- IV -

28 0 0
                                    

- Mal fui apresentado para o serviço e a miserável já começou a me azucrinar. Mas eu ja tava vacinado, o patrão já tinha me adiantado o tipo de coisa que ela ia tentar. De quase peladão em publico à insolação eu encarei tudo numa boa, na verdade mesmo que o patrão não tivesse me avisado, comparado com o que eu passava na mão da Vera, aquilo era moleza.

-Com o tempo ela se deu por vencida e começou a invés de me dar ordens ridículas, a fazer toneladas de perguntas. "De onde você veio?", "Porque você não não gosta disso?", "O que você fazia pro meu pai", "Qual seu nome de verdade?", "Porque você não sabe ler? Todo mundo sabe!" - Dizia Sid numa tentativa frustrada de afinar a voz já que a dele era de um timbre grosso. - E foi em uma dessas que de tanto me encher a paciência, acabei contando minha história... Sabe, não sei dizer se ela ficou mais irada com a situação ou sensibilizada com minha historia, o fato é que ela mudou dali para frente. A menina que antes era uma pirralha chata mudou e começou a me ensinar coisas novas com dedicação, tentava me fazer enxergar além do mundinho em que eu vivia, foi então que vi que o mundo era muito mais do que eu esperava ou conhecia.

- Eu sempre via aquela menina lendo ou estudando, logo descobri que o sonho dela era entrar na TechUtri. Pra não ter uma sentinela burra ao lado me ensinou a ler e escrever, foi o meu primeiro passo, depois disso tudo ficou fascinante. Ela me dizia que queria ser engenheira, queria construir máquinas... Fui acompanhando ela, acabei pegando gosto e jeito... Parecia até melhor que ela! Aaah, eu via raiva e orgulho naqueles olhos. Quando resolvia algo que ela não conseguia eu via mais raiva do que orgulho.

- Ainda acho que alguém precisava te dar uma bela surra pra acabar com todo esse excesso de confiança! - Repetiu Paola.

Sid fez uma pausa. Olhou no seu relógio e viu que poucos minutos se passaram, percebeu que poderia ficar horas falando daquele jeito.





- É, eu era um tonto. Demorei algum tempo pra perceber que as coisas estavam indo de patrão e funcionário para amigos íntimos. Pouco a pouco sentia ela mais próxima... Como te disse, eu era um tonto, não tinha um pingo de tato para essas coisas. No começo eu ficava mal sabia como agir, não entendia a raiva dela quando me pegava flertando com alguma empregada ou quando as empregadas da casa contava que "os rapazes" estavam se divertindo por aí, se é que me entende... Não demorou muito pra ela começar a insistir que eu também fizesse com ela o exame para a TechUtri. Pra mim aquilo era um assunto chato, eu gostava de aprender mas não gostava de estudar, eu gostava mesmo da praticidade e tinha certeza que Rey nunca me deixaria continuar com aquela ideia maluca...

- Houve uma vez que ela não conseguiu passar no exame e ela ficou bem baqueada. Não demorou para aquele papo recomeçar, ela dizia "A culpa é sua, se você estivesse comigo eu iria conseguir!". Ela falava, ela esbravejava, gritava e eu mal conseguia entender. Falei que não ia fazer diferença, já tinha passado! Rapidamente ela baixou o tom e sussurrou que me amava. Congelei, não sabia o que dizer! Ela continuou dizendo que se prestasse o exame iria pra lá com ela e que depois ficaríamos juntos, seja lá qual fosse o rumo que sua vida tomasse depois de formada. Baixinho dizia que não aguentava mais viver naquela gaiola em forma de mansão, que estava cansada do quão tapado eu era por não ter percebido isso até ali. Não conseguia dizer nada e felizmente fui salvo pelo Jean quando ele me chamou. Rey queria falar comigo. Saí de lá confuso, era um misto de alívio e apreensão. Tudo era tão óbvio, menos pra mim que não sabia lidar com aquilo.

Paola balançou levemente a cabeça.

- Você homens são todos iguais... Não percebem nada em baixo do próprio nariz...

- E o que você queria que eu fizesse? - Disse ele levantando os ombros - Rey precisava de mim naquela hora, precisava de um trabalho feito. Era coisa rápida, bastava visitar um teimoso qualquer que não estava colaborando, tomar a grana que devia e voltar. Paulo que era o braço direito sempre resolvia isso, mas o desgraçado tinha sumido! Ouvi que Rey e ele não estavam nos melhores dias, Rey estava ficando velho e cada vez menos ganancioso, Paulo não suportava isso, entendia que o chefe estava fraquejando. Tive que ir com o Jean mais três brutamontes, eu tinha que voltar com a grana e com o miserável vivo, não precisava ser inteiro, mas precisava estar vivo. Bob ficou de olho na Karla, imaginei que ele ia ficar puto com isso...

ZeroUmOnde histórias criam vida. Descubra agora