O BARALHO DA MORTE

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                                                                                CAPÍTULO 2

          Alguns filetes de suor quente escorriam pela minha testa e têmporas. Minha respiração oscilava e eu já não estava mais preocupada em diminuir a velocidade dos meus passos. Havia cortado caminho por três avenidas extremamente movimentadas, empurrando quem quer que ousasse se meter no meu caminho. A neve estava sempre afundando os meus pés como se quisesse me impedir de chegar lá. Aquele ar frio parecia cortar a minha pele e espalhava um tipo de carga elétrica nos meus pulmões, e isso, de certa forma, me incentivava a ir mais rápido. Mas o percurso era longo, e eu continuava na metade. Maldita cidadela! Eu estava a um segundo de desistir daquela merda e voltar para o meu plano de fuga, mas eu já havia assistido Death Note e aquela porra me dava sérios arrepios. Eu não estava disposta a arriscar.

          Foi no momento em que eu parei na frente de uma banca de revistas para retomar o fôlego que o meu celular começou a vibrar. Puxei-o do bolso da minha calça e atendi a maldita ligação, aproximando o aparelho do meu ouvido. Era só o que me faltava agora... mais distrações.

          — Por que você estava correndo? — Era a voz de Tristan, ele parecia estar disfarçando o nervosismo.

          — Como é que você sabe?— Franzi o cenho e olhei para trás num reflexo, tentando procurá-lo. Ele estava do outro lado da rua, perto da floricultura. Atravessei a rua assim que tive a oportunidade. O garoto me recebeu com um sorriso largo. Eu, no entanto, preferi socá-lo no nariz. — Eu não acredito nisso, você estava me seguindo?!

          — Ouch! — Ele gemeu de dor, massageando o nariz que sangrava. — Claro que não! Qual é o seu problema?

          O meu problema? Bem, eu tinha vários. Começando pelo meu estresse pós-traumático e o meu pai alcoolatra; pela minha falta de perspectivas e de um bom café da manhã, a última temporada de Lost, o fim das Spice Girls, e agora eu tinha esse maldito baralho homicida para adicionar à minha lista de problemas mal resolvidos. É, estava ficando cada vez mais divertido ser eu.

          — Nenhum. Por que você está aqui?

          — Eu moro aqui. A cidade é pública, caso você tenha esquecido.

          — Faça um favor para você mesmo e deixe o sarcasmo para os profissionais. — Cruzei os braços rente ao tórax. Meus dedos doíam pelo soco desferido e tudo o que eu queria fazer agora era puxar Tristan para um abraço apertado. Mas por algum motivo não o fiz. Eu sou um belo de um fracasso ambulante. — Responda logo a minha pergunta.

          — Minha irmã sumiu. — O rapaz hesitou, mas finalmente tomou coragem para me encarar. Seus olhos castanhos expressavam medo. Eu só não sabia dizer se era a mim que ele temia, ou o que quer que pudesse estar acontecendo com a Sarah. Pude perceber que o garoto estava se controlando para não chorar em desespero. — Eu já fui de casa em casa perguntando se ela poderia estar lá. Comecei pelas residências de conhecidos, mas agora eu não tenho outra opção senão vasculhar o quarteirão inteiro. A nossa mãe não gosta que saiamos na hora do jantar, e a pirralha é sempre a primeira a me alertar quando tento dar as minhas escapadas, mas hoje ela simplesmente resolveu sair. Numa hora a Sarah estava dentro do quarto fazendo a lição de casa, e na outra ela já não estava mais lá. Eu encontrei a porta dos fundos escancarada. Está vendo como isso não faz sentido, Claire? Alguma coisa está muito errada. Acho que foi o maníaco. Ele a pegou.

          — Eu não sei nem o que dizer. — Murmurei, arrependida de tê-lo machucado. Então, com o meu cachecol, tentei limpar o sangue que teimava escorrer de suas narinas. Ele se afastou num primeiro reflexo, mas eu insisti e o garoto acabou permitindo que eu me redimisse. Lembrei do meu pai e das marcas roxas que eu tinha visto em seu corpo desde que nos mudamos para cá. Ele podia muito bem ser uma babaca agressivo de merda, mas dóia cogitar a possibilidade dele ser o assassino que assombrava aquelas vielas. Era difícil de acreditar que a minha mãe teria se casado com alguém desse tipo. Muitas vezes essa mesma desconfiança tirava o meu sono. — Você tem certeza disso?

Os Artefatos InfernaisOnde histórias criam vida. Descubra agora