CAPÍTULO 5
Os demônios deformados arrastaram-me até as escadarias. Foi difícil acompanhar seus passos largos e pesados. E eu, de tão pequena e cansada que estava, tropeçava nos meus próprios pés. O castelo era tão grande que eu já não tinha mais forças para lutar. Feridas começaram a se formar entre os meus dedos devido ao atrito causado na pele desprotegida pelos degraus enquanto subíamos. Já tinha perdido os meus sapatos em algum lugar entre a cabeça do tapete de leão e o corredor que daria para o salão de banquete. A minha barriga roncava de fome. Não havia comido nada desde que fugira de casa. A minha ânsia de matar Leviathan só havia me cegado sobre a situação do meu estômago e também sobre o verdadeiro mal-caráter que me empurrara para esta situação. Mesmo antes de eu ter pedido por isso.
Ele pôs o tarô do príncipe da inveja ali para que eu pegasse. Sabia sobre o paradeiro de Sarah, e provavelmente sobre a sua condição instável, e mesmo assim nos deixou correr o risco. Me levou ao inferno sem hesitar, mesmo sabendo que esse poderia ser o motivo de sua ruína. Me pergunto se Jerry sabia o tempo todo dos perigos que eu - uma simples mortal - estava sujeita ao trazer-me ao escritório de Leviathan. Eu poderia ter morrido naquele vão, e posso muito bem estar sendo arrastada para a minha morte agora. Certamente me levarão para alguma sala de tortura. Me aprisionarão como um animal até a hora do abate. Esse talvez fosse o plano de Jerry o tempo todo. Maldito. Espero que Leviathan o estrangule mais mil vezes se precisar.
— Você não acha isso estranho? — O demônio com caninos proeminentes, parecidos com os de um morcego, perguntou.
O outro, com focinho de porco, apenas franziu o cenho e o encarou. Pelo silêncio que pairou nas escadarias antes deste se pronunciar, percebi de imediato que o suíno não era do tipo falante. E quando abria a sua boca fétida, o fazia por mera obrigação. Não demorou muito até que ele apertasse o meu pulso sem um pingo de consideração ou piedade, fazendo-me gemer de dor bem baixinho.
— Não somos pagos para achar nada estranho, Calisto. Você é novo aqui, mas vai aprender.
— Eu sei, mas... De tantos outros lugares no castelo, por quê logo o Quarto de Esmeras? — O demônio chamado Calisto assobiou para o chão, potencialmente impressionado. — O que será que essa coisinha magricela fez para conseguir um destino desses?
— Ei! — Protestei, ofendida. — Magricela não, okay? Deficiente de massa corporal. Eu sei que pode até não parecer, mas eu tenho sentimentos.
— Quieta! — O porco reclamou, e então paramos num andar. O piso sob nossos pés brilhava intensamente; ora preto, ora azul naval. Talvez o mármore que erguia o castelo de Leviathan não fosse transcendente o suficiente, mas parecia que nós estávamos caminhando sobre as águas. Levi deveria ser um piadista. — Você tem o dever de permanecer calada!
— Não seria direito?
— Ora, não sei. Você nasceu na temporada da inveja? — O demônio - que eu mentalmente havia apelidado de Peppa - perguntou.
— E como é que eu vou saber?
Quando Peppa estava prestes a responder-me, Calisto o interrompeu.
— Sabendo, humana burra! Vocês mortais são tão desinformados que eu quase sinto pena. Dá pra acreditar, Davos? Eles só descobrem de qual estação são quando acordam mortos nos ducados.
Mas o suíno Davos não pareceu estar impressionado com a observação do novato. Muito pelo contrário, seu tédio era perceptível quando tirou dos bolsos fundos (da parte interna da armadura) um molho de chaves. Calisto lhe era insuportável. Davos escolheu uma chave esverdeada no meio de toda aquela bagunça tilintante, e abriu uma porta de madeira maciça que se estendia à nossa frente.
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Os Artefatos Infernais
Mystery / ThrillerEspíritos malignos interferem na vida humana por mera diversão. Eles não querem exatamente o nosso caos, apenas se entretém em cima disso. Há milênios atrás houve a grande batalha entre anjos e demônios, e desde então as divindades celestiais decidi...