XVI

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Clary Meyer

Já se passaram mais de duas semanas do natal, e até agora Kile não comentou nada sobre voltarmos para São Paulo.
O que mais me surpreende é o jeito dele de me tratar, eu nunca fui tão bem cuidada como agora. Ele sempre se preocupa comigo, quer saber se eu me alimentei e faz questão de marcar uma consulta com a obstetra da família dele.
Eu gosto dessa atenção e dos cuidados dele, mas eu não sei como me posicionar em relação a isso. Eu não sou a noiva dele, eu sou a garota que fingi ser a noiva dele para a família dele, tenho medo de pensar sobre o que estamos tendo aqui pode ter um futuro.
Eu continuo sendo a garota que não tem nada na vida, que foi despedida do emprego assim que o dono do bar descobriu que eu estava grávida. Tendo que enfrentar uma gravidez de risco, sem o apoio da família e sem o apoio do pai da criança.
Às vezes paro e penso que talvez tudo o que está acontecendo em minha vida sejam as dívidas que a minha alma deixou em outra vida. Eu sei que isso parece besteira, mas tenho medo que este carma ruim passe para o meu bebê, como se fosse hereditário.
O que importa é que o meu bebê não é fraco como eu, fui ao obstetra na semana seguinte do natal com o Kile – e praticamente a família dele toda (menos a Izzy) me obrigou a ir ao médico -. E era engraçado ver como ele estava empolgado, ele não parava de comentar sobre qual era o possível sexo do bebê e já estava pensando na variedade de nomes.
Eu vou confessar que até gostei da sua empolgação, mas fico com medo de ele se apegar muito com a criança e chegar uma hora que o nosso relacionamento não der certo, e ele fique magoado comigo. Talvez seja tolice minha pensar nessas coisas toda hora, mas acredito que isso seja o certo mesmo me preparar sempre para o pior.
Que dizer, sempre fui assim, desde pequena já sabia que a noite minha mãe iria chegar tarde e se eu ainda estivesse acordada eu seria o alvo por ter atrapalhado a transa básica noturna dela. Às vezes ela me batia pelo o simples modo de eu ficar doente ou acordar chorando durante a noite, ela era uma mãe razoável sóbria, mas quando bebia ela era tudo, menos uma mãe.
Até que eu meio que agradeço por conhecer a parte ruim materna, pois com isso posso tentar ser a melhor mãe para ele ou ela. Acredito que na parte do amor e dedicação aos filhos, a Cass e o melhor exemplo para mim. Antes mesmo de conhecê-la, percebi que ela era uma mãe exemplar, sempre preocupada com os filhos e os seus agregados, até a mim ela me tratou de uma forma maravilhosa. Gostaria muito que ela fosse a minha mãe, gostaria mesmo, simplesmente tenho inveja de todos que podem compartilhar a sua vida com a Cass.
Dentro de um carro indo para uma nova consulta medica, olho a paisagem do Rio de janeiro e suspiro passando a mão na minha barriga cada vez mais dura e maior. Ouço ao longe o que o Kile fala com entusiasmo, sei que é algo de conhecer uns amigos dele, mas resolvi me desligar do mundo e aproveitar a paisagem .

-Clary, você vai adorar eles, tipo eles são... Clary? - Diz ele diminuindo a voz e colocando uma das mãos que estava no volante na minha barriga. -Você está bem? Está tão desligada ultimamente. - Olho para a sua mão em minha barriga e olho para ele confusa.
-Oi? - Ele arqueia as sobrancelhas e sorri voltando a olhar para o trânsito.
-Você está me ouvindo? -Pergunta ele incrédulo.

Olho para ele e coço a cabeça.

-Estou sim...
-Então você concorda comigo né?
- Sim - Respondo olhando para a janela.
-Então você topa voar de asa delta pelada, vou marcar para semana que vem.

Olho para ele sorrindo.

