9. PARAÍSO PERDIDO

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Adeus, felizes campos, onde mora
Nunca interrupta paz, júbilo eterno!
Salve, perene horror! Inferno, salve!
Recebe o novo rei cujo intelecto
Mudar não podem tempos, nem lugares; Nesse intelecto seu, todo ele existe.

Isso é o que Kay lê Patterson. Ela tem uma voz agradável para a leitura, tenho
que reconhecer, embora suspeite que debaixo seu polido exterior bate um coração de pura maldade. Ok, nem tão pura maldade. Porque Christian gostava dela, e ele não é idiota. Até Wendy diz que Kay não é tão má quando você a conhece melhor. Portanto, deve haver algo que eu não estou vendo.
Nesse intelecto seu, ele até pode. Do Inferno Céu fazer, do Céu Inferno — ela
continua.
— Ótimo, Kay — diz o Sr. Phibbs — Então o que você acha que isso significa?
As sobrancelhas imaculadamente depiladas de Kay se apertaram. — Meios?
— O que Satanás está dizendo aqui? Do que ele está falando?
Ela olha para ele, claramente aborrecida.
— Eu não sei. Eu não falo Inglês antigo, ou o que quer que seja isso.
Eu zombaria dela, mas não estou fazendo muito melhor. Ou qualquer coisa que
valha a pena, na verdade, quando se trata deste livro. O que não faz sentido. Eu deveria
ser capaz de falar e compreender qualquer idioma já falado sobre a Terra, então por
que estou tão perdida no Paraíso Perdido?
— Alguém? – o Sr. Phibbs olha em volta da sala.
Wendy levanta a mão.
— Eu acho que ele está falando sobre quão terrível é o inferno, mas para ele,é
melhor do que o céu, porque pelo menos no inferno, ele começa a ser livre. É a idéia de
que é ‘melhor reinar no inferno do que servir no céu'.
Assustador. Eu sempre me contorço toda vez que o tema dos anjos aparece em
qualquer conversa normal, e agora isso está acontecendo na aula de Inglês. Tenho
certeza que minha mãe não aprovaria este material de leitura.
Mas, novamente, ela provavelmente já sabe tudo sobre ele. Uma vez que ela sabe
tudo. E não me diz nada.
— Excelente, Wendy — elogia o Sr. Phibbs — Posso ver que você leu os
CliffsNotes
Wendy adquire um lindo tom rubro.
— Nenhum problema na leitura dos CliffsNotes, querida — diz o Sr. Phibbs
jovialmente.
— É obter uma segunda interpretação do texto. Mas é mais importante que você
lute com esses textos por conta própria. Sentir as palavras em suas entranhas, e não apenas ouvi-las em sua cabeça.

És tu, arcanjo herói! Mas em que abismo
Te puderam lançar! Como diferes
Do que eras lá da luz nos faustos reinos
Onde, sobre miríades brilhantes
Em posto tão subido fulguravas! — ele recita de memória.

— Belas palavras. Mas o que elas significam?
— Ele está falando sobre o anjo que ele costumava ser — Ângela diz, lá da frente.
Ela não dissera uma palavra durante toda esta conversa , nenhuma de nós disse, mas
agora isto, obviamente, se tornou muito difícil para ela se sentar ali e ficar quieta
quando ele está falando de anjos.
— Ele está lamentando o quão baixo desceu, porque mesmo que ele prefira fazer
as regras no inferno a obedecer a Deus no céu, como ele disse, ele ainda sente tristeza,
porque agora ele é – ela dá uma olhada em seu livro para ler –“nas trevas exteriores...
Longe do excelso Deus, da luz empírea, distância tripla da que os homens julgam”. Não
tenho certeza de quão longe é isso exatamente, mas soa muito distante.
— Você sentiu isso em suas entranhas?
— Hmmm... – Ângela é uma pessoa racional, não emocional. — Não tenho
certeza.
