Todos recrutados

45 10 5
                                    

Anna brincava com suas bonecas, na sala, calmamente como se a alguns quilômetros de nossa casa não estivesse ocorrendo uma guerra, admiro como as crianças são tão frágeis e tão fortes ao mesmo tempo. Ela chorou muito quando papai teve que partir para a fronteira mas agora evita perguntar para a mamãe sobre ele, Anna sabe que mamãe esta sofrendo muito e por isso não toca no assunto com ela.
O meu "presente" de aniversário de 15 anos foi a carta de recrutamento de papai, chegou na manhã, e o que era para ser um dia feliz para mim simplesmente passou a ser o pior de todos, parecia que não poderia ficar pior, mas me lembrei do David, meu melhor amigo,  e sabia que ele também havia sido recrutado por ser alguns anos mais velho que eu. Mesmo estando completamente arrasado ele foi em minha casa com um enorme sorriso no rosto entregar o presente que ele comprara pra mim.
-Por favor, odeio te ver chorar, Megan- ele me agarrou em um abraço apertado, me sentia segura quando ele estava meu lado- Sorria, hoje você faz 15anos. Tenho um presente para você- David me entregou uma caixinha e eu a abri.
-David -era uma gargantilha- Tem um pingente de peça de quebra-cabeça, você sabe como amo quebra-cabeças, é tão linda. Obrigada- entreguei a gargantilha para David colocá-la em meu pescoço. 
Antes dele ir para sua casa me deu um beijo na testa e disse pra ser forte aqui que ele também seria lá, oque eu faria se ele não voltasse da fronteira? 
Os dias pós o recrutamento passaram extremamente rápido, todos tentamos aproveitar o máximo, evitando tocar no assunto, deixei meus quebra-cabeças de lado para aproveitar o tempo com papai e David.
Quando o dia deles irem chegou foi muito dificil me despedir, estava um caos no local, mulheres e filhos chorando pela perda de seus pais e seus irmãos, ser recrutado não significa morrer mas quase isso. Meu esforço foi grande para não chorar na frente deles. 
-Filha, cuide da sua irmã e principalmente da sua mãe, ela não é tão forte quanto parece. E caso ocorra algo comigo saiba que sempre estarei com vocês. Te amo.
-Também te amo, papai. -e como um último adeus papai me abraçou.
Quando me dirigi à David vi sua mãe aos prantos do lado do marido, iriam os dois, pai e filho, a pobre Allison ficaria sozinha durante muito tempo. Queria poder conforta-la.
-Você vai voltar né? -sabia que todas as lágrimas que eu segurava iriam acabar descendo no momento em que eles subissem no ônibus.
-Claro que vou Meg- ele segurava firme minhas mãos e eu não queria que as soltasse -Vou voltar sem nem um arranhão você vai ver. -David largou minhas mãos e me prendeu num abraço- Eu te amo, Meg, não se esqueça disso.
-Não vou me esquecer, jamais.
Ficamos naquele abraço durante um longo tempo até o momento em que uma sirene nos interrompeu. Quando nos afastamos nossas gargantilhas se enroscaram, rimos, e notei que seu pingente também era uma peça de quebra-cabeças.
-Quando estiver lá, em meio ao caos, olhe para esse pingente e lembre-se de mim, lembre-se de voltar para casa, vivo.
-É para isso que eu o tenho- nesse momento ele me surpreendeu selando nossos lábios em um leve beijo.-Te amo Mag- estas foram suas últimas palavras antes de entrar no ônibus.
Minha cabeça ficou confusa, alegre e triste ao mesmo tempo. Lágrimas desceram de meu rosto, foi um choro que não consegui controlar, sentei naquele chão e fiquei ali por um bom tempo, o ônibus se foi, as pessoas voltavam para suas casas, tristes e inconsolaveis, falei para mamãe que eu ficaria mais um tempo ali e ela foi para casa com Anna, eu ainda olhava para a estrada que o ônibus partira, desejava que isso tudo não passasse de um sonho ruim, mas sabia que não era.
