Enfrentando a si mesmo

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Tão delicado, cheio de vida, o que fui eu pra ele senão uma assombração? Dei minhas dores a ele, as guardou com toda ternura que nunca senti em minha existência. Quando foi que a vida se tornou pior pra mim? Perdi o anjo que me guiava, eles também morrem, aprendi isso, eu merecia estar doente, morrer no lugar dele. Todos os dias penso em como seu sorriso me fazia feliz, algo tão pequeno e de grande valor.

Uns dias se passaram, estava ali, eu jogado no sofá vendo televisão até tarde da noite, meu pai e minha mãe dormiam juntos. Ninguém me entendia, parecia que as dores ficavam mais gélidas, meu corpo que antes era tão quente, estava esfriando. Meus dedos pareciam cubos de gelo. Será que um coração morreria assim? Petrificado de frio?

Estou tentando entender o que tudo que aconteceu até então significa, Léo não estava mais entre nós a quatro meses, parecia uma eternidade, dias se arrastavam, e se arrastam ainda. Lembrar de tudo me faz voltar nas dores profundas e tão sensíveis que uma gota de lágrima significa uma imersão em um abismo de imensos labirintos.

Levanto do sofá, em plena madrugada, abro a geladeira, pego uma garrafinha de água e a bebo inteira direto na boca, estou sentindo muita sede. Pego outra e quando vejo já é minha terceira garrafinha e não matou minha sede, estranho, mas o que posso fazer? Meu corpo está pedindo hidratação. Encho as três garrafas na torneira, me deu vontade de ir ao banheiro, seguro um pouco a vontade, coloco elas na geladeira todas completas de água e a fecho. Dirijo-me a porta do banheiro da casa.

Minha urina está muito escura...O que isso significa?

Sento-me no sofá, o que está havendo? Ainda estou com sede, o que meu corpo está fazendo? Lembro-me da seringa, o sangue que injetei a alguns dias, isso se for real, ou se for alucinação. Nada mais importa, vou para fora abro a porta da frente da casa, onde está a minha varanda, aquela onde eu me perco olhando as estrelas entre a fumaça de meus cigarros em meio aos sentimentos.

A vida é injusta...

Repentinamente meu corpo começa a perder o controle das coisas, onde estou? O que está havendo? Tudo está distorcendo-se, virando um emaranhado de coisas sem sentido algum, meu corpo dói, aonde está o problema? Sinto uma descarga de adrenalina, me impulsiono a sair correndo para a rua ou o que era a rua, tudo deformado, cores estranhas tomando conta de tudo.

O escuro começou a dominar tudo, eu estava desmaiando, morrendo? Abduzido? Eu não enxergava nada...Léo? Ele era a única coisa que eu escutava:

___Você precisa me escutar!

___O que é você? - eu estava entrando em pânico

___Eu estou bem, siga minha voz!

___Sua voz? O que tem sua voz?

___Siga minha voz, volte!

Eu olho ele indo embora e peço uma coisa:

___Continue falando sempre, vou seguir!

Ele vai embora e tudo volta ao normal, sua voz eu escutei melhor do que antes, limpa. Como se eu estivesse muito próximo dele.

Continuei escutando suas palavras, mas bem baixas e segui até onde eu sabia que deveria:

___Hospital?

Senti medo ao olhar para aquele prédio, acho que tenho fobia de hospitais, me perguntei porque deveria estar aqui, será que tem respostas?

Dei meia volta e fui para outro lugar, onde escutei outra voz em minha cabeça:

___Esse bar?

Havia alguém lá, parado, escorado e com o pé na parede do bar, com um sobretudo preto como a noite, descrevendo-o parecia ter o meu tamanho, seu rosto estava tampado com um capuz e seus braços cruzados:

___Quem é Você?

___Foi aqui que vocês dois se conheceram, sei que está de luto ainda pela morte dele, mas supere, precisa viver, está enlouquecendo desse jeito.

Fico surpreso ao saber tanta coisa vindo de um desconhecido:

___Como sabe de tudo isso?

___Essa é a sua realidade, entre vamos beber um pouco!

Ao entrar no bar, veio-me a lembrança.

"Eu conversando com colegas de aula, não eram meus amigos, você estava ali, rindo da conversa com eles, nunca te vi antes, nem sabia o que eu era, até ficar fascinado pelo seu sorriso, acho que percebeu que eu estava te olhando e logo virou a cara com vergonha... Achei que tinha feito alguma idiotice, sempre acho isso, levantei-me e fui fumar um cigarro lá fora, em frente ao bar, pessoas andavam na noite quando vi você do eu lado, olhando pra mim dizendo que fumar não fazia bem a saúde. Mais um falando isso, minha descrença bateu e eu quis ir embora. Tocou-me o braço e me disse que não se importava com isso, apenas é o que falam e deu um sorriso pra mim. Meu eu? Quem era eu naquele momento? Uma pessoa hipnotizada pela ternura do sorriso dele. O chamei para ir a uma sorveteria, logo aceitou. Ele escolheu chocolate e eu peguei de abacaxi. Conversamos tanto e rimos, sim eu ri, parece difícil né? Ao final do doce, fomos a um banco de uma praça onde conversamos mais, antes dele ir, me deu um beijo no rosto...Outro homem me beijou? Dei uma risada quando cheguei em casa, eu era isso mesmo, agora me entendo melhor. Estava gostando dele."

O estranho de capuz sentou numa cadeira de frente para o balcão e eu ao seu lado fiz o mesmo:

___Pode mostrar seu rosto?

Ele tira o capuz e vejo a minha própria imagem.



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