— Bem, de qualquer maneira, é uma interpretação esclarecedora — ele diz –
Lembrem-se do que Milton nos diz no início do livro. Seu objetivo aqui é explorar a
idéia da desobediência a Deus, tanto na rebelião dos anjos caídos quanto no coração do
homem, a qual levou à queda de Adão e Eva no Jardim do Éden...
Remexo-me desconfortavelmente em minha cadeira. Não quero explorar a ideia de desobediência a Deus, não é exatamente um tema confortável para mim agora, pois
praticamente decidi lutar contra meu propósito.
— Mr. Phibbs, eu tenho uma pergunta — Ângela diz então.
— Maravilhoso — ele diz. — Julgue um homem pelas suas perguntas, em vez
de suas respostas.
— Certo. Quantos anos você tem? — ela pergunta.
Ele ri.
— Não, é sério. Quantos anos? — Ela pressiona.
— Isso não é nada relacionado ao assunto em mãos — ele diz secamente, e dá
para notar que ela o deixou aturdido, embora eu não saiba exatamente por quê. Ele
alisa seu cabelo branco para trás, e brinca distraidamente com o pedaço de giz em sua
mão.
— Agora vamos voltar a Satanás e sua situação?
— Eu só queria saber se o senhor é tão velho quanto Milton — Ângela diz,
agindo alegremente, nauseantemente tola, como se estivesse brincando com ele, como se
não fosse uma questão séria, embora seja. – Tipo, vocês sempre saíam juntos?
Milton, se bem me lembro do que o Sr. Phibbs nos disse na semana passada,
morreu em 1674. Se o Sr. Phibbs sempre saía com Milton, isso lhe daria bem mais de
trezentos e cinquenta anos de idade. É possível? Eu olho para ele, observando a forma
como sua pele forma pequenas bolsas em alguns lugares, a série de profundas rugas na
testa, ao redor dos olhos, circundando sua boca. Suas mãos têm um aspecto nodoso
como árvores. Ele é claramente idoso. Mas quantos anos?
— Bem que eu gostaria de ter tido esse prazer – diz o Sr. Phibbs com um suspiro
trágico. — Mas, infelizmente Milton viveu um pouco antes do meu tempo.
Toca o sinal.
— Ah — ele diz, com os olhos fitos no rosto de Ângela. — Salvos pelo gongo.
Naquela noite eu saí sorrateiramente para voar até o Lazy Dog. Não posso evitar.
Talvez seja minha natureza angélica.
Sento-me do lado de fora da janela do quarto de Tucker, com neve no meu
cabelo, e o observo, primeiro enquanto ele faz o dever de casa, em seguida, se
preparando para dormir (e sim, eu me afasto quando ele está trocando de roupa, não sou uma total pervertida), e depois quando ele adormece.
Pelo menos, neste exato minuto, ele está seguro.
Novamente eu considero lhe contar sobre meu sonho, odeio esconder isso dele.
Parece algo que ele merece saber. Estou tão brava com a mamãe, eu percebo que, por
todos os segredos que ela guarda de mim, mas eu sou diferente? Estou mantendo este
segredo para ele não se alarmar desnecessariamente, se por algum golpe de sorte estou
interpretando minha visão de maneira errada. Estou me segurando porque ele saber a
respeito não vai mudar nada. Eu o estou protegendo.
Mas ainda é uma droga.
Por volta de meia noite e meia, sua janela se abre subitamente. Fico tão
surpreendida - eu estivera dormindo - que quase caio do telhado, mas um braço forte
me agarra e puxa para trás por sobre a borda.
— Oi — Tucker diz alegremente, como se tropeçássemos um no outro em plena
rua.
— Hmm, oi.
— Bela noite para espionar — ele observa.
— Não. Eu estava...
— Traga seu traseiro para dentro, Cenoura.
Entro desajeitadamente em seu quarto. Ele coloca uma camiseta e se senta de
pernas cruzadas sobre a cama, olhando para mim.
