A semana para mim começa no sábado, porque é mais tranquilo encontrar passageiros. As mulheres fazem compras nas ruas de Copacabana e Ipanema, andam com as sacolas cheias, completamente enroladas pra carregá-las. Às vezes, eu preciso sair do carro para ajudar, mas eu não me importo, mulher é atolada mesmo.
E benditas sejam a Avenida Nossa Senhora de Copacabana e a Rua Visconde de Pirajá. Que beleza! Tão cheias de lojas, liquidações, lanchonetes, gente transitando, comprando, olhando, furtando. São ruas bonitas, preferenciais, a gente vai dirigindo devagar e, quando menos espera, tem dois ou três acenando. Adoro essa gente. Adoro essas ruas, compridas e retas. E tem imbecil querendo mudar o nome da rua Visconde de Pirajá! Isso não existe. Visconde de Pirajá é rua importante, famosa mesmo, quem é que já não transitou por ela, tomou sorvete na Chaika? Não dá pra imaginar essa rua com outro nome. É conhecida internacionalmente, os gringos dizem: "Take me to Visconde de Pirrrrajá!". Se mudar o nome, todo mundo vai se perder.
É difícil o sábado que eu não pego passageiro, em qualquer horário. E são corridas boas, no mínimo até Botafogo, mas normalmente, até Vila Isabel, Tijuca. Tijucano adora andar de táxi, eles dizem que o metrô anda um inferno de tão cheio, e que andar de ônibus é muito perigoso.
O metrô ainda não vai até Copacabana, Ora, eu concordo, não sou besta. Mas eu não gosto muito de procurar passageiro na Tijuca, as ruas são muito confusas, muitos recuos. A Praça Saens Peña é horrível. Nunca gostei. Minto, quando eu era moleque, eu gostava. Gostava de ir ao cinema América ou ao Carioca. Eram lindos, enormes, bem no meio da Praça. Eu morava na Rua Conselheiro Zenha e ia a pé. Aos domingos passavam os desenhos do Tom e Jerry nas primeiras sessões, e à noite os filmes românticos. Eu gostava mesmo do Tom. Eu tinha a esperança de que ele matasse aquele rato nojento, no fim da fita. Mas isso nunca aconteceu. Filme é assim mesmo, eu pensava. Tudo sempre termina igual.
Mas na vida real era diferente, tinha dia que a gente matava o rato, tinha outros que o rato pegava a gente. Tá brincando? A coisa é séria. Eu sempre morei em casa, que essa coisa de apartamento é coisa de passarinho, de gente que gosta de gaiola. E em casa, rato passeia e mora. Habita mesmo, invade a casa e você, muitas vezes, nem sabe. E não adianta dizer que é porque é casa de bacana que não tem rato, porque tem sim. Todas as casas têm camundongos e ratazanas. Eles vêm da rua, buscam comida e se aninham em algum canto. São todos uns diabos sujos, que comem e estragam comida, mijam na garagem e dormem no porão.
Uma vez, Luiz, meu cunhado, estava lá em casa, puto da vida com a minha irmã que andava de cara amarrada, coisas de mulher. Sentamos para beber umas cervejas pra acalmar a cabeça, e começamos a ouvir uns barulhos vindos do quintal. Aquilo estava incomodando. Gritamos pelo cachorro e ele veio, mas o barulho continuou. Não era o cão. Saímos para olhar. E lá estava o bicho, futucando atrás do tanque a ração do cachorro. O saco estava rasgado e a ração caía que nem água em cachoeira. "Filho da puta! Estragando tudo, pra variar".
Meu cunhado pegou a vassoura e partiu para cima do animal."Toma cuidado que o bicho é grande". Mas ele estava puto com a minha irmã, e misturou a porra toda, começou a xingar o bicho de maldito e a gritar feliz : "eu te mato!!! , eu te mato, infeliz!!" E era cabo de vassoura pra cá, rato e ração pra lá, o cachorro corria em volta do meu cunhado e eu só olhando aquela merda toda; porque eu só mato camundongo; ratazana eu não enfrento. Boto chumbinho, ratoeira, mas não chego perto.
Os dois brigavam que nem o Tom e o Jerry, uma correria louca, de deixar a gente tonto, que nem pingue-pongue. Até que meu cunhado encurralou o bicho atrás de um vaso de planta. "Agora tu vai morrer, desgraçado!" Eu nunca tinha visto aquilo antes, e se me contassem, eu não ia acreditar. O Rato encolheu que nem bola e voou no nariz do meu cunhado, arrancou um pedaço e fugiu. Eu fiquei apavorado. "Filho da puta! Filho da puta!" O nariz dele sangrava, e ele babava de ódio. Fomos correndo pro Andaraí, ele tomou quarenta injeções na barriga pra não pegar a peste. Foi foda. Até hoje o cara sonha com a merda do rato comendo ele, e acorda todo mijado. Acho que ele não se recupera mais.
"Pra onde? Shallon? Ah, sim, eu conheço. Fica ali na Cândido Mendes."
