Chantilly 2

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Vou pedir a conta. Oito horas. Estou tão preocupada. Pra onde será que levaram o Jorge? Minha santa Rita, protege o Jorge, não deixa que eles tratem mal meu marido, não deixa que ele morra. Ai, meu Deus! Meu santo Antônio, protege o meu amorzinho. Mas ele é tão nervoso, espero que ele não tenha reagido, nem tenha sido malcriado. Eu falo sempre: Jô, se você for assaltado, fica manso, dá tudo, volta pra casa pelado, mas não reage..

A campainha. Deve ser o rapaz da cobrança.

"Sim, eu pedi a conta. Aqui está o cartão." "Ok! Eu aguardo aqui". "Açúcar, por favor." Detesto café com adoçante. Não que eu possa beber com açúcar, mas não gosto de adoçante. Me dá náuseas. Certa vez quase vomitei ao beber um refrigerante diet. É péssimo! Não sei como tantas pessoas bebem isso. É por isso que eu não consigo fazer dieta, eu adoro açúcar e não suporto adoçante. Eles não gostam muito que paguemos com cartão de crédito, por isso demoram a trazê-lo de volta. Mas se pensar bem, é um dinheiro mais certo que cheque. Eu acho. Hoje não trouxeram creme de chantilly. Eu adoro, não só no café, mas de qualquer jeito. Hum! Isso me fez lembrar uma vez que Jorge pediu uma porção enorme e colocou no seu corpo pra mim. Foi demais... acho que foi a única vez em que eu me senti enjoada de tanto comer creme de chantilly. Mas foi muito gostoso! Cadê o rapaz do cartão? Oito e quarenta, meu Deus!

─ Finalmente, como você demorou!

─ Desculpe, senhora, é que tivemos um pequeno contratempo com dois clientes.

─ Tudo bem, mas veja se isso não se repete, certo?

─ A senhora quer outro café?

─ Não, obrigada.

Nunca saí sozinha de um motel. Que coisa esquisita. Bom, eles vão pensar que vim tirar um cochilo. Ou então, que meu acompanhante entrou depois e saiu antes. Como vão saber que ninguém entrou no quarto, enquanto estive aqui? É melhor assim. Não. Podem achar que marquei com um desses garotos de programa que encontram a gente em um motel. Que desagradável. Bom, eu vou perceber pelo olhar deles quando passar pela saída. Não, eu não vou olhá-los, coloco os óculos escuros e tudo fica melhor. Ninguém verá a minha expressão. Ignoro-os. Afinal, eles não têm nada a ver com isso.

Entreguei o papel. Eles estão disfarçando. Fingem que não sabem de nada. Abrem o portão. Assim que eu passar pelo portão, começarão a comentar sobre a gorda do Tempra preto que entrou e saiu sozinha do motel. Essa rua está movimentada, ruim de sair daqui a essa hora. Passam muitos carros. E ainda tem esse imbecil atrás de mim buzinando. Se eu não estivesse na porta do motel, eu te xingava. Ih! São dois homens. E estavam no mesmo motel que eu. Está vendo? E eu preocupada com o que os funcionários iam pensar de mim. Dois homens... E um deles está saindo. Caramba! está vindo na minha direção. Na certa pensa que eu não sei dirigir e vem tirar satisfações. Desviou, está entrando em outro carro. Vieram separados. Ah! Agora eu entendi. Cada um vem no seu carro, depois entram num só. Pelo menos, são discretos. Espera aí. Ele entrou num Gol branco, placa: LAE 4537, Jorge. Jorge? Jorge?!

A estrada está cheia. Como tem carro sábado à noite na rua. Jovens, velhos, crianças, casais. Lágrimas. Luzes. Chuva. O trânsito está sempre ruim nesse trecho. Lágrimas. Sábado é um dia confuso, todos parecem sair para as ruas. Uma blitz, eu não sei o que esses guardas têm na cabeça para prejudicar o trânsito a essa hora. Nove e vinte, ainda dá tempo de ver o Telecine. Qual era mesmo o filme de hoje? Era um drama. Lágrimas. Alguma coisa sobre um filho, uma mãe. Acho que era uma história verídica. Lágrimas. Será que essa chuva não vai parar? Toda vez que eu coloco o carro para lavar é assim. Chove! Abre logo a garagem, porteiro mole. Ainda fica olhando para mim como se eu fosse uma assombração. Eu, hein?

O espelho no elevador é bom pra gente olhar a nossa cara. Olha só, ainda estou de óculos escuros. Deve ser por isso que aquele bobalhão ficou olhando para a minha cara. Rímel borrado. Papel Kiss, é imprescindível tê-lo na bolsa. Olhos limpos. Vontade de lágrimas. Chave. Latidos. Sala de estar. Filhos. Marido. "Onde você estava? Eu me atrasei. Encontrei o Glauco. Perdi a hora. Achei que você ia ligar. Deixei recado com as crianças para você voltar para casa." Ele fala tão rápido. "Mulher fala rápido, tudo ao mesmo tempo", ele costumava me dizer isso. Entrei no quarto, pus a bolsa na cama. "Vocês já jantaram? "Vamos pedir uma pizza"!". O ex-marido da Marcinha. Pobre Marcinha! Pobre cabeleireiro! Esta semana não vou sair com mamãe.


Café com Chantilly, contos de motel.Onde histórias criam vida. Descubra agora