Olhos de gelo

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Katherine foi guiada pelo salão principal do castelo até uma pequena saleta que a rainha Marise chamava de escritório. Ela foi guiada tão rapidamente que mal prestou atenção no caminho por onde andava, apenas no som dos passos da rainha, que parecia apressada para convidá-la para conversar. Foi tempo suficiente para prestar atenção nas duas enormes escadarias que ela supôs que levariam para algumas torres e nos quadros com figuras prepotentes. Havia muitos lustres, alguns até mesmo com velas e castiçais, mesmo naquela época já existindo energia elétrica e Thomas Edson já tendo inventado a lâmpada.
Tratava-se de um escritório pequeno, aparentemente a rainha não costumava passar muito tempo ali, pois tudo encontrava-se intocado. Não havia vestígios de papéis com cálculos ou decretos, nem tampouco uma xícara com vestígios de chá.
Marise sentou-se na cadeira que ficava em frente a mesa e pediu que Katherine se sentasse em frente a ela. Seus olhos cor de gelo estavam atentos, ameaçadores e assustados, tudo isso ao mesmo tempo, como uma confusão de sensações penetrando no coração de Katherine.
- Antes de tudo, Katherine, gostaria de deixar algo claro - ela começou, pronunciando todas as palavras bem nitidamente e mirando nos olhos da menina - Sei o que permiti que você visse naquele rio e sei o que você achou ao meu respeito. Talvez esteja certa: não sou muito misericordiosa. Mas se você for inteligente
o bastante para se manter calada sobre a magia daquele rio e os meus segredos, podemos ter uma convivência tranquila. Caso o contrário, teremos problemas.
- Compreendo, minha senhora. Mas gostaria de compreender o porquê! - disse Katherine, aflita.
A rainha fixou-a, e a menina pôde jurar que viu sua pupila se contrair, como a de um gato em plena luz do dia. Seus lábios, agora pintados de vermelho sangue, se abriram em uma gargalhada sarcástica, revelando dentes extremamente brancos.
- Senhorita Katherine... Você não compreendeu. Fiz uma bondade. Minha magia não é o suficiente para torna-lo homem novamente. O que queria que eu fizesse? Trouxesse para o castelo? Quando crescesse, aquela criança se lembraria do dia que tomou a água daquele rio e revelaria para alguém, o que causaria um verdadeiro caos! Magia como aquela deve ser escondida. Os seres humanos são muito pequenos para informação tão preciosa.
Katherine sentiu seus músculos relaxarem. Ainda não se sentia à vontade na presença de uma... Bem.... Uma bruxa. Mas talvez a rainha estivesse certa. Talvez suas intenções fossem boas.
- Espero que tenha compreendido, Katherine. Não mencione esse assunto para ninguém ou eu mesma terei que calar seus lábios com minha magia. E talvez não seja tão agradável quanto ser transformado por uma borboleta.
- Sim, Vossa Majestade. A senhora pode confiar em mim.
- Ótimo - ela continuou - Pois temos assuntos mais divertidos a tratar.
Ela olhou para a porta e gritou o nome do criado:
- Peter!
O homem dos olhos defeituosos apareceu quase simultaneamente.
- Sim, minha rainha? - disse.
- Mande chamar as criadas Ellen e Marie.
- Sim minha rainha.
O homem saiu, aparentemente sempre pronto para servir, e a rainha parecia disposta a continuar tratando de assuntos "mais divertidos".
- Hoje à noite teremos um jantar em comemoração à sua chegada, com toda a corte real de Valgrind. Espero que saiba dançar, Katherine, pois dançará hoje. E conhecerá alguém especial esta noite, por isso, quero que suas criadas lhe deixe apresentável.
Katherine engoliu em seco. Nunca tinha dançado em baile algum. E lembrou-se do que Ben havia dito. Ele dissera exatamente o mesmo que a rainha: que ela conheceria alguém especial.
- E também será treinada para ser uma dama, digna para uma posição no trono. Nossas aulas começam amanhã, durante a tarde. - continuou a rainha.
- No trono? - seu coração parou - O que quer dizer?
- Quero dizer que talvez você seja princesa um dia, Katherine. Se um dia se casar com um príncipe. - a rainha falou, lhe dirigindo um olhar cúmplice.
- Perdão, senhora?
- Sem mais perguntas, querida. Hoje você entenderá. Esteja maravilhosa.
E nesse momento, as portas do escritório abriram-se, permitindo a entrada de duas jovens moças fardadas com aventais de renda. A rainha Marise as apresentou como as criadas que serviriam Katherine. Ellen era uma mais baixinha e franzina, com olhos verdes escuros enormes e arregalados. Já Marie aparentava ser mais confiante, em sua altura e nas sardas que cobriam todo o seu rosto e lábios desbotados. Katherine gostou delas assim que as encarou. Pareciam simpáticas.
- Levem-na para os aposentos, criadas. - a rainha ordenou - E às oito da noite eu a quero no Salão de Baile, onde será o jantar. Agora retirem-se.
A garota se levantou, seguindo as criadas para fora do escritório. Ambas não deram uma palavra sequer por todo o caminho, o que deu espaço para Katherine admirar a decoração, arquitetura e espaço do castelo. Era tudo mármore e vidro, com um toque gótico, que chegava a ser um paradigma. Seu quarto ficava no primeiro andar, na torre principal, em uma série de corredores onde ficavam muitos outros quartos. As portas eram de madeira escura e bem polida.
Gostara do seu quarto. Havia uma cama enorme e o chão era de cerâmica. Era grande e espaçoso, com uma estante com poucos livros bem em frente a cama. A luz entrava pelas portas da sacada, uma pequena varanda com algumas flores que Katherine aprovou. Dava um toque mais natural ao local.
Dentro do quarto havia um outro pequeno quartinho que dava para o banheiro. As criadas chamaram aquilo de closet. Era tudo realmente muito bonito.
Depois daquela viagem e da série de informações que absorvera naquele dia, Katherine desistiu de escrever uma carta e apenas tirou o vestido, ficando apenas com a camisola que as mulheres usavam por baixo dos vestidos. Jogou-se na cama e simplesmente apagou em meio a tantos pensamentos. Tudo o que queria era dormir.

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