O cavalariço

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Havia uma garotinha linda em uma sala. Pela janela via-se os campos e o bosque. Dava para supor que era no castelo. Os cabelos negros, mais escuros que o ébano, escorriam em cachos discretos pelas costas da garota. Ela deveria ter em torno de uns cinco anos de idade, e seus olhos azuis eram maiores e ainda mais penetrantes.
A menina corria pela sala, dançando passos malfeitos de ballet, com as mãos pendendo ao lado do corpo enquanto girava, cantarolando baixinho com um sorrisinho travesso no rosto e os olhos fechados. Quando começou a ficar tonta, abriu os olhos e deu de cara com algo incrivelmente assustador. Todos os móveis flutuavam no ar, inclusive ela. Olhou para baixo e viu que seus pés não tocavam mais o chão e olhando em volta, via a penteadeira erguida, juntamente com o divã, o centro, a chaleira e as xícaras de porcelana.
Ela sorria, mais ainda e tentou voltar ao chão.
O som das portas se abrindo não conseguiram fazê-la parar de admirar o que suas próprias mãos conseguiam fazer, até ouvir a voz de sua mãe:
- Marise! Pare com isso, por favor, querida! - ela chorava. Marise fez as coisas voltarem aos seus lugares e olhou para a sua mãe. As lágrimas caiam de seus olhos, que estavam apavorados. Por um momento a menina pensou que sua mãe estivesse com medo dela, mas, Gina imediatamente falou, quase lendo os pensamentos da filha:
- Vão querer queimar você se souberem. Você nunca mais pode repetir.
E ajoelhando-se para ficar mais perto do rosto da menininha, Gina olhou em seus olhos, carregados de frieza perante as lágrimas da mãe, e concluiu:
- Você precisa prometer que ninguém nunca saberá disso além de nós. E precisa prometer jamais tentar de novo. '
- Eu prometo, mamãe. - ela falou, simplesmente.
- É para o seu bem, querida.
Como se um pincel misturasse a infinidade de cores que haviam no salão, tudo se misturou, surgindo uma nova cena. Agora havia dois jovens correndo pelo gramado do castelo, ambos indo em direção ao bosque. Era dia e Marise estava com um vestido arrumado e o rapaz ao seu lado usava uma roupa de festa. A princesa agora deveria ter não mais que dezesseis e o rapaz era apenas uns meses mais velho.
Eles pararam em uma árvore, ofegantes da corrida.
- Você é bem rápida para uma garota. Ainda por cima da realeza - disse o garoto, rindo. Seu nome era Petrus e ele tinha cabelos loiros, iguais aos de Hector. Tinham a mesma mandíbula teimosa e o mesmo queixo, assim como a boca bem desenhada. Apenas os olhos eram diferentes, castanhos, com uma pequena falha suspeita. Havia um respingo de tinta preta escorrendo de sua pupila, como se o pintor tivesse deixado derramar tinta preta, e esta estivesse escorrendo.
- Talvez as pessoas que guardam segredos sejam assim - ela respondeu. Os lábios não tinham sequer um vestígio de cor. Eram pálidos. Marise não sabia bem porque dissera aquilo, então deslizou pelo tronco da árvore e se sentou no solo.
Petrus sentou-se ao lado da garota, percebendo seu semblante. Ao dia, seus olhos pareciam ainda mais claros, quase chegando ao branco. Ele achava bonito, de tão diferente que era.
- Talvez não precise guardar segredos de mim, Ise. - ele a chamava por esse apelido desde que se conheceram, quando a aliança entre o reino que o pai de Peter governava e Valgrind foi selada - Você sabe que pode confiar em mim.
Tantas vezes estivera na ponta de sua língua as palavras "Sou uma bruxa" que ela temia o que aconteceria quando finalmente as pronunciasse. Talvez ele corresse, talvez a queimasse, ou simplesmente fugisse. Mas ela no fundo sabia que com Petrus era diferente. Ele a entendia e guardaria segredo.
- Você promete que não vai fugir nem contar pra ninguém? - ela perguntou, olhando nos seus olhos.
- Sim, eu prometo.
Marise olhou para os galhos caídos no chão e tomou sua decisão. Ela não queria pronunciar as palavras, não agora. Em um segundo, os galhos flutuavam, e simultaneamente, um caminho de hortênsias voavam do jardim do castelo até o lugar onde eles se encontravam. Eram hortênsias que tinham sido cortadas a pouco por estarem murchando, mas Petrus não se importou quando viu um "M" formado de hortênsias flutuando na frente dele. Em seguida a letra se transformou em um coração, que se dissolveu e formou um "P". Era clichê e Marise jamais imaginara que seria capaz de se declarar de forma tão boba, mas se sentiu feliz ao ver o sorriso nos lábio de Petrus.
As flores agora estavam caídas no chão, juntamente com os galhos, e o rapaz olhava tudo boquiaberto.
- Você é o único que sabe - ela arriscou dizer - que eu sou uma bruxa. Posso realizar coisas terríveis se me derem um livro com feitiços. Tenho magia no meu sangue.
Uma lágrima solitária caía pela bochecha de Marise. Era a primeira vez que ela chorava na frente de alguém. Escondeu as mãos atrás de si, envergonhada pelo que elas podiam fazer.
- Mas isso depende só de você: É uma escolha. - Petrus disse, segurando as mãos dela nas suas - Você não é uma bruxa, pois o que você fez foi lindo.
Petrus se aproximava à medida que Marise se sentia mais feliz. Naquele dia ela foi beijada. Era tudo o que ela não esperava de alguém para quem revelaria seu segredo. Esperava medo, receio, raiva. Mas recebera um beijo, bem nos lábios.

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⏰ Última atualização: Dec 14, 2015 ⏰

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