A brecha

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   A aula finalmente acabou. Olho para a Aurora, e ela se apressa em sair da sala, deixando somente o som dos seus delicados passos no ar. Arrumo as minhas coisas sem pressa e me dirijo para a saída. Passo pela a porta e logo vejo a Aurora falando com seu pai, dou um grande suspiro e vou para a minha cabine. Chegando na minha cabine encontro o meu irmão, Calum. Ele tem treze anos, nós partilhamos a cabine. Nós não sabemos quem são nossos pais. Na verdade não sabemos de onde viemos, só temos memória desde o dia que chegamos aqui. Ponho as minhas coisas ao lado da secretária e me dirijo até o beliche, dizendo:

  - E aí pirralho?

    Ele não me responde, nem com um simples olhar...

  - O que foi Calum?- Insisto eu começando a ficar preocupado.

  - Não é nada!- Diz ele de cabeça baixa com a voz um pouco rouca.

  - Pode falar, você sabe que pode confiar em mim!

  - É que hoje na escola, um garoto falou que eu sou doido e me bateu...

  - Porque ele te chamou de doido?- Disse eu já sentado na parte de baixo da beliche.- E pior. Porque ele te bateu?

  - Porque eu estava passando junto a parede do setor 2 e ouvi um barulho, tipo de água caindo, daí eu fui atrás para ver de onde vinha o som e quando cheguei lá tinha uma brechinha na parede. Era muito funda, porém saía som de lá e tentei ver o que tinha no fundo. Quando pus o rosto perto da brechinha para investigar senti uma leve brisa, e foi quando ele chegou.

  - Quem é esse garoto?- Pergunto eu um pouco irritado- Quem é Calum?

  - É o Charlie...

   Charlie é um garoto de classe alta. Assim como a Aurora, ele também é filho de um dos líderes, o pai dele é Robert Scott, líder da caverna 3B15. Robert é um homem muito avarento. Fico triste pelo Calum, pois não posso fazer nada, porque se eu fosse conversar com o Charlie, ele contaria para o pai dele e separava o Calum de mim e eu não iria suportar ficar sem ele. Chego perto do Calum e lhe dou um abraço para o confortar, ele parece gostar. A brecha de que ele falou me deixou curioso, pergunto a ele aonde foi que ele achou a "brechinha", ele diz que foi na caverna  1B13 no setor 2 na área de irrigação. O setor 2 é um setor da agricultura, Calum estava em uma visita de estudo quando a encontrou.

   Já eram 20:47, faltavam treze minutos para o toque de recolher. É estreitamente proibido andar pelas cavernas, pois depois dessa hora, quem for apanhado sofre as consequências, dependendo da razão pela qual a pessoa saiu depois do toque. Há cerca de 30 anos Mathew Gordon , um rapaz que era da minha idade agora, foi apanhado e nunca mais foi visto, dizem que ele foi expulso das cavernas e deixado para morrer na radiação, mas isso é o que as professoras contam para as crianças, assim elas não se atrevem a sair depois do toque. Olho para o Calum vejo que ele já está em um sono profundo e resolvo ir ver a tal brecha. Espero cinco minutos depois do toque, que é o tempo que os guardas demoram a verificar se todas as pessoas já estão dormindo. Assim que os dois guardas saem, eu me apresso a sair da cama deixando duas almofadas debaixo do meu cobertor, para que os guardas não deem pela minha falta na inspeção das 22:00. Tenho exatamente cinquenta e cinco minutos para ir ver a tal brecha e voltar em segurança sem ser pego para a cabine.

   Corro o mais silenciosamente que posso até a caverna 1B13,  assim que chego a entrada do setor, abro a conduta de ventilação para entrar sem ser visto. Chegando lá acendo a minha lanterna, que roubei  a um guarda que estava dormindo na hora da inspeção. As lanternas são ilegais por aqui, pois não precisamos de lanternas, apenas os guardas podem usa-las e são apenas para fazer as inspeções durante a noite. Entro na sala de irrigação e fico passando as mãos pela parede procurando a tal brecha que Calum falou, mas não encontrei nada. Saí o mais rápido que pude do setor 2, fechei a conduta de ventilação e volto correndo para a minha caverna. Na entrada fui surpreendido por um guarda. Ele me agarrou pelo braço e me algemou, usando uma arma de detenção em mim (uma arma que nos deixa inconscientes), apenas senti o meu corpo se desligando da minha mente.

   Acordo com um balde de água fria no rosto, que vai descendo pelo meu corpo deixando os meus sentidos mais apurados. Tenho uma luz muito forte em minha direção, não consigo ver nada para além de uma mesa e um homem sentado a minha frente. Logo ele começa a me interrogar:

  - O que fazia fora da cabine depois do toque?- Questionou ele.

  - Que horas são?- Perguntei eu.

   Ele me responde com um soco na cara, fazendo com que o meu lábio superior começasse a sangrar de imediato. Ele mais uma vez me pergunta:

  - O que fazia fora da cabine depois do toque?- Desta vez bem irritado.

  - Fiquei com sede e como já não tinha água no quarto fui procurar um guarda para pedi-la.- Disse eu ainda atordoado pelo soco.

  - Sim claro! Olha filho, eu não tenho muita paciência, ou você me diz o que estava verdadeiramente fazendo ou você nunca mais verá outro dia neste mundo!- Gritou ele com raiva, fazendo estremecer a mesa com um soco.

  Quando levantou a mão para me oferecer outro soco, ouvi passos apressados, parecidos com os passos de Aurora. Foi quando de repente uma porta foi aberta e entrou uma enorme quantidade de luz desmascarando o rosto do homem que me tinha dado o soco. Logo entrou uma pessoa na sala e gritou:

  - Pare! Ele foi se encontrar comigo!- Reconheci instantaneamente a voz. Era a Aurora.

 


 










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