— Não é perseguição se você está feliz em me ver? — Sugiro, trêmula.
— Quanto tempo você ficou lá fora?
— Há quanto tempo você sabia que eu estava lá?
— Cerca de uma hora — ele diz balançando a cabeça em descrença. — Você é
uma garota louca, sabia?
— Eu estou começando a descobrir isso meu respeito.
— Então por que você está realmente aqui? — Ele dá um tapinha na cama, no
lugar ao lado dele, e eu me sento. Ele me envolve com um braço.
— Eu queria ver você. – digo enquanto me enrosco ao lado dele – Foi um longo e solitário fim de semana, e eu não vi muito você na escola hoje.
— Oh, certo. Como foi o acampamento? Acho que nunca acampei na neve – ele
diz erguendo as sobrancelhas. — Parece frio.
— Não foi exatamente na neve — então eu conto a ele sobre a congregação. Não
tudo, exatamente, não sobre o inferno ou sobre os Asas Negras nem sobre o Sr. Phibbs
ser um Sangue-de-anjo, mas conto a ele a maior parte. Sei que minha mãe não
aprovaria. Christian não aprovaria. É claro que Ângela não aprovaria. A congregação é
confidencial, ela disse, como se eu devesse pegar esse fim de semana e colocar um
antigo selo de CONFIDENCIAL em cima dele.
Ainda assim eu conto a ele. Porque ainda não estou pronta para definir minha
própria identidade secreta, não para Tucker. Porque a única coisa que sei com certeza é
que o amo. Porque se eu for honesta sobre uma coisa apenas, isso me fará sentir um
pouco melhor sobre não contar outras coisas a ele.
Ele recebe bem as novidades sobre a congregação.
— Parece o acampamento de igreja. — ele diz.
— É mais como uma reunião de família — digo.
Ele se inclina sobre mim e me beija, um beijo suave, leve como uma pena, que
alcança apenas o canto da minha boca, mas ainda assim me deixa sem fôlego.
— Senti sua falta. – ele diz.
— Senti sua falta também.
Enrosco meus braços ao redor de seu pescoço e o beijo, e tudo desaparece, exceto
este momento, seus lábios nos meus, procurando, suas mãos em meu cabelo, me
chamando, nossos corpos juntos na cama, se realinhando para ficar mais próximos, os
dedos dele nos botões da minha blusa.
Não posso deixar que ele morra.
— Você é tão quente — ele murmura.
Eu me sinto quente. Sinto-me como se fosse explodir em chamas, pesada e leve
ao mesmo tempo, e o tempo desacelera, como se eu estivesse vendo tudo quadro a quadro. O rosto de Tucker pairando sobre o meu, uma pequena pinta em logo abaixo de sua orelha que eu nunca notei antes, as sombras que criamos no teto, a covinha que aparece em sua bochecha quando ele sorri, o modo como seu coração bate mais rápido, sua respiração. E também posso sentir o que ele está sentindo, nos limites de minha
mente: amor, o jeito como a sensação de sentir minha pele sob suas mãos o excita, meu
cheiro preenchendo sua mente.
— Clara – ele diz, com a respiração pesada enquanto se afasta.
— Está tudo bem – digo então, trazendo sua cabeça para perto da minha outra
vez, pressionando meu rosto contra o dele, nossos lábios mal se tocando, nossas
respirações no rosto um do outro.
— Sei que você tem suas idéias, e acho isso muito meigo, mas... E se essa for toda
a felicidade que podemos ter? E se essa for a nossa chance, antes que tudo mude? E se
for apenas isso? Não deveríamos apenas… Viver?
