The cypher

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"As palavras verdadeiras não são agradáveis e as agradáveis não são verdadeiras"
-Lao-Tsé

Avalon

Quarta feira.
15:13 da tarde, chuva golpeava as enormes janelas de vidro e eu esperava por Justin em uma das várias salas de ensaio da academia. Ele provavelmente iria se atrasar e eu tinha aversão a atrasos (mesmo cometendo esse odioso deslize as vezes); então some atrasos e um garoto problemático cujo o gênio me irritava profundamente. O resultado? Uma Avalon bem irritada.

Aproveitava aqueles minutos de paz para tentar escrever algo. Quanto mais escrevesse, quando mais criasse, mais cedo sairia dali e estaria longe de Justin, no conforto de minha casa.
A caneta esferográfica escapou de minha mão ao ouvir o som da porta ser aberta de repente revelando um Justin encharcado e com a expressão cansada. Não usava casaco, apenas uma camisa folgada escura, jeans e um tênis da Nike vermelho, o que me fez sentir extremamente mal com meu blusão e camisa xadrez grossa.

Olhou em minha direção com seus olhos vazados por alguns segundos mas não disse uma só palavra, apenas sentou ao meu lado colocando a mochila aos pés da mesa. Cortei o silêncio entre nós quando percebi que ele realmente não faria nada a não ser me encarar - Mesmo sem certeza do que via - e esperar que lhe desse informações do meu progresso.

- Eu não vou mal, obrigado por perguntar. Onde estava e por que pegou chuva? - Perguntei soando mais fria do que pretendia e encarei a folha de papel em minha frente esperando a patada que viria de Justin. Invés disso houve o silêncio.

Ele não disse nada. Continuou em silêncio com sua feição tortuosa e eu quis perguntar se ele estava surdo mas logo me senti muito mal por pensar em dizer tal coisa para um deficiente visual. Eu sou uma péssima pessoa.

- Eu fui ao médico, mas não importa porque eu não me atrasei, atrasei? Quanto ao seu bem estar, acho que isso não é importante já que só vamos passar no máximo uma hora por dia juntos durante duas semanas.

Engoli em seco mas me manti firme lembrando da conversa que havia tido com Violet naquele dia mais cedo. Tenha paciência, ela disse. Ele foi muito magoado e inumeras histórias sobre sua vida circulam no campus; É perfeitamente normal que ele seja esse cara frio de hoje. O problema era que eu não queria um cara frio. Eu queria alguém com quem eu pudesse me abrir, não sobre minha vida, eu também não queria um psicólogo. Queria alguém que me ajudasse a desenterrar as ideias do fundo do meu subconsciente e me auxiliasse na ação de coloca-las no papel.

- Desculpe... - Disse por fim - Vamos começar?

- Só esqueça. Você já escreveu algo?

[...]

- Eu gosto disso. - Comentou Justin sobre os versos escritos no papel que eu acabará de ler.

- Eu também... Acho que evoluímos bastante para uma tarde. - Eu disse com entusiasmo mas ele simplesmente assentiu e se colocou de pé, pondo a mochila nos ombros.

- Eu vou indo.

Quando disse aquelas palavras logo minha atenção se voltou para as gotas de chuva que ainda atingiam com violência a janela de vidro que iluminava a sala com sua luz fúnebre. Eu não queria que ele fosse. Um quase cego nas ruas sozinho e na chuva? Definitivamente não, mas o que eu faria? Eu não possuía um carro e tão pouco meu pai ia gostar de dar carona a um garoto esquisito e sombrio como Justin. Em verdade, apenas o fato de Justin ser um garoto já incomodaria meu pai a rodo.

BLIND || J.B ||Onde histórias criam vida. Descubra agora