora da lavanderia, daquelas enormes máquinas de lavar roupa com água quente. Mas ele está demorando muito a chegar! Já faz mais de meia hora que eu cheguei. Ah, mas eu sempre chego antes; acho que já é mania de conferir pra ver se tudo está de acordo com o que eu gosto. As flores ─ ele sempre traz flores ─ será que ele vai trazê-las hoje? Eu gosto de camélias, mas ele diz que não são fáceis de achar. Elas não perfumam, apenas enfeitam. Será que ele vai achá-las hoje? Sempre que ele consegue trazê-las é melhor, parece que o quarto fica mais bonito. É a segunda vez que venho neste motel, ele não se incomoda de repetir. Mas eu prefiro quartos diferentes, decorações diferentes... parece que estamos viajando, que somos aventureiros, que somos personagens de filmes de cinema. Eu adoro motéis, eu acho tão romântico escolher locais diferentes para fazer amor. Não para transar! Sei lá, acho que essa palavra tem a ver com drogas: transar cocaína, maconha etc. Trepar é ridículo, não combina com casais decentes. A não ser quando, em nossas fantasias, atuamos como marginais. Sim, porque eu venho a motel toda semana, mas eu venho com o meu marido e nós somos um casal decente. É um ritual: durante a semana, eu passeio com a minha mãe pelas ruas e estradas da cidade. Nós pegamos o carro e saímos rodando por aí, olhamos por fora. Não entramos, mas pela portaria já temos uma idéia de como deve ser por dentro. Às vezes, eu pergunto o preço das suítes. Mamãe gosta de dar opinião e, como ela é muito organizada, fez até um caderninho onde damos as notas depois. Jorge nem imagina que fazemos isso. Ficaria constrangido se soubesse. Bobagens de homens. Mamãe nunca foi ao motel com meu pai, mas depois que ele morreu sempre me acompanha em minhas escolhas. Uma vez, fiz questão de levá-la numa suíte. Foi tão engraçado. O recepcionista nos olhou de uma maneira estranha, mas discreta. Mamãe nem percebeu. Estava tão excitada com a situação, conhecer o quarto de um motel. Entramos, ela examinou tudo, deitou na cama, ligou a TV, o rádio, tomou banho na banheira de hidromassagem, fez sauna, comemos um almoço executivo, e rimos muito quando saímos felizes, e percebemos que aquela era uma cena grotesca. É um segredo nosso, mas agora escolheremos melhor o motel dos sábados seguintes, porque mamãe ficou mais crítica. Eu adoro o sábado, é um dia que tem cheiro de sol, de praia, de feira, de supermercado cheio de gente feliz comprando cerveja. E aí nós fazemos tudo isso durante a manhã, e vamos ao final da tarde para o motel. Meus filhos já sabem que sábado é o nosso dia. Que não temos hora para voltar. Mas ele está demorando hoje! Nem sempre a gente vem separados; depende da vontade. Hoje ele queria fingir um encontro marcado, daí não teria graça chegar no mesmo carro. Então eu vim na frente e ele ficou de chegar meia hora depois. Gosto dessa televisão privê, é tanta chupação, tenho vontade de rir quando vejo as cenas de sexo, mulher com mulher é tão excitante. Mas também dá um pouco de nojo. Homem com homem não passa no motel. Acho que eles pensam que ninguém gosta de ver. Uma vez meu marido pegou uma dessas fitas em locadoras e tinham homens que trepavam com outros homens... era tão esquisito. É, acho que a palavra trepar encaixa melhor para falar de homossexuais masculinos: parecem uma trepadeira, um montando no outro. Naquele dia meu marido ficou nervoso, ele ficou incomodado com as cenas de sexo entre homens, não sei por quê. Mas eu também não insisti em saber.
Alguém está batendo, deve ser ele.
