CAPÍTULO 3
Jerry nos guiava pela escuridão quase perturbadora de um lugar abandonado da cidade. Jamais imaginara precisar seguir por este caminho, mas eis-me aqui. Empurrando pedaços de escombros e madeira podre afundadas na neve, para assim abrir caminho e me deslocar. Tinha um objetivo; e este era afastar Sarah das mãos sujas do meu pai. Não era justo que ele machucasse mais alguém. Minha cabeça latejava só de pensar que Tristan poderia descobrir sobre o meu passado. Socos e murros não eram nada, nem mesmo uma arma apontada para a minha testa significava alguma coisa em comparação ao que sucedia quando meu pai decidia se esgueirar pela porta do meu quarto. Acredite, o terror do meu lar ia muito além disso. Perguntava-me também se esse completo estranho de cabelos platinados estava certo sobre o baralho da morte. Não confiava nele. Como poderia? Da última vez que ousei depositar a minha confiança em alguém, fui violada.
No entanto, continuava impulsionando-me na direção de um lugar em ruínas. Avistava o prédio de uma escola a poucos metros de onde estava. Faltava muito pouco para que Tristan, o demônio e eu alcançássemos o lugar. Ouvira algumas lendas sobre o Recanto dos Corvos. Nem mesmo a polícia local tinha coragem de adentrar aquelas colunas.O apelido fora dado à escola abandonada por ser abrigo para essas aves nojentas da cidadela; as quais pareciam apreciar a minha companhia. Alguns diziam que a aparência da estrutura escolar era apenas uma fachada para um programa de investigação contra os nazistas organizado durante a segunda guerra mundial. Aquela para mim era a história mais improvável de todas. Não cheguei a tempo de saber se, de fato, alunos frequentaram aulas no prédio. Muitos dizem que sim, mas um incêndio acabou prendendo as almas daquelas crianças nas paredes mofadas e deterioradas. Contudo, não vejo tais marcas de incêndio. E por mais que me esforce em encontrá-las, é completamente em vão. E por último, mas não menos importante, há a minha teoria de que a companhia de demolição simplesmente esqueceu de derrubar esse grande monstro de concreto. Ninguém dá duas fodas para Raventown mesmo.
— Você tem certeza de que a minha irmã está aqui? — Tristan finalmente interrompeu o silêncio gélido entre nós. Jerry umedeceu os lábios antes de responder.
— Sim.
— Você a viu entrar nesse pandemônio abandonado? Por acaso pensou em impedi-la?
Jerry ponderou novamente. Decidi ficar fora daquela discussão. Estava empenhada demais em tentar decifrá-lo, em capturar algum traço de mentira na sua fala. E fitando o seu rosto de perfil, pude perceber que ele não tinha muita habilidade em lidar com sentimentos humanos. Muito menos com as reações imprevisíveis e ilógicas deles. A forma como pensava nas inúmeras palavras que poderia usar naquele diálogo, e sua frustração em só conseguir proferir três delas, me fez cogitar a possibilidade dele ser um demônio deveras pragmático. Ou preguiçoso. Eu voto na segunda opção.
— Sim... e não.
— É só isso que você sabe dizer? Sim e não?! — O garoto franziu o cenho. A bochechas coradas tanto pelo frio quanto pela sua cólera e indignação. — Ah, pelo amor de Deus, Claire! Onde você encontrou esse cara? Ele pode muito bem ser um serial killer nos levando pro abate!
— Na verdade — O demônio interrompeu, um sorriso de canto se formando em sua boca. Coisa boa não viria dali, eu poderia sentir os calafrios. — Eu sou o novo brinquedinho sexual dela.
Eu revirei os olhos, abrindo caminho entre a dupla de imbecis. Acelerava o passo enquanto praguejava. A ventania fazia com que os meus cachos dourados esvoaçassem e cobrissem parte do meu rosto vez ou outra. Os olhos tão gélidos quanto o próprio céu durante uma tempestade. Eu agradecia mentalmente por ter pego as luvas e o cachecol antes de sair de casa. Caso contrário, já estaria congelando até a morte. E eu estava irritada, com toda razão. A linha outrora tênue dos meus lábios fazia uma curva para baixo, franzidos e taciturnos. Havia uma garota sendo estuprada ou torturada numa sala arruinada, com cicatrizes em seu corpo e também em sua memória. Em breve, Sarah seria exatamente como eu. Perdida e arruinada. Estávamos a poucos metros de interceptá-la, e a única coisa que os rapazes faziam era discutir. Não tenho paciência pra todo esse drama juvenil. Não está na minha natureza. E é por isso que eu prefiro lidar com os meus problemas sozinha.
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Os Artefatos Infernais
Mystery / ThrillerEspíritos malignos interferem na vida humana por mera diversão. Eles não querem exatamente o nosso caos, apenas se entretém em cima disso. Há milênios atrás houve a grande batalha entre anjos e demônios, e desde então as divindades celestiais decidi...