- O que? Não, está louco? Você tem cada ideia.
- Eu sabia que não estava escutando. - Diz ele procurando uma vaga para estacionar. - Que inferno, este Rio de Janeiro sempre cheio de carros, cadê a mobilidade desta cidade? Aposto que está no lixo. - Bufa ele ainda procurando um lugar.
-Porque não viemos de transporte público? Se você pensa que mobilidade seja a melhor solução para o Rio, você deveria começar a fazer a sua parte deixando o carro em casa. - Sussurro para ele olhando a vista pela a janela.
- Nossa você tem razão... Porém o transporte público também é um caos, não dá para colaborar sozinho. - Resmunga ele achando uma pequena vaga a uns dois quarteirões da clínica.
-Ah! Seu velho, para de resmungar, parece que tem uns 70 anos de idade. - Digo revirando os olhos e saindo do carro devagar por causa da barriga que estava maior agora com sete meses.
-Será que hoje finalmente conseguiremos saber o sexo dele? - Pergunta o Kile correndo para ficar ao meu lado, ele põe uma mão em minha cintura e caminha ao meu lado.
-Talvez ele ou ela queira fazer uma surpresa. -Sussurro tirando o cabelo do meu rosto.
-Mas acho que ele ou ela devia pensar um pouco nas pessoas aqui fora e acabar com essa nossa ansiedade. - Diz ele pegando a minha bolsa da minha mão.
-Quem sabe ele ou ela não esteja pronto a nos mostrar o seu sexo. - Volto a sussurrar.

Era estranho para mim, conversar com um homem sobre o bebê, pois desde que eu soube da sua existência tinha em mente em passar todas as etapas sozinhas, mas não foi como eu planejei, estava tudo diferente, e isso era bom, muito, mais muito bom.

*****

Não tenho palavras para descrever a sensação de ouvir os batimentos do pequeno coraçãozinho do meu bebê. É a melhor coisa que eu poderia ter, sinto um aperto em minha mão e quando olho para o lado vejo o Kile, mantendo a aparência, porém com os olhos cheios de lágrimas.
Eu não sei o que fazer sobre essa relação intensa entre o Kile e o bebê. Kile está sendo um pai maravilhoso e atencioso em todas as horas, quando a sua família está e quando não está. Uma pequena parte de mim deseja pedir a ele que parasse de agir como o pai da criança, pois infelizmente tudo pode se acabar da mesma maneira que começou.

- Clary? Clary? - Chama o Kile me tirando do meu devaneio. - Está tudo bem?

Olho para ele e depois para a doutora que esperava a minha resposta.

- Eu estou sim. - Olho para o Kile novamente e mostro um sorriso fraco.
- Ok, como a doutora estava perguntando, você quer descobrir o sexo do bebê ou não? - Pergunta ele sorrindo.
- Quero saber! - Sussurro olhando para a doutora.
-Ok, ok... Vamos ver finalmente o sexo desse bebê. - Diz a doutora pegando o aparelho de ultrassom, passando sobre a minha barriga encharcada de um gel gelado. - Hum, acho que já sabemos o sexo do bebê, vocês tem preferência? - Diz ela olhando para a tela da televisão.
- Bem, para mim não faz diferença, o que importa é que venha bastante saúde está ótimo. - Diz Kile segurando uma das minhas mãos, olhando vidrado para a tela da TV.
- Eu também não tenho preferência, qualquer sexo para mim está bom. - Sorrio para o Kile e volto a olhar a tela da TV, ansiosa para descobrir o sexo .
- Então, acho que terá bastante trabalho Kile, pois é uma menina! - Diz a doutora sorrindo. - Parabéns ao casal!

Eu não conseguia conter o sorriso de felicidade, posso dizer que bem lá no fundo, mesmo eu não dizendo, eu queria uma menina.


Olho para o Kile sorrindo e vejo que ele está paralisado, olhando para tela com os olhos brilhantes. Ele olha para mim e sorri, voltando em seguida o olhar para a tela .

-Ela será tão linda como a mãe. - Sussurra ele beijando os meus dedos. - Ela será linda e forte.

