O Castigo de Eresictão

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Qualquer mortal sensato sabia que o respeito era a principal oferenda que se devia a Démeter, a deusa da fertilidade. Sem os favores dessa importantíssirna divindade, qualquer criatura estava ao desamparo. Tudo ao seu redor virava secura e desolação, ate que o desgraçado se decidisse a tambem venerar a exigente deusa. Além do mais, não havia razão alguma para que se faltasse com este dever, pois ela era, dentro do panteão das divindades, uma das mais simpáticas e dignas.

Havia muitos bosques consagrados a Démeter, e é num deles que esta história começa. Era geralmente durante as primeiras horas do dia que os devotos de Démeter vinham fazer as suas oferendas, para agradecer a boa colheita ou para pedir que a próxima fosse mais abundante. Ao centro da floresta postavam-se us fiéis. Modestos camponeses, homens e mulheres, trazendo pequenos cestos com urna ou duas frutas, apenas, forrados com flores que as crianças colheram no próprio bosque, pana tornar sua oferta um pouco mais caprichada. Outros, ainda, ofereciam a Démeter apenas simulacros de ofertas: no lugar de pães, pequenos arranjos redondos de terra, recobertos com uma leve mão de farinha. Oficiando o culto, costumava ficar a sacerdotisa de Démeter, envolta em seu manto e segurando um feixe de espigas.

A deusa, em algum lugar, a tudo observava. De repente, porém, ouviu-se, vindo de fora do bosque, um rumor de vozes masculinas, nas quais gritos entremeiam-se a cantos. Não são, contudo, cantos sacrificais. O ruído do vozerio aumenta a ponto de a sacerdotisa ver-se obrigada a interromper o culto. Logo surge por entre as árvores um grupo de homens que tem o ar descontraído e folgazão. Eles portam grandes machados sobre os ombros e olham divertidamente, cutucando-se uns aos outros, ao perceber o que se passa. - Vai demorar muito ai, dona sacerdotisa? - pergunta um deles, com o grande dente de ferro do seu machado faiscando no ar e com um olhar de impaciência. - O tempo suficiente para que o silencio se restabeleça e possamos reco¬meçar nosso culto - respondeu a sacerdotisa, calmamente, dando-lhe as costas.

Um homem gordo e imenso - que parecia ser, de fato, o líder do grupo afasta com uma das mãos o lenhador, como quem afasta um galho do rosto. Depois, adiantando-se, torna a palavra: - A senhora pode prosseguir com sua ladainha, que nós cumpriremos a nossa tarefa, a nosso modo disse. - Adiante, vamos colocar abaixo estas árvores! Esse homem contundo era Eresictão, homem rico e poderoso. Ele estava decidido a construir um novo palácio para si com a madeira de toda a floresta. -0 que pensa que está fazendo? - gritou, indignada, a sacerdotisa. Mas sua voz humana já não é o bastante para se sobrepor ao ruído dos machados, que estalam com vigor sobre os troncos das árvores. Démeter, que tudo ve, decide ela própria tornar a palavra, falando pela boca de sua sacerdotisa. - Fora, invasores! - gritou a deusa, cuja voz vibrante silenciava todos os machados.

- Como ousam destruir este bosque, consagrado exclusivamente a mim? - Preciso destas árvores, dona - disse Eresictão. - Ninguém tocará nestas árvores, sob pena de terrível castigo - advertiu Démeter. - Dona, não fique nervosa. vi milhares de bosques espalhados por toda esta região. Escolha outro e deixe-nos trabalhar em paz. - Você insiste em me desafiar? - disse a deusa, encolerizando-se. O homem, ao perceber que Démeter avançava para si, empunhou com vigor o machado. - Para trás, mulher, ou a farei em pedaços! Démeter, então, resolveu aparecer com a sua própria aparência. - Maldito! - gritou a deusa. - A partir de agora você está sob o peso da minha maldição... Eresictão, diante daquela assustadora intervenção, deu um grito de terror, lançou para o alto o machado e pôs-se a correr, espavorido, juntamente com os seus homens. Chegando a seu castelo, Eresictão correu para os seus aposentos.

Decidiu andar um pouco pelo quarto, para dissipar o medo. Ali vagou durante longos cinco minutos, ate que uma fome repentina o obrigou a sair. Pé ante pé, Eresictão retornou ao salão. Tinha um vago receio de que algo pavoroso tivesse acontecido. NÃO, tudo parecia em ordem. A sua querida mesa ainda estava lá, embora terrivelmente vazia. Ainda era cedo, mas a correria e o terror adiantaram o relógio do seu estômago. - Cozinheiros! - troveja Eresictão. - Pois não, senhor? - responderam os quatro cozinheiros. - Estou morto de fome. Adiantem o almoço. - Sim, senhor - e voltaram à cozinha. Urna fome terrível lhe devorava as entranhas. Nunca sentira fume parecida. - Vamos, tragam logo a comida! - rugia Eresictão, sentindo um vácuo crescer-lhe no estômago. Imediatamente os criados surgiam com os primeiros pratos, que desapare¬ceram em questão de minutos em sua goela voraz.

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