Puta que pariu! O que é que esses moleques vão fazer num motel? É mole? Aposto como estão indo sem ninguém saber. A essa hora da tarde, é claro que estão indo escondidos. Imagino a cara de otários dos pais deles sem saber onde eles vão passar a tarde de sábado. Sacanas! Ah, se a minha filha faz uma merda dessas... lhe arrebento a cara. Filho é uma bosta mesmo; a gente cria com tanto sacrifício, para eles irem prum motel num sábado à tarde, e a gente que nem otário dando o dinheiro pra eles irem ao cinema, e depois tomarem um lanche. Mas a minha filha não faz isso, até porque ela sabe que eu sou capaz de fazer uma loucura. É ruim de eu deixar um vagabundo qualquer comer a minha bonequinha num sábado à tarde. Vai tomar no cu!! Filha minha vai casar na igreja de véu e grinalda, pura como a virgem santa, e aí o marido dela vai tratá-la com carinho na noite de núpcias, com respeito, depois do meu consentimento na frente do padre.
Mas que é isso? Já estão se beijando aqui? Esses caras têm um fogo! Olha só o jeito desse moleque: cabelo comprido, rabo de cavalo, parece uma bicha. Se eu tivesse um filho homem não deixava andar desse modo, que nem veado. E a menina? Não deve ter quinze anos. Magrinha, pequena, mas assanhada. É foda. "Sai da frente, ô... desculpe, mas essas madames pegam o carro pra sair só quando o marido empresta no sábado. Sabe como é que é? Dirigem mal à beça." Quase que eu solto um palavrão na frente dos garotos, mas também com essas vacas loucas no trânsito.
Olha só a cara desses bobalhões de sunga! Preto de sunga é feio pra caralho. Parece macaco de tanga. Eles vêm à praia no sábado e no domingo. Domingo, então, vem a família toda. Aquele piquenique. Farofa e galinha, cerveja para os adultos, água e sanduíche para as crianças. Isso quando eles não resolvem fazer churrasco na praia. Aí é que parece a Quinta da Boa Vista de frente para o mar.
Eu não gosto de sol queimando a pele da gente. Isso é coisa de crioulo, preto é que gosta desses programas de índios, coisa de gente pobre, pegar ônibus lotado, de biquíni, sair do subúrbio pra ir para Copacabana. Depois, voltar todo suado, com o corpo cheio de areia, melado, cheirando a sal, no mesmo ônibus. É um programa muito indecente. Degradante. Eu tenho raiva dessa gente que acha isso legal. Não tenho pena de eles terem que se foder para chegar à praia. Acho mesmo é que esses filhos da puta não deviam ir à praia. Se eles não moram perto, não deveriam ir lá. Não têm nem carro. São muito escrotos.
O sinal abriu, e esses caras estão esperando o quê? Sei lá, eu nunca vou entender essa gente que fica embaixo do sinal e não anda quando ele abre. É por isso que os motoristas de ônibus pisam no acelerador quando o sinal abre. Eles estão é certos. Se eu dirigisse ônibus, faria a mesma coisa, dá mesmo vontade de passar por cima desse pessoal. Eles não sabem o que é dirigir o dia todo aturando gente retardada. Depois, a gente é que é nervoso, dirige mal. Vai trabalhar o dia todo dentro de um veículo qualquer, com um monte de gente chata falando merda, enchendo o teu saco, fumando no teu cangote, e outros imbecis que não sabem dirigir atrapalhando a tua vida. Não é mole, viu? Fácil é criticar. Falar mal de camarote, até eu. A gente vai para a fila do banco e fala mal do cara do caixa, chama de babaca porque trabalha devagar, porque não vê que a gente tem horário. A gente vai ao supermercado e fala mal do atendente que está com a cara amarrada, "como é que pode trabalhar assim?"
Neguinho gosta é de falar mal de todo o mundo, falar por falar, mania mesmo. Ninguém para e pensa que deve ser uma droga trabalhar naquilo. Eu respeito porque eu já carreguei muita gente e ouço a conversa deles, e mesmo que eu não quisesse, não dá para evitar, eles falam comigo. Sabe como é? A maioria se incomoda de estar dentro do mesmo lugar e não comentar sobre alguma coisa. No mínimo, eles falam sobre o tempo, as obras, o prefeito, essas coisas de rotina. Mas muitas vezes, eles fazem confissões, falam das próprias vidas e de seus empregos. E realmente, todo mundo tem problema, não interessa quem seja. Trabalhar é dureza!
Não acredito! O que é que esse cara está fazendo? Vai parar na porta do motel? Eu, hein! Deve ser para economizar, vai pedir o quarto sem garagem. Deve ser judeu, arriscando de roubarem o carro dele aqui fora. "Hã? São vinte e dois reais". Também, só podia ter um Gol mesmo, não gosto de gente que compra esse carro, normalmente é burro e ainda dirige mal. Ih! Lá vem o cara da portaria, eu já estou saindo! Foi falar com o cara, está dando um recado. O que é que ele estará dizendo? Sei lá, eu não tenho nada a ver com isso. "Tchau!" esses garotos adoram se despedir de taxista. Vão se foder! E o pior é que estão indo mesmo.
"Está livre?"
"Vai pra onde?"
"Catete".
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Café com Chantilly, contos de motel.
Short StoryCafé com Chantilly, contos de motel, é um livro onde ENCONTRO é a chave. Histórias se entrelaçam, fazendo com que personagens em suas questões individuais tenham suas vidas cruzadas num motel carioca. Encontros e desencontros de personas construídas...