Desta vez, quando nos beijamos, é diferente. Há uma urgência que não estava lá
antes. Ele faz uma pausa para tirar a camisa por sobre a cabeça, revelando toda aquela
pele dourada, seus músculos desenvolvidos graças a seu trabalho-pesado-de-toda-a-
vida no rodeio/fazenda. “Ele é bonito”, penso tão loucamente bonito que quase dói olhar
para ele, fecho os olhos e ergo os braços acima de minha cabeça e o deixo tirar minha
blusa também. O ar frio atinge minha pele, e tremo, e estremeço, e Tucker corre seus
dedos calejados suavemente ao longo do topo do meu ombro, tocando por cima do meu
sutiã, em toda a linha da minha clavícula e até o pescoço, terminando abaixo do queixo
onde ele inclina minha cabeça para me beijar de novo.
Isso está realmente acontecendo, penso. Eu e Tucker.
Agora. Meu coração está batendo tão rápido, acelerando, mais do que batendo, como as asas de um beija-flor em meu peito, minha respiração vinda em estremecimentos como
se eu estivesse com frio, como se eu estivesse com medo, mas eu também não estou. Eu o amo. Eu o amo, eu o amo - as palavras tem um impulso próprio.
De repente, ele congela.
— O que foi? – sussurro.
— Você está brilhando. — ele se senta abruptamente.
Estou mesmo. É muito fraco, nenhuma glória completa por maior que fosse o
esforço de imaginação, mas quando estendo os dedos e examino as costas de minha mão vejo que minha pele está definitivamente brilhando.
— Não. É seu cabelo — ele diz.
Meu cabelo. Agarro-o imediatamente com as duas mãos. Está brilhando, tudo
bem, emitindo raios de luz. Um cintilante raio de sol no escuro do quarto de Tucker. Sou
uma lâmpada humana.
Tucker não está olhando para mim.
— Não é nada. Ângela chama a isso comaecaelestis. Sinal de um ser celestial.
Foi por isso que mamãe me fez tingir o cabelo no ano passado. — estou gaguejando
agora
— Dá pra você... Desligar isso? — ele diz — Desculpe, mas quando olho para
seu cabelo, me sinto... Tonto, como se fosse cair ou desmaiar, ou algo do tipo. — Ele inspira profundamente e fecha os olhos — E também um pouco enjoado.
Ótimo saber que tenho esse tipo de efeito em um cara.
— Posso tentar. — digo, e acaba não sendo tão difícil de ‘desligar’. Apenas ver a expressão no rosto de Tucker faz o truque.
Posso jurar que ouço Tucker soltar um suspiro de alívio.
— Desculpe por isso. — digo outra vez.
Ele olha para mim, engole com dificuldade, tenta recuperar a compostura.
— Não se desculpe. É parte de quem você é. Você não deveria ter que se
desculpar por quem é. É lindo, de verdade. Inspira veneração. Cair de joelhos e adorar, tudo isso.
— Mas te dá vontade de vomitar.
— Só um pouco.
Inclino-me para beijar seu ainda adorável ombro nu.
— Então. Minha luz está apagada. Onde estávamos?
Ele balança a cabeça, coça a nuca do jeito que faz quando se sente
desconfortável. Tosse.
Fico lá sentada sem jeito por um momento.
— Tudo bem — digo — Acho que eu devia...
— Não vá embora. — ele pega minha mão antes que eu possa me levantar. —
Fique.
Deixo que ele me leve de volta à cama. Ele se deita atrás de mim, me abraça,
descansa a mão em meu quadril e respira regularmente em minha nuca. Tento relaxar.
Escuto o tique-taque do relógio na mesa de cabeceira. E se eu nunca encontrar um jeito de controlar o brilho? E se toda vez que me sentir feliz daquela maneira específica, eu me acender? Eu me acendo, ele fica enjoado e então nada acontece...
Aí está um pensamento estranho. É como ter minha própria forma de controle de natalidade. O brilho completo do corpo.
E então eu penso. Ele vai morrer sem nunca ter feito amor com uma mulher
— Não importa. — murmura Tucker. Ele mexe a mão e segura a minha,
apertando-a.
Oh. Meu. Deus. Será que eu disse isso em voz alta?
— O que não importa? — pergunto.