Quando voltei para casa notei que mamãe não estava na cozinha preparando o jantar eu não estava com tanta fome porém alguém tinha que cuidar de Anna. Passei dias preparando a comida, cuidando de Anna, tentando fazer com que mamãe voltasse ao normal, fazendo as compras, até que finalmente ela voltou para a realidade e decidiu pensar que papai voltaria para casa com vida, os filmes com finais felizes a motivavam e ver a Anne tão tranquila a deixava esperançosa.
-Quer brincar comigo Mag? -perguntou Anna me despertando dos meus pensamentos.
-Porque não? -ela sorriu.
Peguei uma de suas bonecas e comecei a fazer trancinhas em seu cabelo.
-Posso te perguntar uma coisa?-disse a Anna num tom suave e tímido.
-Claro que pode.
-Você e o D eram namorados? -quando ela falou isso eu lhe dei um leve empurrão.
-Claro que não -disse em meio à risos- Porque está perguntando isso?
-Nada, gosto dele, vocês pareciam tão fofos juntos. Ele deve ser um bom amigo.
-É sim Anna. É sim.
***
No dia seguinte acordei cedo, eu iria visitar uma pessoa muito importante, a mãe do D, ela deve estar muito só depois que o filho e o marido foram para a fronteira, Allisson sempre foi uma mulher alegre e comunicativa mas desde que os ônibus partiram não a vejo.
-Megan? Entre querida. -Os olhos de Allisson estavam tristes mas demonstrou um sorriso ao me ver. -Sente-se. -sentei-me no sofá e ela logo ao meu lado.
-A senhora deve sentir tanta falta dos garotos -peguei sua mão e alisei para tentar reconforta-lá.
-Muita, querida. Você foi a primeira pessoa a me visitar, obrigada.-A Allisson deveria estar realmente solitária, nem um de seus amigos veio falar com ela. -Eu estava pensando em fazer uma torta, mas não tinha ninguém para me ajudar a comer, oque você acha de irmos para a cozinha por a mão na massa?
-A senhora sabe como eu amo suas tortas, é impossível recusar.
Depois disso passei a frequentar a casa da Allisson diariamente, sempre a ajudava na cozinha ou na arrumação da casa, ela é como uma melhor amiga para mim, sabemos oque estamos passando sem nossos homens e nos reconfortamos uma na outra, nem parece que ela é mais velha do que eu, a impressão que tenho é que somos velhas amigas de infância.
-Meg, atende o telefone por favor? -deixo o garfo e meu prato com bolo na mesa e vou atender o telefone.
A Allisson é uma cozinheira de mão cheia, para não "fugimos da dieta" só preparamos doces nos finais de semana, mas são maravilhosos.
-Alô?
-Mamãe? -meu coração bate forte, é a inconfundível voz do David no outro lado da linha.
-D é você?! -meu grito assusta a mãe dele que logo está ao meu lado fazendo perguntas.
- Meg?! Estou com tantas saudades, tanta coisa acontece por aqui, as vezes tenho tanto medo. Uso o pingente para lembrar de você e saber que tenho que viver para a gente poder se casar quando eu chegar.-sorrio do que ele diz. Mas antes de responder entrego o telefone à Allison que estava angustiada para escutar o filho.
Antes que eu possa falar com ele novamente seu tempo se esgota, e pela segunda vez não posso dizer que o amo, que sinto sua falta e que o quero aqui do meu lado. Mas acho que ele já deve saber disso.
Alisson me abraça.
-Querida, estou com tantas saudades dos meu meninos.- ela se afasta e vejo seus olhos marejados, quase chorando- Ele disse que será dificil telefonar novamente, que não está sendo nada fácil estar lá, mas que pelo menos estão sendo treinados para não morrerem tão cedo, D falou que os mais fracos vão primeiro para zona de guerra porque não vão viver muito, o David deve esta sendo forte não é mesmo?!
-Ele sempre foi forte, Alisson, não vai ser agora que vai fraquejar. O D vai voltar são e salvo para casa, essa guerra vai acabar logo, o governo quer uma pausa, eles não podem matar tanta gente assim.
-Seria tão bom se palavras pudessem mudar o mundo. 
...

Borboletta: Caminho Para A VerdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora