9. Palavras tem peso

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Estava inconsciente do lado do bebedouro, me levantei até que pudesse raciocionar o que poderia estar acontecendo.

Enquanto bebia água, percebi que aquele elevador no qual Lucca me jogou, me trouxe para o andar de baixo sem mais nem menos.

Decidi andar pela escola para ver o que estava acontecendo e depois descobriria o mistério do elevador.

Conforme andava ouvia um som, não sabia de onde vinha e quando cheguei no pátio, o barulho todo vinha da quadra. Ouvi passos, mas não me importei com isso.

Segundos depois, sinto a mão de alguém contorcer meu braço lentamente e quanto mais lento era, mais dor e agonia eu sentia, pude sentir meus ossos estralando e cada parte do meu corpo se condenando a essa dor. Tento me mover, mas a dor fica cada vez maior, era como se a cada segundo que eu me movesse, meu corpo sangrasse e eu sentisse o sangue escorrendo e me deixando mais fraca com a dor da ferida.

Senti a mão que me segurava, repousar a outra mão em meu rosto e virá-lo grosseiramente forte contra seu corpo. Era um homem, era alto e eu só conseguia ver sua camiseta, pois meu rosto estava sendo pressionado contra seu peito. 

- Se você fizer alguma coisa, vai se machucar também! - disse um garoto pardo de cabelos cor de mel e olhos escuros com o tom de voz mais gentil que qualquer pessoa poderia dizer. 

- Eu não sei o que fazer! - minhas mãos tremiam ao olhar para ele.

Ele me soltou de seu braços e deslizou os dedos levemente em meu rosto.

- Pense! Palavras tem mais peso que qualquer outra coisa. - ele disse com segurança nas palavras. - Apenas pense! - ele terminou. 

Não sabia exatamente o que eu poderia encontrar. Sentia meu corpo gelado, como nunca havia sentido antes, minhas mãos suavam e meus pensamentos já estavam absolutamente confusos depois disso. 

Olhei novamente para o garoto e ele olhava para mim, sorrindo com os olhos e os lábios. 

- Sou o Ryan... - ele disse ainda sorrindo. Não sei ao certo se eu iria dizer meu nome. Aliás, era um garoto qualquer. - E eu sei quem você é. - ele finalizou. 

"Palavras tem mais peso que qualquer outra coisa" essas eram as únicas palavras que se repetiam na minha cabeça.

Olhei para frente e eu só via o pátio escuro sem nenhum ponto de luz. Ouvi vozes e vi fumaças vindo da quadra. Comecei a andar em passos curtos e cautelosos até lá. Parei em frente a umas mesas que haviam no pátio para que ninguém me visse. Observei por um curto período e percebi que lá estavam todos meus professores, em uma roda, e no centro da roda havia alguma coisa, na qual eu não conseguia ver de longe. Felizmente, miopia é para poucos.

Ouvi sons vindo em direção a escada e os portões do colégio estavam abertos. Pude ver que no final do corredor, havia alunos vindo para o pátio, outros descendo. De repente, a frase que Ryan me disse se repetiu na minha cabeça novamente. 

Não consegui evitar e comecei a correr até o final do corredor, em direção a um dos portões e vi meus amigos caminhando até o pátio. 

Vi Kylie rindo ao lado de Matthew. 

Matthew era um dos amigos que eu considerava um irmão. Mas naquele momento, ele não parecia em seu estado normal.

- Tomem cuidado!!!! - eu disse, mas parecia que minha voz falhava e que não conseguia falar alto suficiente para que eles escutassem. Era como se eu estivesse vendo eles viverem aquilo e eles não pudessem me ver. 

Todo mundo estava agindo normalmente e eu só conseguia pensar no que poderia acontecer daqui a uns minutos.

Comecei a andar em direção à quadra. Senti alguém respirar atrás de mim. Esperei. É como se eu soubesse todos os atos da pessoa que estava atrás de mim. Eu era capaz de sentir cada movimento. 

- Não se esqueça das minhas palavras! - Ryan disse com a voz serena.

- "Palavras tem mais peso que qualquer outra coisa" - repeti a frase para ele. Ryan me lembrava alguém e sim, isso é loucura. 

Veio uma imagem da Alexandra na minha mente. Balancei a cabeça para que isso sumisse, pois ela desapareceu, não faria sentido pensar no paradeiro dela. Pelo menos, ainda não. 

Permaneci no local em que estava, completamente parada observando a quadra. Sentindo o vento balançar alguns fios de cabelo. 

Percebi uma movimentação na quadra. Abriram a roda e a minha professora de Biologia,  Eva, entrou no meio, parecia ter ingerido algo e a roda se abriu novamente e fecharam o círculo. Só que dessa vez, a roda se fechou e todos se direcionaram para observar a professora Eva, todos os olhares iam em direção à ela. 

Foi um delírio. Todos os alunos permaneceram no pátio, muita movimentação, mas não havia ninguém próximo da quadra. Como ninguém percebeu o que estava acontecendo? Ah, qual é!!! Só pode ser coisa da minha cabeça. Eu vendo tudo. Ninguém me escuta. Todos agem normalmente. Minha professora de Biologia tá chapada. E agora?!

Olhei ao redor, tentei falar, mas não sabia nenhuma sílaba se quer da minha boca.

A professora Eva caminhou em direção ao pátio, estava seguindo apenas uma linha reta e se aproximando de Matthew. 

Eva parou ao lado de Matt. Em questão de segundos, todos os movimentos que ele fazia desapareceram. Não era capaz de usar as mãos enquanto ela estava ali. Foi automático.

- Ou você, ou a Emma! - só ouvi essas palavras serem ditas por Eva. 

Eva estendeu a mão dando um canivete para Matthew. 

Ele já parecia saber o que estava havendo e o que ele deveria fazer.

Matthew andou em passos curtos até Emma que estava a uma mesa atrás dele. Parou na frente dela. Olhou nos olhos. Pegou o canivete e cortou lentamente sua língua ao meio. Quando eu achava que ele ia terminar, ele continuava. O sangue parecia transbordar a cada corte. Os cortes não eram grossos. O canivete deslizava por sua língua e a cada passada, mais sangue, mais cortes. 

Emma estava apavorada. Ela queria gritar, mas não conseguia. Estava paralisada. Qualquer gesto que ela fizesse, era capaz de que Matthew se machucasse ainda mais. 

Matthew tirou o canivete da língua, deslizou na camiseta para limpá-lo. Voltou a colocá-lo na língua e perfurou no meio lentamente, com firmeza e muito profundo. 

O canivete foi solto das mãos de Matthew. Pude ouvir o barulho dele escorregando pelo chão e as gotas de sangue da boca dele respingarem na frente de Emma. 

Eva virou de costas e voltou para a quadra. 

Matthew passou a manga de sua blusa nos lábios. Engoliu um pouco de sangue para que conseguisse falar. 

- Eu prefiro me machucar... - limpava a boca a cada palavra. - Do que machucar a pessoa que eu amo. - ele disse lentamente olhando para Emma. 

- Ele é capaz de sentir toda dor do mundo por ela. - Ryan surgiu do meu lado dizendo isso. 

- Somos capazes de tudo para não ver quem amamos sofrer. - respondi com o tom de voz leve. 

Ryan me olhou nos olhos, deu um passo na minha direção. Ficamos frente à frente. Ele aproximou os lábios dos meus. Senti meu corpo tremer. Ele começou a acariciar meu rosto deslizando o dedo no meu queixo. 

- "Palavras tem mais peso que qualquer outra coisa" - ele finalizou. 

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⏰ Última atualização: Mar 03, 2016 ⏰

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