Coração Palpitante

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E lá estava a menina do campo, sentada em uma farta mesa de jantar no castelo de Valgrind, aquele cujo o qual jamais pensara em conhecer. Ela estava linda, mas ainda assim sentia-se deslocada no meio de toda aquela gente estranha. Sim, eram realmente bastante estranhos. Começando por Marise que vestia preto. Um luxuoso vestido preto, que lhe caía bem, Katherine precisava admitir. A coroa absurdamente grande pendia em sua cabeça, dourada em um emaranhado de negro.
Havia os cortesãos, pessoas que pareciam soberbas demais, com seus colares e joias, e ambos os olhares carregados de cobiça, dirigidos à coroa majestosa da rainha Marise. Havia um casal de ruivos sentado na extremidade da mesa, com semblantes afetados. Ao lado da mulher havia uma garota mais ou menos da idade de Katherine, com cabelos ruivos e olhos dourados. Seu vestido verde lhe caia tão bem que Katherine poderia dizer que a garota havia saído de um livro de conto de fadas. A garota percebeu que Katherine a observava e então a surpreendeu com um sorriso. Intrigada, Katherine fingiu achar sua comida bastante interessante, só para disfarçar. Num súbito, a garota estava falando com o homem ao seu lado:
- Com licença, Lord Chiet, o senhor não gostaria de trocar de lugar comigo? Gostaria muitíssimo de conhecer a Senhorita Bueno, a sobrinha da rainha.
- Mas é claro, senhorita Velarc! - o homem respondeu, dando o lugar para a moça se sentar.
Katherine olhou-a e sorriu.
- Eu sei como isso aqui é entediante. Um bando de velhos conversando sobre política e só você de jovem no meio. - ela começou, dando um bom gole no espumante que provavelmente o Lord Chiet bebera - Ainda bem que temos uma a outra. Meu nome é Esterna Velarc porquê minha mãe tem criatividade mais que precisa para nomes. Pode me chamar de Ester. Aqueles são meus pais: O barão e a baronesa Velarc. Como é seu nome?
Katherine estava pasma na quantidade de palavras que saía da boca daquela garota em uma sequência tão curta de tempo. Provavelmente estava bêbada, foi o que pensou, então respondeu:
- Katherine Bueno. É um prazer conhece-la, senhorita Velarc.
Estern deu uma risada forte e abafada, fazendo o espumante sair pelo seu nariz.
- Desculpa. É que esse negócio de títulos é coisa de velhos, Kath. Você não precisa me chamar assim. Mas chame-os assim, se quer ser uma "boa garota".
Ester continuava a conversar amigavelmente enquanto bebia mais e mais taças de espumante. Ela lembrava Lucy, em alguns aspectos. Lucy tinha ainda mais classe e sede de poder que Ester, que demonstrava ser um pouco mais relaxada, e ainda assim notava-se que era uma cortesã. Seus braços moviam-se levemente e não havia sombra de calos em seus dedos. Suas unhas eram bem cuidadas e pintadas, assim como seu rosto, coberto de sardas charmosas.
- As bebidas da rainha são as melhores. Vem das terras do norte. - comentou Ester - O que acha de andarmos de cavalo um dia desses? Claro, depois que você tiver um tempinho para conhecer o castelo.
- Claro, por que não? - sorriu Katherine.
- Então está combinado! Vamos ser boas amigas, Kath!
Elas simplesmente sorriram, o que deixou Katherine se sentindo estranha porque a verdade é que ela sorriu somente para deixar o clima menos estranho.
Depois de alguns minutos, todos se levantaram para ver a rainha dançar com seu filho, Hector, no meio do salão. Katherine nem sabia que a rainha possuía um filho. Assim que o rapaz apareceu, Katherine não conseguiu parar de olhá-lo. Devia ter pouco mais de vinte anos, com cabelos loiros em um tom médio e olhos bem verdes, como as luzes de um vagalume. Seu rosto era tão bem desenhado que seria fácil para qualquer pintor retratá-lo. Ela não sabia que era possível alguém ser tão atraente. Ele não sorriu enquanto dançava, permanecendo sério e impassível durante todas as sequências de passos. Era um palmo mais alto que Marise e nada se parecia com ela. Eram como opostos.
- Eu sei. Um gatinho. - comentou Estern, e Katherine balançou a cabeça com nervosismo. Algo a incomodava, bem no meio de seu peito, algo palpitava, vibrando freneticamente. Katherine estava incomodada com aquilo ao mesmo tempo que sentia um frio imenso na barriga.
E logo depois vieram as reverências finais. Vários outros casais começaram a dançar ao som da orquestra e a rainha começou a vir em direção a Katherine, acompanhada pelo rapaz. As garotas se entreolharam e aquela coisa no peito de Katherine começou a pulsar mais fortemente á medida que o príncipe se aproximava.
- Senhorita Bueno, gostaria de lhe apresentar meu filho, o príncipe Hector.
O rapaz sorriu, pela primeira vez, revelando o conjunto de dentes perfeitamente alinhados. Katherine se reverenciou, juntamente com Estern, que pediu licença em seguida e se retirou.
- Que tal uma dança? - propôs Hector.
- Seria um prazer.
