- Alguém viu por aí aquele bêbado do Sileno? - perguntou Dionísio, sem receber resposta.
Sileno, preceptor de Dionísio, não passava um dia sem aprontar alguma. Sempre embriagado e montado no seu burrico, vagava o dia inteiro, sem rumo certo, até ser encontrado dias depois, caído pelos caminhos, a dormir o pesado sono dos bêbados.
Desta vez não foi diferente. Tonto pela bebida, Sileno enveredara por uma estrada diferente, esfalfando seu burrico, até chegar ao reino do poderoso Midas. Internando-se num bosque, encontrara logo uma árvore e ajeitara-se sob a sua sombra, para pôr o sono em dia.
Alguns camponeses que passavam por ali logo o reconheceram.
- Vejam, aquele não é Sileno, pai adotivo de Dionísio? - disse um deles.
Os outros, parando em frente ao dorminhoco, logo o reconheceram como tal. Os camponeses colocaram-no ainda adormecido sob as ancas do seu burro e levaram-no até o palácio de Midas.
- Ora, se não é Sileno, pai de meu grande amigo Dionísio! - exclamou Midas, ao ver entrar em seu salão o velho bêbado, que já andava por suas próprias pernas. Midas gostava do alarido divertido que o velho gorducho promovia durante suas bebedeiras; por isto, resolveu fazer dele seu hóspede por algum tempo. Durante dez dias o velho bêbado alegrou a corte do rei, até que no décimo primeiro dia Midas levou-o de volta ao seu filho adotivo.
Dionísio, após dar uma descompostura no velho, agradeceu a Midas pelo grande favor que lhe prestara.
- Pode escolher, caro amigo, a recompensa que quiser - disse-lhe Dionísio, num ímpeto de generosidade.
- Qualquer coisa?... - perguntou Midas, surpreso. - Qualquer coisa mesmo?- Sim, claro, vamos lá, diga o que quer! - exclamou Dionísio, disposto a tudo. Midas parou um pouco para pensar. Milhares de coisas valiosas passavam por sua cabeça - coroas, troféus, estátuas, jóias -, sempre douradas e resplandecentes. De repente, teve uma brilhante idéia. Ou antes, uma dourada idéia:
- Quero que tudo o que eu toque vire ouro.
Dionísio, que havia prometido atender ao pedido, qualquer que fosse, tentou, no entanto, tirar essa idéia da cabeça de Midas: - Meu amigo, acho que esta não é uma boa escolha - disse o deus, pousando amigavelmente a mão sobre o ombro do visitante.
Este, no entanto, surdo a qualquer razão, queria a todo custo que seu amigo cumprisse a promessa.
- Você disse qualquer coisa.
- Quer isto mesmo?
- Sim, claro, vamos! - disse Midas, impacientando-se.
Dionísio cedeu finalmente e, por meio de um passe mágico de mãos, conferiu ao angustiado Midas o poder de transformar tudo o que tocasse em puríssimo ouro.
- Obrigado mesmo! - exclamou Midas, aproximando-se para dar um abraço em Dionísio.
O deus, no entanto, esquivou-se num movimento rápido e afastou-se dando-lhe adeus.
Para testar o seu novo poder, Midas estendeu uma das mãos para um galho seco que pendia de uma velha árvore.
- Vamos ver... - murmurou, numa expectativa ansiosa.
Nem bem tocou no galho, no entanto, a casca começou a se esfarelar, surgindo por baixo uma cor dourada.
- Funciona! funciona! - gritava pelas veredas do bosque o rei, sapateando de euforia.
- Serei o rei mais rico do mundo!
Seguiu assim, saltitando e tocando em tudo o que via: tocou numa pedra e ela virou uma grande pepita de ouro; arrancou uma maçã de uma árvore e ela ganhou a cor dourada e pesou na suas mãos; achou uma velha fivela de metal e viu-a logo resplandecer diante de seus olhos.
Midas chegou em casa com os bolsos abarrotados de insetos, galhinhos. folhas e pedras de ouro - pois não quis deixá-las espalhadas pelo caminho, incerto ainda da duração do seu novo e maravilhoso poder.
- A rainha já chegou? - perguntou, assim que entrou no palácio. Os criados responderam que não, ela ainda não havia chegado.
"Onde andará essa mulher?", pensou, impaciente para lhe contar a novidade.
Midas sentou-se à mesa, para almoçar. Já passava de meio-dia, e a caminhada havia aberto seu apetite. Logo as baixelas de prata foram surgindo nos braços dos escravos. Um criado destapou a primeira, da qual se levantou uma nuvem branca e cheirosa. Os olhos do faminto Midas lutavam por devassar a nuvem e descobrir o que o aguardava.
- Pernil de carneiro com amêndoas e tâmaras! - exclamou, deliciado. Parecia até que o cozinheiro havia adivinhado que aquela era uma data especial. Outros pratos foram sendo colocados na mesa, cada qual mais apetitoso que o outro. Midas pegou o garfo - um magnífico talher de prata que se converteu imediatamente em puríssimo ouro. Tão logo levou a primeira porção à boca, percebeu que mastigava as mais duras amêndoas da sua vida.
Levou a mão à boca, dela retirou alguns pedacinhos e viu que tinha entre os dedos três ou quatro pecinhas de ouro, minúsculas como pingentes.