Sinto que lágrimas rolam pelo o meu rosto, tudo aquilo era muito maravilhoso, muito intenso para alguém que teve poucas felicidades na vida. Retribuo o sorriso para ele e tento parar de chorar mesmo sabendo que seria impossível.

*****

A notícia que seria uma menina foi um alvoroço na casa do Kile, a Cass começou a chorar, dizendo que sempre sonhou ter uma neta menina e que seria um sonho para ela. Já o pai do Kile, Edward, apenas chegou perto do Kile lhe deu um abraço forte e três batidinhas nas costas com a tradicional palavra "Parabéns", e em seguida foi até a mim e me deu um abraço forte e acolhedor e um beijo em minha bochecha.
Stephanie veio até a mim correndo e me deu um abraço apertado e berrou animada:
-Eu sabia que a minha afilhada seria uma linda menina - Ela sorri e passa a mão na minha barriga. - Meu anjo, irei te ensinar a pegar vários gatinhos.
- Você não vai mesmo, minha filha não vai sair com qualquer um não. - Diz Kile colocando a mão em minha barriga e sorrindo.

Eu quase não falei nada, apenas sorri naquela noite inteira, todos estavam felizes ou pelo menos aparentavam estar. Stephanie, Jacob e Sylvia se juntaram para perturbar o Kile dizendo várias coisas que ele teria que enfrentar.
Henry, pai do Jacob, veio me parabenizar e como sempre garanhão sussurrou em meu ouvido que eu ficava cada dia mais magnífica. Agradeci sem jeito e voltei a apreciar a companhia dos familiares do Kile, a única pessoa que se manteve quieta e afastada foi a Izzy.
Sempre que a chamavam para participar da conversa, ela dizia que estava ocupada com as crianças ou algo parecido. Ela às vezes me encarava por alguns segundos ou observava o Kile, que se manteve distraído ou fingia que não via.
Durante uma das brincadeiras com o propósito de irritar o Kile, eu me levanto e sigo para a cozinha, pego um copo de água e enquanto bebo água ouço a voz da Izzy.

- Sabe o que é engraçado? É que eu sempre soube que você conseguiria passar essa imagem de menina sofrida que não me engana para todos. - Me viro devagar e encaro-a. - Eu sabia que o seu objetivo era ganhar o lugar de nora perfeita.

Arqueio as sobrancelhas sem entender o papo maluco dela.

-Eu sei que você é uma interesseira, talvez essa criança nem seja do Kile e sim de um cara qualquer. Mas eu irei abrir os olhos do Kile e ele vai descobrir a verdade e meter um pé na sua bunda.

Continua ela com um sorriso falso no rosto. Encosto-me a bancada e espero ela falar, e quando ela termina o show ridículo falo com a voz mais calma possível.

- Já acabou? Posso falar? Então vamos lá, eu não te devo nenhuma satisfação da minha vida, porém tem coisas entaladas na minha garganta para você . -Sorrio e cruzo os braços, continuando - Acredito que você está sofrendo de paranoia, porque você acredita que eu esteja enganando o Kile, mas não estou o enganando ninguém. Eu realmente gosto dele e essa criança é dele. Você pode pesquisar, procurar e procurar que não vai encontrar nada de errado que o Kile não saiba. Eu nunca quis roubar nada de ninguém, e também não pretendo roubar nada, não tenho culpa se a mãe do Kile não gosta de você, acho que a culpa é apenas sua e não minha. Você deveria parar com essa mania de cismar que eu quero te destruir, se fosse assim eu estaria correndo atrás do Jacob, que é seu marido e não do Kile seu ex-namorado de adolescência. - Sorrio e passo a mão no cabelo.
- Você trocou o Kile pelo o Jacob e achava que o Kile iria ficar sofrendo por você a vida inteira? Não, a resposta é não. Ele pode e tem o direito de se apaixonar e de ser feliz, ele passou a vida inteira sofrendo por você, ainda tendo esperança de que um dia você acordasse e visse que cometeu o pior erro do mundo ao ter trocado o Kile.

Olho para ela e a observo por um instante.

