Capítulo 03 - Quer fogo?

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O salão estava lotado de pessoas, uns dançavam, outros bebiam, outros paqueravam, outros beijavam, outros brigavam... Uma multidão de gente que eu nem sabia de onde vieram. 

Alguns deles me conheciam? Talvez, mas eles eram borrões em minha cabeça, borrões que sorriam e curtiam uma noitada, comemorando o retorno da reabilitação de uma desconhecida. Ótimo. Alguns se perguntariam como ela está realmente? Como ela se sente quando volta para o mundo real?

Aquilo era realmente ridículo. Não tinha fundamento nenhum eu estar naquela festa comemorando o meu retorno. Sendo o que eu mais queria era ficar sozinha, em um lugar do qual eu pudesse me defender de tudo. A borboleta só queria voltar para o seu casulo.

Viver fora do casulo requer alguns sacrifícios, pois quando vivemos enjaulada por um tempo, temos uma certa saudade das coisas que vivemos, as lembranças da vida do mundo real aparecem sempre, mas elas iam embora como uma maré de ondas rasas, pois nada poderia ser feito e nem sentido, mas aqui, fora do casulo, me sentia totalmente vulnerável, pois tudo estava ao meu alcance, as lembranças podiam ser vividas e revividas novamente.

— Laura, vou dar uma volta. — disse para minha irmã que estava gritando com o segurança da festa por ele ter permitido a entrada de alguns adolescentes menores de idade.

Acredito que ela não havia me escutado, mas mesmo assim sai dali. 

Me esbarrei com várias pessoas, muitos só me olhavam e alguns poucos me cumprimentavam, vi alguns conhecidos dos quais costumava chamar de amigos, eles me olhavam com aquela cara de piedade e me abraçaram e perguntaram como eu estava, a resposta era sempre a mesma "Bem, obrigada" era tudo o que eu conseguia dizer.

Depois de fugir daquela maré de pessoas, fui parar na área de fumantes, havia poucos fumantes ali, por um lado isso era bom. Essa área era um corredor pouco iluminado de paredes vermelhas, com vários bancos grudados na mesma e com cinzeiros embutidos. 

Sentei em um dos bancos mais afastados e mexi em minha jaqueta preta cheia de bolsos, eu sempre deixava uma carteira de cigarros ali, bons tempos aqueles, que por minha sorte havia acabado de encontrar um cigarro. 

Não deveria fumar, mas não iria, só queria relembrar os momentos. Peguei o cigarro e coloquei na boca, sem acendê-lo até porque não tinha nenhum isqueiro, era sempre Bernardo que trazia o fogo e eu, o cigarro.

Sentada ali naquele local pude voltar no tempo, lembro de Bernardo sorrindo com uma bebida colorida na mão e um cigarro acesso nos lábios, seus olhos azuis sempre buscavam os meus olhos castanhos, estávamos a poucos metros de distância um do outro, ele encostado no bar e eu dançando com as minhas antigas amigas, era difícil parar de olhá-lo, ele era atraente e havia me deixado hipnotizada. 

Pude sentir naquele dia uma vontade irresistível de arrancar aquele cigarro de seus lábios, jogar em algum lugar qualquer e beijar aquela boca que parecia tão macia e gostosa. E foi exatamente o que eu fiz. Eu havia bebido tanto naquele dia, que estava fora de mim, cheguei nele e fiz exatamente o que planejei e fui totalmente correspondida.

O beijo estava ótimo e eu não queria que acabasse tão cedo, mas assim que parei de beijá-lo senti uma tontura intensa e muita vontade de vomitar, tive que desviar o meu olhar daquela imensidão azul e correr para o banheiro e botar tudo para fora. 

Fiquei com muito ódio de mim mesma. Queria arrancar meus cabelos, me estapear ou até mesmo bater a minha cabeça na parede, afinal ele iria me achar uma idiota. 

Assim que sai do banheiro, toda acabada, para a minha surpresa e felicidade, ele estava lá me esperando sorridente, com uma garrafa de água na mão e sua bebida colorida na outra, ele estendeu a água para mim e perguntou "Foi tão ruim assim?"

InconstanteOnde histórias criam vida. Descubra agora