XXI - "Conhecendo o Prisioneiro Pt.4"

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(ATENÇÃO: Você ainda continua dentro das memórias do Vince... Mantenha-se sentado, cintos travados e se precisar, é só chamar uma de nossas aeromoças. Obrigado por viajar com a Nêmesis Arilines!)

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- Posso te pedir um favor? - Eu disse, dentro do Corsa cinza da Sarah. A última vez que eu havia andando de carro foi em uma viatura policial, algemado e com 12 ou 13 anos.

- Pode sim. - Ela era tímida. Dava para perceber que não estava nada confortável só pelo jeito que ela não desviava os olhos da estrada, mesmo nos sinais vermelhos. E eu sabia exatamente o porquê.

- Posso recomeçar? – Faço uma pausa, até que ela finalmente olha para mim e continuo – digo, não queria que ninguém nesse novo lugar saiba do meu passado. Seria possível?

Ela dá um sorriso de canto de boca e volta a encarar o asfalto. Ela não era o tipo "menina de shopping" que eu gosto, mas tinha um charme nela. Pena que agora é tarde demais para dizer ela saber disso.

- Só eu e a minha líder sabemos tudo sobre você Vance. Lá é um orfanato cristão, não seria bom que logo de cara todos soubessem o que você fez e de onde veio. – naquele momento, não consegui entender o porquê de elas estarem me dando abrigo, já que eu não era nenhuma flor que se cheire (e nunca serei). Ela percebeu as engrenagens girando na minha cabeça e voltou a explicar – vimos potencial em você. Você teve uma infância difícil, passou por muitas dificuldades, quis proteger sua mãe e mesmo tudo dando errado, foi um dos reformados com maior índice de boa conduta no histórico.

- Então... Vida nova?

- Sim. Vida nova.

Só depois que chegamos eu finalmente entendi os motivos de tamanha boa ação: primeiro, mesmo sendo um órfão como os outros meninos e meninas dali, eu era um empregado e caseiro do lugar, era praticamente algo como – deu problema? Chama o Vince! -, em troca, eu tinha teto, comida, água quente e ainda ganhava alguns trocados no fim do mês; segundo: eu era o brinquedinho da Sarah, não no sentido que eu queria ser, mas no sentido de que, eu me comportando bem (ou fingindo me comportar bem), dava créditos de boa samaritana para ela, o que em um lugar como aquele, era algo bem bacana.

No começo era tudo encenação minha, eu era bom nisso. Fingir ser um cara bacana, moleza. Fingir rezar para uma imagem pregada na parede, sem problemas. Fingir não querer levar várias irmãs ali para o meu colchão, isso era difícil, mas consegui me conter (não muito, admito doutora).

Passaram-se os meses e eu já não estava fingindo mais. Nos meus 18 anos de vida eu soube que não tinha vivido nada. Viver de verdade só começou ali. Só ali, no orfanato Filhos do Vento, eu realmente descobri coisas que eu já não esperava mais descobrir. Descobri como era morar em um lugar pacifico e não caótico. Descobri como existem pessoas boas que não se ferravam (apenas naquele momento eu achei isso, mais tarde descobri que meu pai continuava acertando, aquele maldito). Descobri que era preciso me esforçar para conseguir o que eu queria conquistar, como o meu antigo mp3 lotado de músicas, que demorei dois meses para conseguir comparar. Descobri o que era uma família de verdade, que mesmo percebendo que eu não acreditava em absolutamente nada daquilo que era pregado na capela, respeitaram e continuaram me acolhendo calorosamente. Descobri que mulheres sabiam sim dirigir bem, tanto que aprendi com a Sarah como controlar um automóvel.

Eu era feliz lá. Tinha amigos, agora amigos de verdade e não pessoas das quais eu apenas usava como meios para conseguir outras coisas. Tinha um trabalho. Tinha um lugar para chamar de casa. Tive a motivação que eu precisava para não fumar e nem beber mais. Tinha pessoas para chamar de família. Tinha uma vida de verdade. Sem contar os casos secretos e casuais com as meninas de lá ou as mulheres que visitavam, um pouco frequentemente demais, o orfanato. Mas não é hora de lembrar dessas coisas.

E tinha o Gato... Ah, que saudades daquele bichano pulguento. Lembro perfeitamente o dia em que achei ele na garagem de adoções do orfanato. Eu tinha feito uma faixa para chamar atenção das pessoas que passavam por lá, "Filhotes do Vento – O seu melhor amigo está aqui". O Gato era um filhotinho que mais parecia um rato preto, com mais pelos faltando do que cobrindo o couro, ele miava alto e parecia uma sirene desafinada. Ninguém queria adota-lo e era natural que isso ocorresse.

Ele era parecido comigo. Não que eu tivesse mais pelos faltando do que cobrindo o couro, mas porque, assim como ele, eu era aquele que ninguém queria adotar. Aquele que era tudo o que ninguém merecia ser. Aquele que as pessoas tinham pena e diziam – espero que alguém leve esse, eu realmente não posso, desculpe.

Mas, diferentemente do Gato, eu tive a sorte de ter alguém que, mesmo com o meu péssimo histórico e mesmo com todos as minhas falhas e defeitos me adotou. Eu sempre soube que a Sarah me ajudava só porque achava que assim teria uma nuvem lá no céu esperando por ela, mas independente do motivo, ela estava me ajudando. Por isso decidi retribuir o favor passando o gesto de bom samaritano para o Gato e adotando ele.

Sempre ouvi que o cão era o melhor amigo do homem, mas se as pessoas que acham isso me vissem com o Gato, provavelmente mudariam de ideia. Assim como eu estava me cuidando mais, o Gato também estava evoluindo e ficando um belo felino com pelos negros como a noite e olhos amarelos como um sinal de transito. Eu e ele sempre estávamos na companhia um do outro. Comíamos juntos. Dormíamos juntos. Espiávamos as irmãs juntos. E quase morremos juntos. Por sorte, o mais importante sobreviveu, eu espero.

Era tudo perfeito, finalmente. Mesmo não acreditando nos ensinamentos que os pastores ali passavam, eu não podia deixar de sentir uma aura de acolhimento, misericórdia e amor naquele lugar. A felicidade dos meninos e meninas quando descobriam que iriam ser adotadas por uma família bacana, a vontade de fazer tudo bem feito dos voluntários do orfanato ou o clima sempre agradável que a brisa das arvores nós presenteava, na época não sabia ao certo o que fazia aquele lugar ser especial. Agora que eu o perdi, sei que era todo o conjunto. Todos os pequenos detalhes que agora são apenas lembranças dolorosas.

Depoisde dois anos, os dois anos mais felizes que eu tive, o meu fim teve início. Foina noite que eu não queria ter acordado. Foi na noite que conheci o homem queeu desejo matar com minhas próprias mãos. O verdadeiro responsável pelo massacre no orfanato.

TLAC!

A médica estala os dedos. O som faz Vince sair do transe no mesmo momento, com um pequeno salto e arregalando os olhos brancos.

- D-Deu certo doutora?! - ele pergunta, demorando um pouco para se recompor completamente.

- Bastante! - a mulher respondeu, finalizando suas anotações sem retirar os olhos dos papeis - Mas por hoje já é o bastante, você precisa descansar e eu preciso pesquisar algumas coisas... - ela se levanta estranhamente animada, como quem acaba de ter uma nova e importante prioridade na lista de afazeres - Amanhã iremos continuar exatamente deste ponto, tente não perder o foco, ok?

(ATENÇÃO: FIM DA VIAGEM! Desçam todos ordenadamente e com calma... Voltamos a programação normal no próximo capitulo!

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Aloooha humanos e Aprimorados!

O primeiro tour ao passado do nosso querido (e bastante mulherengo) Vince chegou ao final... Mas posso adiantar que outras viagens já estão para aparecer! Por isso, continue acompanhando o Projeto Nêmesis e fique por dentro!

E para aqueles que ganharam a massagem da Samanta, está valendo mais uma para curtidas e comentários! (E com chances elevadas de ter a cabeça explodida pela Vick, estão avisados...)

Forte abraço e Carpe Diem!


Projeto Nêmesis #01 - A Essência (RASCUNHO)Onde histórias criam vida. Descubra agora