- Você tem três filhos lindos, tem um marido que aparentemente te ama, é rica e tem tudo o que deseja. Mas tem um único defeito, você tem inveja do pouco que o Kile tem, tem inveja de ver outra mulher fazendo-o feliz. - Olho para o lado e suspiro. - Como você gosta de sempre me lembrar, eu sou uma pirralha sim, porém sei dar valor às coisas importantes da vida, e não ao dinheiro.

Afasto-me da pia da cozinha e olho para ela antes de sair de lá.

- Eu não te odeio Izzy, só não vou ficar sendo esculachada e não revidar.


Então termino de falar e saio da cozinha, sigo para a sala e vejo todos ainda conversando e brincando, dou um sorriso fraco para a Sylvia que acena para mim. Passo direto em direção às escadas e quando estou no meio dela ouço a voz do Kile me chamando.

- Clary, está tudo bem?

Ele vem até a mim e beija a minha testa, fecho os meus olhos e suspiro.

- Eu estou bem sim, só estou com um pouco de sono.

Ele me observa por um estante e sorri.

- Então está com sono? Poxa, tinha planos para daqui a pouco...
- Que planos? - Sorrio.

Ele chega mais perto de mim e me puxa pela a cintura.

- Você sabe muito bem quais são...

Kile me puxa e me dá um beijo, em seguida pede permissão para a sua língua entrar em minha boca, eu aceito e me deixo ser explorada por um beijo exigente. Minhas mãos deslizam por seus braços, ombros até o seu pescoço e permanece lá, enquanto retribuo o beijo, ele morde o meu lábio inferior e puxa com delicadeza, com uma mão em meu pescoço e a outra na cintura.

- Se for o que eu estou pensando, eu adoraria fazer agora. - Sussurro lhe dando um selinho.

- Hum, que ótimo, pois eu tive essa mesma ideia. - Ele sorrir para mim e de surpresa me pega no colo.
- Kile, não... ai meu Deus, eu sou pesada . - Digo sorrindo.
- Não é nada, você é leve - Diz ele terminado de subir as escadas e indo para o quarto.
- Olha, está me enganando logo agora, que feio, hein senhor Kile Neves?

Kile sorri e entra no nosso quarto me colocando na cama e ficando em cima de mim .

- Eu não estou te enganado, é apenas a verdade. Você é leve, linda, gostosa, maravilhosa...
- Kile? - O interrompo.
- Oi? - Responde ele me olhando.
- Cala logo a boca e me beija. - Ele sorri e abaixa a alça do meu vestido.
-Seu pedido é uma ordem. - Diz ele me beijando.


*****

Kile

Estava tudo dando errado para mim, o dia completamente havia começado com o pé esquerdo, ou talvez eu que tenha começado com o pé esquerdo. Na noite passada eu havia recebido vários e-mails para analisar alguns livros antes de finalizar os contratos com os autores, e mesmo eu querendo muito eu sabia que isso não daria para resolver tudo dentro de casa, precisaria ir à pequena filial da empresa que ficava no centro do Rio de janeiro, na Avenida Rio Branco.
Só de eu acordar de manhã e ter que deixar Clary na cama já me apertava o coração, nós tínhamos combinado de ir a lojas de criança para começarmos a comprar o enxoval do bebê.
Saí do banheiro vestindo um terno com o corte americano azul marinho, um pouco mais solto que eu costumo usar, que é o italiano, uma blusa azul mais clara e uma gravata quase marrom de cetim. Enquanto estava lutando com ela em frente ao espelho, vejo Clary se espreguiçando na cama apenas com a coberta branca escondendo o seu corpo nu.

- Vai sair? - Pergunta ela coçando os olhos e se encolhendo na cama. Dou um pequeno suspiro e continuo a por a gravata.
-Eu vou, tenho que ir a uma filial carioca da editora Fray. - Sussurro terminando de vestir a gravata, vou até ela é lhe dou um beijo na testa.
-Tenho que ir agora, prometo chegar cedo para nós podermos sair à noite. - Digo pegando o paletó e a pasta.
-Hum, ok. -Sussurra Clary, apenas me observando.