O cabelo está bom, a camisola, o quarto, tudo ok! Vou abrir. "O quê? Ah, sim. Fui eu quem pediu um coquetel. Obrigada." Coquetel de frutas. Se eu pudesse, beberia um todos os dias, na hora em que eu chegasse a casa, no final da tarde, depois do trabalho. Ora, mas eu nem trabalho. E a minha empregada é tão burra que mal sabe fazer um suco de laranja. O coquetel daqui é um dos melhores, as refeições dos motéis são boas, muitas vezes melhores do que as de restaurantes. Quarenta minutos de atraso é demais! Será que ele ainda está procurando as flores, mas ele pode trazer qualquer uma. Está chovendo! Mas na hora em que eu cheguei o sol estava tão forte que eu jurava que não choveria neste final de semana. Clima imprevisível, normal. Rio de Janeiro, cidade maravilhosa! Idiotas os que compuseram essa música, muito chata. Eu gosto de frio, de ar condicionado, de sol da janela para fora, sabe aquela coisa de pintura, só para enfeitar? Sol gelado, coisa chique, de modelo, de gente bonita, fina. Ah, veja só, a essa hora não tem nada bom na televisão, eu acho até que vou desligar. Vou ouvir um pouco de rádio, tomara que toque o Roberto. Tem poucas estações nesse motel, só quatro. Droga! Só tem música chata. Bom, melhor ficar nessa, está tocando Maria Bethania, daqui a pouco eles colocam Roberto Carlos, tenho certeza. "Oh! Abelha rainha, faz de mim..."
Gente, já tá escuro lá fora. Eu dormi. Que horas são? Sete e meia. Meu Deus! Será que ele esteve aqui e eu não ouvi a porta? Vou ligar para a recepção. "É, minha filha, eu quero saber se alguém me procurou, é, meu marido. Ninguém? Tem certeza?"
Algumacoisa não está certa. Isso nunca aconteceu antes. Vou ligar para casa. Não! Ascrianças ficariam preocupadas. Nós saímos de casa juntos. Eu vim para cá, e elefoi procurar as flores. Mas, já são três horas de atraso. Será que aconteceualguma coisa? Assalto! Ai, meu Deus! Ele deve ter sido assaltado. O carro, seráque levaram ele dentro do carro? Ele sempre anda de janela aberta, e eu vivoavisando para ele fechar o vidro. Ele diz que isso é coisa de mulher, por issoque os ladrões assaltam as mulheres, "vocês deixam claro que estão com medo".Ai, meu Deus! E agora? Vou ligar para a polícia. Mas do motel? Não. Ia ficaresquisito. Bom, então vou voltar para casa, falo com as crianças, e de lá ligopara a polícia. Vou colocar minha roupa. Droga! Olha o meu cabelo, está todoamassado. Pareço uma suburbana. Também dormi com o laquê. Estava tão lindoquando eu cheguei. O Tom caprichou hoje! Ele não sabia pra onde eu vinha, masacho que ele desconfiou de alguma coisa, pois ficou dando indiretas. Sabe comoé cabeleireiro, adora se meter na vida da gente. Finge que é nossos amigo, agente acaba falando do casamento, do marido, dos filhos, e quando a gente menospercebe, já tá contando intimidades. Marcinha perdeu o marido assim. Ai, foihorrível! De tanto ela falar da vida para o cabeleireiro, contar detalhes,verdadeiras confissões. Eu avisei: Marcinha não fala coisas tão íntimas! Masela dizia que ele era um amigão, que podia saber tudo, que mal isso poderiafazer? Sei lá, eu não achava legal ficar falando tudo, falava do salário domarido, do que ele gostava na cama etc. Um belo dia eles se conheceram, omarido e o cabeleireiro, se deram tão bem, e agora estão juntos. Jorge, quandoeu contei, não acreditou, disse que isso era papo da Marcinha para difamar omarido. "Vai ver", ele disse, "ele arrumou uma mulher menos chata que ela."Até que um dia a gente estava almoçando no Lamole, e quem encontramos nafila de espera? O marido da Marcinha de braço dado com o cabeleireiro. De braçodado! Eu fiquei boquiaberta, Jorge quase morreu. Saímos da fila. Nunca maisvoltamos ao Lamole. E nem falamos mais nisso.
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Café com Chantilly, contos de motel.
Short StoryCafé com Chantilly, contos de motel, é um livro onde ENCONTRO é a chave. Histórias se entrelaçam, fazendo com que personagens em suas questões individuais tenham suas vidas cruzadas num motel carioca. Encontros e desencontros de personas construídas...