— Se podemos ou não... Você sabe. — ele diz. É uma loucura o fato de ele não
poder ler mentes, mas ainda assim saber quase exatamente o que estou pensando. — Eu ainda amo você.
— Eu ainda amo você também. — respondo, então me viro e aconchego meu rosto na curva do pescoço dele, ponho meus braços em volta dele e é onde fico até que
ele adormeça.
Acordo quando alguém abre as cortinas, e eis o que vejo: o Sr. Avery, vestindo
um macacão, de costas para mim, olhando pela janela onde o sol está apenas
começando a tocar o celeiro.
— Levante-se e brilhe, filho. — ele diz — As vacas não vão se ordenhar sozinhas.
Então ele se vira. Vê-me. Sua boca se abre. A minha já está aberta, minha
respiração alojada no fundo da minha garganta, como se de algum modo ele não fosse
me notar se eu não respirasse. Então nos encaramos como um par de peixes fora d’água.
Lá fora um galo canta.
Tucker resmunga alguma coisa. Ele se vira, arrancando o cobertor de sobre mim.
Eu puxo o cobertor de volta para cobrir meu sutiã. Graças a Deus ainda estou
vestido meu jeans, do contrário isso pareceria ruim de verdade.
Ainda parece ruim de verdade.
Ruim de verdade.
— Hum — digo, mas meu cérebro parece um bloco de gelo. Não consigo
arrancar palavras dali. Estendo o braço e sacudo Tucker. Com força. Com mais força
quando ele não responde imediatamente.
— Não pode ser seis e meia já. — ele resmunga.
— Oh, eu acho que pode. — arrisco.
De repente ele se levanta com um solavanco. Agora nós três nos olhamos como
peixes. Então o Sr. Avery fecha a boca tão rapidamente que posso ouvir seus dentes se
chocando; ele se vira e sai do quarto. Fecha a porta firmemente atrás de si. Ouvimos
seus passos enquanto ele marcha escada abaixo em direção à cozinha. Ouvimos a Sra.
Avery dizer:
— Ótimo, aqui está seu café, querido... — e mais nada. Ele não está falando alto o
suficiente para que possamos ouvir.
Pego minha blusa e a visto por sobre a cabeça, procuro em pânico por meus
sapatos.
Tucker faz algo que quase nunca o vejo fazer.
Ele xinga.
— Você quer que eu fique e tente explicar? — pergunto.
— Não — ele diz — Oh, não, não, não faça isso. Você deve apenas... Ir embora.
Abro a janela, me viro.
— Sinto muito. Não pretendia pegar no sono.
— Eu não sinto.
Ele joga as pernas para fora da cama, se levanta, caminha em minha direção me
dá um rápido, porém gentil beijo na boca, segura meu rosto entre suas mãos e olha
dentro dos meus olhos.
— Tudo bem? Eu não sinto muito. Valeu à pena. Vou aguentar o tranco.
— Está certo.
— Foi bom conhecer você, Clara. — ele diz.
— Hmm? — meu cérebro ainda está em estado de choque.
— Ore por mim, está bem? — ele me dá um sorriso trêmulo — Porque tenho
certeza de que meus pais vão me matar.
Quando chego em casa fica ainda pior. A janela do meu quarto está trancada.
Maravilha.
Deslizo pela porta dos fundos (que felizmente não está trancada) e fecho a porta
suavemente atrás de mim.
Mamãe tem trabalhado até tarde ultimamente. Há uma chance de que ela não
tenha percebido.
Mas minha janela está trancada.
Jeffrey está próximo ao balcão tomando um copo de suco de laranja.
— Caramba — ele diz — Você está muito encrencada.
— O que eu faço? — pergunto.
— Você precisa ter uma boa desculpa. E talvez chorar, garotas fazem isso, não
fazem? E possivelmente estar gravemente ferida. Se ela tiver que cuidar de você, talvez
pegue leve.
— Obrigada. – respondo — Você é tão prestativo.