Midas colocou o ouro de lado e decidiu atacar o assado. Como fosse guloso, arrancou um pedaço do pernil com as próprias mãos e meteu-lhe os dentes com todo o gosto. No mesmo instante, sentiu na boca a mesma sensação de haver mordido uma chapa de ferro. O seu canino estalou e Midas esfregou-o com o dedo, gemendo de dor. No mesmo instante, não só este dente como todos os demais transformaram-se em luzentes dentes dourados.
Lançando longe o pernil, Midas avistou um pêssego numa bandeja. Agoniado, agarrou-o num ímpeto voraz, apenas para perceber que tinha agora um pêssego de ouro maciço entre os dedos, lindo de ver, mas impossível de comer.
Neste instante a bela rainha entrou pela porta do salão. Estava linda como sempre, os cabelos molhados caídos de modo displicente sobre os ombros.
- Querida, tenho uma grande notícia! - disse Midas, lançando-se feliz em direção à esposa. - Você está diante do rei mais rico e poderoso da Terra! -exclamou, vermelho de satisfação.
- O que houve com os seus dentes? - perguntou a rainha, ofuscada pelo nono sorriso do rei.
- Vamos, me dê logo um abraço! - pediu o rei, eufórico.
A rainha, sem desconfiar de nada, deixou que o rei a envolvesse nos braços.
- Ricos, ricos, eternamente ricos! - gritava ele.
De repente, porém, sentiu que os membros da esposa enrijeciam-se. O rosto dela, colado ao seu, tornara-se repentinamente gelado, enquanto seus ombros haviam ficado dourados.
- Não! - gritou Midas, dando-se conta outra vez da sua horrível situação. - Rainha querida, o que houve com você?
Ali estava sua esposa, transformada numa estátua imóvel e dourada. Durante alguns minutos Midas esteve também paralisado, só que de espanto. Um ruído sibilino acordou-o de seu horrendo devaneio. Sobre a mesa, Mimeus, seu gato de estimação, o encarava, arregalando os grandes olhos de pupilas horizontais. Cercado de alimentos dourados, inúteis para ele, o gato parecia cobrar com seu miado estridente uma solução, o que encheu o coração de ouro do rei de um ódio assassino.
- Gato maldito, desapareça já da minha frente! - disse Midas, pulando na direção do gato, decidido a estrangulá-lo. Errou, no entanto, o alvo, conseguindo agarrar apenas a cauda de Mimeus, que se transformou instantaneamente em ouro. O gato voltou-se para trás e, ao perceber aquela
surpreendente transformação no seu traseiro, arreganhou os dentes e sumiu porta afora.
Mas a porta já se abria outra vez: era o cunhado do rei.
"Vem pedir dinheiro outra vez, o desgraçado!", pensou Midas com fúria. "Não adiantou fazê-lo ministro!"
- Quanto é desta vez? - rugiu, indo direto ao assunto.
O cunhado, aliviado por poder dispensar os preâmbulos, respondeu com um sorriso mais amarelo que o do dono da casa:
- Bem, quinhentas moedas está bom...
- Venha cá - disse Midas. - Antes, me dê um abraço.
E agarrou o infeliz pelos ombros, enquanto aguardava o resultado.
- Pronto, agora vai chegar para o resto da vida - rugiu, ao ver o cunhado virado em ouro.
O cunhado e ministro, encantado com a transformação, saiu correndo porta afora, disposto a vender-se inteiro ao primeiro que passasse. Toda aquela agitação, entretanto, provocou uma sede terrível em Midas, que agarrou uma jarra cheia de vinho e a emborcou. No mesmo instante, sentiu que um líquido espesso e ardente lhe descia pela traquéia até cair no estômago como chumbo derretido. Aterrado, espiou para dentro da jarra e viu no fundo um restinho do ouro liquefeito que acabara de ingerir.
Tomado definitivamente pelo pavor, Midas caiu de joelhos, levantando para o alto as suas douradas mãos.
- Dionísio, salve-me! - implorava. Tanto gritou o desgraçado que o deus acabou penalizado.
- Eu não o avisei? - perguntou Dionísio.
- Me tire desta situação, pelo amor de Zeus!
- Está bem, se acalme, vou ver o que posso fazer. Dionísio disse então a Midas que fosse até o rio Pactolo e procurasse a sua nascente. Uma vez encontrando-a, deveria mergulhar a cabeça nas águas, o que seria suficiente para fazê-lo voltar à normalidade. Midas, sem esperar mais, lançou-se porta afora. Após atravessar os campos, encontrou a nascente do rio e nela mergulhou a cabeça. No mesmo instante, as areias do rio ficaram douradas e os peixes tomaram a cor do sol, deixando-o livre para sempre da maldição. Depois dessa cruel experiência, Midas tomou-se de tal nojo pelo ouro e pelas riquezas que decidiu morar no mato, abandonando todas as suas riquezas e indo viver na companhia de Pã, o
deus dos bosques.
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Lendas Mitológicas Em Geral
ContoE aí,galera! Vocês curtem mitologia? Se sim,este é o livro certo! Aqui você vai achar contos tanto sobre mitologia como algumas situações de diversas religiões. Que fique claro,que nada está sendo posto no intuito de ofender ou dar maior valor a de...