A olho e sorrio, vou em sua direção e lhe dou um beijo casto, puxo o seu lábio inferior e sussurro:
- Você nem sabe o quanto é difícil para mim, te deixar na minha cama nua.
- É só não ir e ficar aqui comigo. - sussurra ela em resposta. Volto a tomar a sua boca exigindo mais dela.
- Eu adoraria ficar aqui, mas não posso. - Dou um selinho e me afasto.
- Prometa que não vai sair sozinha? Ok? - Ela me olha e suspira.
- Por quê? Eu pego um táxi, tenho certeza que não irei me perder. - Olho para ela e suspiro.
- Não, fique em casa segura - Digo sério. - Agora tenho que ir, até mais tarde.

Vejo-a desviar o olhar e cruzar os braços revirando os olhos, sorrio e saio do quarto indo para o meu dia infernal.

*****

Clary

Eu já tinha a certeza que não passaria o dia inteiro em casa, vejo que todos saíram então resolvo a arrumar a casa. Arrumo a casa toda menos os lugares que eram os quartos da família, apenas o do Kile, tomo um banho, visto uma roupa leve e resolvo sair com o Hans um pouco pela a vizinhança. Antes de sair deixo na cama um bilhete, avisando ao Kile que tinha ido dar uma volta com o Hans pela trilha.
O lugar era maravilhoso, caminho devagar levando o Hans na coleira, por uma trilha que ficava logo atrás da casa da família do Kile. Hans parece conhecer muito bem o lugar, então relaxo e decido deixar o Hans me levar até a onde ele quiser. Aproveito e o solto da coleira e sigo-o.

- Só não corre muito Hans. - Grito o seguindo logo atrás.

Algum tempo depois andando com ele, acabo me distraindo e quando vejo o Hans não estava mais em nenhum lugar.

-Hans! Hans... Cadê você?

Berro olhando em volta, ouço um barulho de trovão e quando olho para o céu vejo que o tempo havia fechado e já tinha começado a chover, porém as árvores estavam impedido a chuva de cair em mim.

-Droga Hans, logo agora? - Suspiro voltando a berrar o nome do cachorro e nada dele aparecer.

Começo a andar a procura dele, enquanto a chuva caia acabando com a trilha e deixando o local mais escorregadio. A mata estava ficando escura por causa do tempo fechado, e o calor que eu estava sentindo antes, agora estava dando lugar ao frio que começava a chegar pegando logo pela espinha.
Fecho os meus olhos já ficando preocupada com o Hans e volto a berrar o seu nome ainda caminhando pela a lama, olho ao redor e percebo que não é apenas o Hans que estava perdido, agora eu também estava.

*****

Kile

Olho no relógio da parede e tomo um susto quando vejo que já são quase sete horas da noite, recolho os papéis espalhados sobre uma mesa improvisada na editora, e saio correndo desesperado indo em direção ao meu carro. Estava muito atrasado, era capaz de nem dar tempo de eu tomar uma ducha e vestir outra roupa mais confortável. Pego o meu celular no meio do trânsito parado e ligo para a Clary e nada dela atender, volto a ligar uma, três, cinco, dez vezes e nada dela atender.

- Droga, porque não atende? - Suspiro e volto a dirigir.

Chego a casa, saindo do carro nem ligando para o temporal que caía e quando entro vejo minha mãe e meu pai assistindo televisão e Stephanie sentada no chão fazendo as unhas.

-Boa noite... - Digo apressado subindo as escadas.
-Cadê a Clary? - Pergunta o meu pai, desviando o olhar da TV olhando para mim. -Eu não a vi o dia inteiro.

Para no meio das escadas e desço os degraus, indo até ele.

-Como assim? Ela não falou nada que iria sair, eu pedi a ela para ficar em casa.

Vejo a minha irmã ao meu lado, ela suspira e põe a mão na cintura.