— Oh, e Clara — ele diz, enquanto subo as escadas na ponta dos pés — talvez
você queira trocar a blusa, para não aparecer com ela ao contrário.
Impressiona-me o fato de percorrer todo o caminho até meu quarto sem ser
interceptada. Troco de roupa, lavo o rosto e penteio o cabelo, e começo a pensar que tudo vai dar certo, sem preocupações. Mas então saio do banheiro e dou de cara com
minha mãe sentada em minha cadeira.
Ela parece uma mãe muito irritada.
Por um minuto, um minuto que parece uma eternidade, ela não diz nada. Ela
olha para mim com os braços cruzados no peito.
— Então — ela diz finalmente, sua voz como gotas de gelo — A mãe de Tucker
ligou há poucos minutos. Perguntou se eu sabia onde minha filha estava, porque da
última vez que ela verificou, você estava na cama do filho dela.
— Sinto muito — gaguejo – Fui até o Lazy Dog para ver Tucker, e adormeci.
Suas mãos se fecham em punhos.
— Clara... — ela se interrompe e respira fundo. — Não vou fazer isso — diz —
Não posso.
— Nada aconteceu. — digo.
Ela zomba. E me lança um olhar que me diz para não insultar sua inteligência.
— Certo, alguma coisa quase aconteceu. — talvez se eu contar a verdade, ela
veja isso como um sinal de boa fé, racionalizo. — Mas não aconteceu, quero dizer. Eu
caí no sono. Foi isso.
— Oh, isso me faz sentir tão melhor. — ela diz sarcasticamente — Alguma
quase aconteceu, mas não aconteceu. Ótimo. Maravilhoso. Estou tão aliviada. — ela
subitamente balança a cabeça — Não quero ouvir falar sobre a noite passada.
Terminamos com isto, moçinha. Mesmo se eu tiver que pregar sua janela, você ficará
aqui, em sua própria cama, em sua casa, todas as noites. Você me entendeu?
— Além disso — ela continua quando não respondo — você e Tucker não vão
mais se encontrar sozinhos.
Eu me viro rapidamente.
— O quê?
— Você não vai ficar sozinha com ele.
Todo o ar me abandona de uma vez.
— Por quanto tempo?
— Não sei. Até que eu descubra o que fazer com você. Acho que estou sendo
muito generosa, considerando o que você fez.
— O que eu fiz? Não estamos no século dezenove, mãe.
— Acredite em mim, eu sei disso. — ela diz.
Tento encontrar seu olhar.
— Mãe, eu preciso continuar a ver Tucker.
Ela suspira.
— Você vai mesmo me fazer dizer minha-casa-minhas-regras? – ela diz com
uma voz cansada, esfregando os olhos como se não tivesse tempo ou energia neste
momento para lidar comigo.
Meu queixo se ergue.
— Você vai mesmo me fazer sair de casa apenas para poder fazer o que quero de
minha própria vida? Porque eu faria isso.
É um blefe. Não tenho para onde ir, nenhum dinheiro, nenhum lugar além desta
casa.
— Se for preciso. — ela diz suavemente.
Isso acaba comigo. Meus olhos se enchem de humilhantes lágrimas. Sei que ela
tem o direito de estar zangada, mas não me importo. Começo a berrar todas as coisas
que há meses quero dizer: por que você tem que ser assim? Por que você não se importa
com Tucker? Não dá pra ver como somos bons juntos? Está bem, você pode não se
preocupar com Tucker, mas não se preocupa com minha felicidade?
Ela me deixa gritar. Faço minha birra enquanto ela olha para o chão com uma
expressão quase envergonhada e espera que eu acabe. Então quando termino, ela diz:
— Eu a amo, Clara. E me preocupo com Tucker, apesar de saber que você não vai
acreditar nisso. E me importo com sua felicidade. Mas me preocupo antes com sua
segurança. Essa sempre foi minha maior prioridade.