O toque de suas mãos era como o roçar das plantas da floresta, ambas tocando de leve, quase como se fosse um acidente. Katherine não conseguia parar de olhar para ele. Sentia que ele estava falando algo, pois via seus lábios se movimentarem e ouvia o som sair, mas seu cérebro não decifrava. A parte de seu cérebro que decifrava palavras entrara em confusão. Para ela, Hector era um texto, e então ela só conseguia lê-lo.
Algo palpitava de verdade em seu peito. Literalmente. Katherine percebeu que algo brilhava em seu pescoço á medida que pulsava freneticamente. Era seu pingente de lua. Lá estava ele, emitindo uma luz.
Suas mãos soltaram a de Hector, e ele olhou, finalmente, extasiado com aquele pingente e seu significado. Estava ali, tão perto, o que ele sempre procurara. Katherine ofegava, com a impressão que todos olhavam para ela, mas era somente uma impressão.
E correu. Levantando a coleção de saias de armação que nela colocaram e correndo freneticamente, sem saber para onde ir, Katherine percebeu que tudo estava mudando. O colar ainda brilhava e ela queria tirá-lo. Ouviu passos atrás de si enquanto tentava achar uma saída entre os corredores lustrosos do castelo.
Viu uma janela de vidro aberta que dava para um jardim. Parecia uma boa fuga, então Katherine soltou os sapatos prateados no meio do piso de azulejo e tentou subir pela janela. O vestido dificultava bastante, mas a adrenalina e o medo de ser encontrada era maior. Em um minuto seus pés estavam tocando a grama umedecida pelo orvalho. Seu colar parara de tremer, mas ainda brilhava, ainda mais reluzente que antes. Ela precisava tirá-lo.
Tentou desatacar o fecho atrás de seu pescoço, mas imediatamente sentiu um choque na sua pele. Tentou de novo e sentiu algo queimar seus dedos. Ao olhá-los, estavam sangrando. Sua boca fez o formato de um "o" ao se dar conta que aquilo era realmente um pesadelo. Estava presa. Era culpa de Ben, foi o que pensou. Ele pedira para ela não tirar, mas nem precisava. Ele lhe dera um colar enfeitiçado. Katherine começou a ficar mais nervosa ao olhar para cima e ver que uma lua cheia a encarava. Era coincidência demais.
De repente, a lua pareceu estar mais próxima, bem acima da cabeça de Katherine. Sua luz era ofuscante, mesmo que Katherine sempre tivesse sabido que a luz da Lua vinha do sol. Um feixe de luz prateado caiu sobre sua cabeça, deixando-a perplexa. "O que está acontecendo?" ela se perguntava, com vontade de correr, mas seus pés estavam presos. Se deu conta de que estava flutuando, desafiando todas as leis da gravidade. Seus poros emanavam luz e a íris de seus olhos, antes castanha, agora era prata. Os cabelos castanhos claros de Katherine também estavam prateados. Era tanta luz que Katherine cedeu ao desejo de fechar os olhos, deixando seu corpo desfalecer. A gravidade foi voltando ao normal e o corpo de Katherine foi repousando na grama.
Hector, que estava da janela, perplexo, observando, correu para ver se a menina estava bem. Ele pegou-a nos braços e analisou seu rosto. Seu cabelo voltava a ser castanho, pouco a pouco, mas ainda havia uma áurea de luz prateada recobrindo-a.
Ao abrir os olhos, a primeira coisa que Katherine viu foi aquele par de olhos verdes a encarando. Hector sorriu ao perceber que ela finalmente acordara. Não se passara nem um minuto, mas era preocupante depois de tudo o que ele vira.
- Você está bem? - ele perguntou, ao que Katherine respondeu com um aceno de cabeça.
- Acho que bebi demais. Tive um sonho estranho e...
- Katherine - ele interrompeu - Foi real.
Seus olhos se arregalaram e só naquele momento Hector notou que havia um arco prateado em volta de sua pupila e depois de sua íris. Quase não se via o castanho.
- Você precisa se ver o espelho - disse ele, enquanto ajudava ela a se levantar - Eu sabia quem você era. Eu senti.
Ela cruzou os braços, olhando para sua pele, que ainda brilhava levemente. Ela mal prestava atenção.
- Eu sabia que você era a Filha da Lua.
Katherine o olhou, com uma pontinha de raiva.
- Filha da Lua? - indagou.
- Você é a escolhida da Lua. Como diz a profecia.
Katherine continuou encarando-o até ele se dar conta de que ela não sabia de nada. Então ele soube que o melhor seria puxá-la para si e a abraçar, pois haviam muitos pedaços espalhados na mente de Katherine que precisavam ser juntados, como num quebra cabeça, para ela poder compreender. E o que mais pode juntar pedaços a não ser um abraço?
- Todos no salão ficaram perplexos com sua fuga. E Marise ficará mais brava ainda quando ver os sapatos de prata germana jogados na cerâmica do castelo. - disse Hector, ainda abraçando Katherine, que o olhou, pensando em realmente fugir - Mas eu não me importo.
E assim foi a primeira noite de Katherine no castelo de Valgrind. Foi o começo de tudo.

A Filha Da LuaOnde histórias criam vida. Descubra agora