-Você estava a onde? -Pergunta minha mãe, já desligando a TV.
-Eu tive que resolver alguns problemas na filial da editora. -Vou até a janela e suspiro. - Para onde a Clary foi? Está chovendo muito, porque ela ainda não voltou?
-Calma Kile, ela pode ter saído com o Hans, pois a corrente dele não está na cozinha e então ela parou em uma marquise para esperar a chuva passar. - Diz minha mãe indo até o meu lado e colocando a mão em meu braço.

*****

Fiquei olhando para aquela janela por malditas três horas esperando ela voltar e nada dela, até que eu resolvo mesmo minha família achando aquilo um grande exagero, ligar para a polícia. E foi pior ainda, pois nem eu e nem a polícia sabíamos onde ela estava eu estava mais que preocupado, já estava muito angustiado.
Ligava para ela e nada dela atender, sempre caía na maldita da porra da caixa postal. Já estava no momento de não conseguir ficar parado, e a minha única opção era de ficar andando de um lado para o outro igual uma barata tonta.

*****

Clary

O frio que antes atingia apenas a minha espinha, agora me atingia por inteiro, meus dentes tremiam e o meu corpo já estava mais que arrepiado. Estava com fome e cansada, meus pés doendo e já estava sem voz por ficar gritando pelo o Hans e até agora nada dele.

- Meu Deus, se acontecer alguma coisa com esse cachorro eu não vou me perdoar. - Sussurro parada perto de uma grande árvore que impedia bastante a chuva de cair em cima de mim.

Tento enxergar alguma coisa e não consigo ver nada, fecho os meus olhos não querendo chorar e os abro novamente quando ouço um pequeno barulho, me encolho mais ainda para perto da árvore e sussurro as palavras que eu sempre sussurrei quando estava com muito medo.

- Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem...



*****

Kile

Já havia amanhecido e ninguém tinha encontrado a Clary, de madrugada eu, Jacob, Henry e Pierre saímos de carro em busca da Clary ou alguma dica sobre a onde ela possa ter ido com o Hans. E para me deixar mais preocupado ainda, o temporal não parava nem por um instante, eu não conseguia fazer nada ao não ser procurar a Clary, e quando um dos meninos ligavam para mim dizendo que não tinha achado nada, eu esmurrava o volante nem me importando com a dor.
Agora estou eu aqui sentado, tentando ligar para a Clary, mas acontece a mesma coisa de antes, a maldita voz dizendo para deixar um recado.
Eu não queria um recado, eu queria estar agora abraçando e brigando com a Clary ao mesmo tempo, eu queria ter a certeza que ela estava bem e não em algum lugar, perdida, sentindo frio... Eu não consigo nem pensar em outras coisas que podem ter acontecido com ela.
Vejo a minha mãe por um prato de bolo em minha frente e uma caneca grande de café, ela beija o topo da minha cabeça e suspira, não querendo mostrar que estava tão preocupada quanto eu. Para ter noção, toda a família que conheceu a Clary e até vizinhos estavam em minha casa, minha cabeça estava explodido de dor de cabeça, eu estava exausto, mas tinha prometido para mim mesmo que só descansaria quando a Clary estivesse ao meu lado.

-Kile, vai descansar um pouco... Meu pai e os outros meninos saíram em busca da Clary novamente. - Diz Stephanie, colocando a mão no meu braço.
-Eu não vou sair daqui, eu preciso encontrá-la. Já faz muito tempo que ela não dá notícias. - Passo a mão no meu cabelo mais que bagunçado.

Sinto a Stephanie me abraçando forte e eu retribuo fechando os olhos com força, sinto algo no peito e aperto mais os meus olhos para afastar todos os pensamentos ruins.

*****

Clary

Eu não consegui dormir, além de estar muito frio, eu toda hora ouvia barulhos e também a chuva não parava de cair. Assim que amanheceu eu sai de baixo da árvore e mesmo caindo uma chuva considerável, volto a procurar o Hans, pois ele é a minha responsabilidade.

- Hans... Hans... - Grito o mais alto que a minha rouquidão me permite.