— Não se trata de minha segurança. — digo com amargura — É sobre você
controlando minha vida. Como eu não estaria segura perto de Tucker? Sério, como?
— Porque você não é a única coisa lá fora à noite! — ela exclama — quando
acordei e você não estava aqui... — seus olhos se fecham. Sua mandíbula enrijece. — Você permanecerá nesta casa. E somente verá Tucker sob supervisão, quando eu achar
adequado que você o faça. — ela se levanta para sair.
— Mas ele está morrendo — disparo.
Ela estaca, a mão na maçaneta. — O quê?
— Venho tendo um sonho – uma visão, acho — de um Cemitério. É um funeral.
E Tucker nunca está lá, mãe.
— Querida — mamãe diz — Só porque ele não está lá não significa...
— Nada mais faz sentido — digo — Se fosse à morte de outra pessoa, Tucker
estaria lá. Ele estaria lá por mim. Nada o manteria afastado. É quem ele é. Ele estaria lá.
Ela deixa escapar um som do fundo de sua garganta e vem para perto de mim.
Deixo que ela me abrace, inspiro seu perfume, tentando obter algum conforto em seu
calor, em sua presença sólida e constante, mas não consigo. Ela não parece tão calorosa,
nem sólida, nem forte.
— Não vou deixar que aconteça. — sussurro. E me afasto. — O que preciso
saber é como impedir, só não sei como vai acontecer então não sei o que fazer. Tucker
vai morrer!
— Sim, vai. — ela diz, com naturalidade. — Ele é mortal, Clara. Ele vai morrer.
Mais de cem pessoas neste planeta morrem a cada minuto, e um dia ele será uma delas.
— Mas é Tucker, mãe.
Estou à beira das lágrimas outra vez.
— Você o ama mesmo — ela comenta.
— Eu o amo de verdade.
— E ele a ama.
— Ama, sim. Sei que ama. Eu senti.
Ela segura minha mão.
— Então nada poderá realmente separar vocês, nem a morte. O amor une vocês.
— ela diz — Clara... Eu preciso lhe contar...
Mas não posso deixar que ela me convença a aceitar placidamente a morte de
Tucker. Então digo:
— Amor não era exatamente o que unia você e papai, não é?
Ela suspira.
Fico triste por ter dito isso. Tento pensar em uma maneira de fazê-la
compreender.
— O que quero dizer é que às vezes as pessoas se separam, mãe. Para sempre.
Não quero que isso aconteça comigo e Tucker.
— Sua garota teimosa. — ela diz, baixinho. Ela se levanta e se dirige para a
porta. Para. Se virar para mim. — Você já contou a ele?
— O quê?
— Sobre o sonho, ou que você pensa que isso significa. — ela diz — Porque, no
final das contas, você não sabe o que quer dizer, Clara. Não é justo contar a ele a menos
que você saiba com certeza. Pode ser uma coisa terrível saber que você vai morrer.
— Acho que você disse que todos vamos morrer.
— Sim. Mais cedo ou mais tarde — ela diz
— Não. — admito — Não contei a ele.
— Ótimo. Não o faça. — ela tenta sorrir sem muito sucesso – Tenha um bom dia
na escola. Esteja em casa antes do jantar. Temos mais coisas para conversar. Tem mais
coisas que eu quero dizer.
— Está bem.
Depois que ela sai, eu me atiro na cama, subitamente exausta.
Mais cedo ou mais tarde, ela disse. E ela saberia, imagino. Na idade dela, a
maioria das pessoas que ela conheceu já envelheceu e morreu. Como o caso do
terremoto em São Francisco. Houve uma notícia que ela recortou do jornal uns nesses
atrás sobre como o último sobrevivente do terremoto havia morrido. O que a tornava a
verdadeira última sobrevivente.
Ela está certa. Mais cedo ou mais tarde Tucker morrerá.
Mais tarde, penso eu. Vou fazer o possível para que seja mais tarde.
Ângela me alcança na porta do refeitório na hora do almoço.
— Clube do Anjo – sussurra — Logo após a escola, não se atrase.
— Ah, por favor. — Não estou com o menor ânimo para os intermináveis
questionários de Ângela, sua intensidade, suas teorias mirabolantes. Estou cansada. –
Tenho outras coisas também, você sabe.
— Temos uma novidade.
— Como assim? Acabamos de passar o fim de semana juntos.
— É importante, está bem? – ela grita, o que me deixa completamente perplexa.
Ângela não grita.
Olho para ela com mais atenção. Ela parece desgastada, com os olhos inchados e
manchas escuras ao redor dos olhos, exausta.
— Tudo bem, estarei lá. — concordo prontamente. — Não posso ficar até muito
tarde, mas irei com certeza, está bem?
Ela balança a cabeça.
— Depois da escola. — ela diz, novamente, e então se afasta rapidamente.
— O que há com ela? — Christian se materializa ao meu lado e juntos ficamos
olhando para ela — Eu disse que precisava ir a uma reunião do time de esqui, e ela
praticamente arrancou minha cabeça.
Balanço a cabeça, porque não faço ideia do que há com ela.
— Acho que é importante — ele diz . Então ele se vai, se juntando ao seu bando
de amigos populares, se dirigindo para o almoço. Fico parada ali por um minuto, me
sentindo estranha e solitária e finalmente me encaminho para a fila do almoço. Pego
minha comida e me deixo cair em meu lugar de costume perto de Wendy, que está com
Jason à mesa dos Invisíveis.
Ela me lança um olhar penetrante. Ela sabe sobre hoje de manhã.
Jason diz que precisa fazer algo, e se afasta.
Estou muito encrencada. Com todo mundo — Onde está Tucker? — pergunto imediatamente — Ele ainda está, tipo, vivo?
— Teve que ir para casa fazer algumas tarefas durante a hora de almoço. Ele
deixou um bilhete. — ela ergue uma única folha de caderno. Eu a arranco de sua mão.
— Eu não li. – ela diz, assim que desdobro o papel, mas algo em sua voz me faz
pensar que ela talvez tenha.
— Obrigada. – digo, meus olhos examinando as palavras. Em sua caligrafia
desajeitada, ele escreveu:
“Cabeça erguida, Cenoura. Vamos passar por isso. Só temos que seguir as regras
por um tempo,” e desenhou um X – um beijo.
— Seus pais estavam muito furiosos? – pergunto, colocando o bilhete no bolso do
casaco. Vem-me à mente a recordação de como os olhos do Sr. Avery se arregalaram
quando nos viu.
Ela dá de ombros.
— Mais chocados. Não acho que eles jamais esperassem… — ela dá uma
tossidela. – Droga, sim eles estavam zangados. Ficavam repetindo a palavra
‘desapontados’, e Tucker parecia um cachorro sendo chutado toda vez que a ouvia, e
quando ele estava suficientemente abatido eles o mandaram limpar o estábulo, para que
pudessem decidir qual seria o castigo dele.
— E qual é o castigo? — pergunto.
— Não sei. — ela diz — Vamos apenas dizer que meus pais não seus maiores fãs
atualmente, e que as coisas estavam tensas na casa dos Averys esta manhã.
— Sinto muito, Wen — digo, e é verdade. — Acho que criei uma grande
confusão.
Ela põe a mão em meu ombro, aperta brevemente.
— Está tudo bem. É só um drama de relacionamento. Todos temos um, certo? E
aconteceu de você ter um relacionamento com meu irmão. Eu deveria ter imaginado
que isso aconteceria.
— Mas tenho que lhe avisar de uma coisa — ela acrescenta com bom humor,
depois de um minuto. — Se você magoar meu irmão, vai ter que se ver comigo. Vou
enterrar você em estrume de cavalo.
— Certo. — respondo prontamente — Vou me lembrar disso.






Sobrenatural 2 Solo ConsagradoOnde histórias criam vida. Descubra agora