Volto a andar até que ouço um latido ao longe, olho em direção da onde eu ouvi o latido e percebo que veio da direção de um pequeno rio. Corro com dificuldade em sua direção e tomo um susto ao ver que o pequeno rio de antes agora estava muito alto e com a correnteza forte demais, vejo uma figura toda suja de lama com um pouco de amarelo.
Sorrio e corro até a beirada do rio, vejo o quão alto está e percebo que o Hans não iria conseguir atravessar aquilo.

-Calma Hans, eu vou te tirar daí.

Com dificuldade entro no rio caminhando devagar por causa da correnteza, quase escorrego duas vezes, a água estava mais fria do que se estivesse em um congelador. Atravesso o rio e logo caio na beira do mesmo, sento respirando ofegante e logo sou recepcionada por várias lambidas do Hans, passo a mão nele e vejo que a sua pata traseira estava machucada .

-Oh Hans, o que aconteceu aqui hein? - Pergunto preocupada, abraço ele e beijo sua cabeça.

Penso em como eu vou atravessar com Hans até o outro lado. Minha barriga ao invés de parecer mais leve por conta da água, parecia mais pesada. Devido ao cansaço e estresse e eu sabia que meus braços não seriam fortes o suficiente para carregar Hans e impedir que a correnteza nos levasse.

- O que eu vou fazer? -murmurei sentindo a água fria sobre meu corpo, me impedindo de pensar direito.

Estava realmente muito frio.
Antes de eu perceber, já tinha começado a me movimentar pra frente. Imediatamente sinto a força da correnteza me impulsionar pra frente, fico me perguntando como é que esse cachorro veio parar aqui desse lado.
Já estava no meio do rio, quando piso em falso. O chão a minha frente era mais fundo, eu não havia vindo por esse lado?
Sinto a água me impulsionar pra baixo e tento não engolir água.

- Droga, Hans. - eu digo desesperada.

Eu não iria deixar o cachorro.
Forcei-me a ir pra frente, continuei caminhando. Quando sinto o chão se erguer novamente, impulsionei Hans pra cima. Sabendo que não iria ter forças para erguer nós dois para a terra.
Impulsionei mais uma vez, sentindo pressão em minha barriga e de repente Hans não estava mais meus braços, e sim em terra firme.
Sorri e abaixei a guarda, relaxando, me sentindo aliviada por Hans estar bem.
Foi quando senti meu corpo ir para o lado, junto com a correnteza. Eu já não tinha tanta força, e havia abaixado a guarda.
Fiz força com as pernas, obrigando-as a ficarem prostradas na terra.
Mas era inútil, meu corpo não obedecia e eu não tinha mais forças. E eu me vi seguindo o fluxo, junto com a correnteza.
Hans imediatamente começou a me acompanhar, em terra firme.
Percebi que seu latido me mantinha acordada. O torpor e o frio eram tão grandes que eu vi que tinha desistido. Tentei me agarrar aos galhos, sem sucesso. Até que passei por um grande tronco ao qual eu me agarrei.
Segurei-me nele, me sentindo extremamente fraca. Sabia que iria largar a qualquer momento. Com todas as forças que me restavam, me impulsionei pra cima, sentindo a aspereza da terra em meus braços.
Fui me arrastando até ficar consideravelmente longe do rio, de repente sinto tudo arder. Meus joelhos sangravam muito devo ter ralado nas pedras. Meus braços além de exaustos estavam arranhados, mas de uma cor estranha, quase marrom. Minha testa latejava e minha barriga também.
Murmurei tentando acalmar minha respiração, tentando fazer meu pânico diminuir. Hans começou a latir e eu percebi que quase havia dormido, pelo menos ele estava do outro lado.
Ele começou a latir incessantemente, e eu sabia que era com o intuito de eu não dormir. Porém foi inevitável não ser vencida pelo cansaço e frio.

ALUGA - SE UMA NOIVA (EM REVISÃO DISPONÍVEL PARA LEITURA ATÉ 30/10)Onde histórias criam vida. Descubra agora