Os fones de ouvido estavam bem cravados nas orelhas médias, o som provavelmente no ultimo volume, pouco ligando se aquelas vibrações intensas demais fariam algum mal a sua audição futuramente ou atualmente. A batida da música sem letra era estranha, mas era aquele estranho bom que causava certo prazer e uma vontade descomunal de se levantar e mexer o corpo, criando qualquer passo idiota que, no final, seria chamado de dança. Mas se contentava em apenas tentar balançar o pé no ritmo perfeito.
Um livro se sobrepunha nas mãos com pouco mais da metade já lido. A mente envolvida naquele universo tão distinto. Os olhos castanhos passavam rápidos e atentos pelas letras ali escritas, tentando a todo momento se manter preso à historia. Desistira por um instante. Finalmente desgrudara os olhos das páginas, fechando o exemplar. Bufara; o ar expelido rudemente.
Estava no jardim, sentado e encostado em uma árvore. O cheiro de jasmim invadia suas narinas causando certa ânsia, mas não era como se não gostasse. Mil vezes esse cheiro do que o de mofo de seu quarto pouco arejado. Sentia um certo cansaço. Queria se enfiar em sua cama e talvez nunca mais sair. Mas sabia que dificilmente poderia fazer isso. Mal havia se recuperado da última crise e não podia ser dar ao luxo de ter mais uma... Pelo menos, não por agora. A última já havia o saturado o suficiente. Não se lembrava do que exatamente se tratara – aliás, nunca realmente se lembrava da conflagração em si; segundo os médicos, a mente apagava como uma forma de autodefesa –, apenas sabia que não havia sido algo muito bom. A forma como as enfermeiras o olhavam com pena confirmava o fato. E Mark passara a odiar isso. Odiar esse sentimento de pena. Não precisava disso.
— Ah, finalmente te achei. — O movimento dos orbes em direção à voz doce e fina fora feito de modo lento, em poucos segundos visualizando a garota de estatura média e magra. Não esboçara nenhuma feição. Apenas bufara novamente retirando um dos lados do fone para escutar o que a perturbadora de sua "paz" teria a dizer. — Mark, faz quanto tempo que está aqui? Já comeu? E seus remédios? — O garoto fechara os olhos mediante o bombardeio de perguntas. O timbre da voz da mulher era fino demais para seus ouvidos. Desejou estar novamente mergulhado nas batidas sem sentido daquela música.
— Não sei, me trouxeram de manhã. Não estou com fome. Faltam só os das oito. — Respondera ainda com os olhos fechados, a voz grossa saindo fraca. Já vira a mulher andando com outros internos. Não se lembrava de seu nome, apenas sabia que a primeira vez que à vira; em seus quatorze anos; a achara muito bonita. Infelizmente, não era o caso de sua fala. Então, no momento, apenas queria que ela fosse embora logo.
— Achei que já havia entendido que não pode ficar sem comer. — Ela suspirou, cansada de explicar a mesma coisa para noventa por cento dos pacientes, em especial Mark, que parecia ter alguma aversão à comida. — Vamos. Já são seis da noite. Irei te levar para seu quarto, te levar à janta e preparar seus remédios.
O menino não questionara aceitando o braço estendido da moça para, enfim, levantar-se. Não tinha muita escolha e causar um escândalo não estava em seus planos.
♦ ♣ ♠ ♥
Sentia certa ânsia. Poderia ser devido ao fato de ter se forçado a comer a pedido da jovem enfermeira ou era o efeito dos medicamentos. Estava um tanto quanto tonto também. A visão embaçada se forçava a continuar prestando atenção nos traços que o lápis em sua mão fazia.
Não era a primeira vez que se pegava o desenhando. Aquele rosto que o fazia se sentir aquecido em apenas uma troca de olhares. O lápis se movia lentamente, marcando os lugares certos de sombreado e criando um efeito mais realista. Aos poucos, o retrato perfeito se formando. A boca elaborada de forma divina, nem muito fina e nem muita cheia, e que, com certeza, se estivesse colorida estaria no mais fascinante rosa claro. O nariz muito bem produzido no tamanho e formato certo para o completo da face.
E havia os olhos. Ah, os olhos... Esses sim se podia dizer que haviam os mais ricos detalhes e a maior dedicação empenhada por parte de Mark. Os riscos afinados, elaborando os típicos formatos de orbes asiáticos. Cílios muito bem colocados em volta de pequenas pálpebras. E o brilho quase impossível de ser concebido, mas que estava lá, tornando aquilo, aquele pequeno desenho magistral.
O lápis fora guardado no extenso estojo, assim como a borracha e a lapiseira. Contemplara a obra e um sorriso sincero aparecera em seu semblante. Estava feliz, tanto a ponto de sentir os olhos marejados. Abraçara a prancheta com a folha da recém-ilustração. Sentira o coração palpitar e acelerar a pulsação. As lágrimas caíram silenciosamente por sua face. O repuxar de lábios aumentara, formando o famoso "eye smile".
Ele o amava. Muito mais que a si mesmo. Muito mais que sua própria vida.
♦ ♣ ♠ ♥
A praça estava vazia. A neve cobria aquela pacata cidade. As casas no estilo francês possuíam os telhados cobertos com o manto branco, tal como o chão e alguns galhos secos. Estes, por sua vez, possuíam luzes. Pequenas luzes em tons dourado e rosa pastel. Realmente, muito bonito.
— Meio natalino, não é mesmo, Mark? — Era incrível como só de ouvir aquele tom, um tanto quanto grosso, fazia o coração do garoto acelerar e borboletas rodopiarem em seu estômago. Logo, o dono da voz aparecera a sua frente. Vestia um grande casaco preto e um cachecol amarelo enfeitava seu pescoço, criando certo contraste tanto com a vestimenta quanto com a pele alva. Mark sorrira abraçando o ser a sua frente. Não havia muita diferença de altura entre ambos, mas eram poucos centímetros que faziam com que Mark pendesse sua cabeça na curvatura do pescoço de seu companheiro.
— Jack... Senti sua falta... — A frase saira em um sussurro. A voz um tanto quanto manhosa.
—Eu também... Meu Mark.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Paradise
FanficO mundo era a coisa que mais fascinava os sentimentos de Mark. Era assustador. Era complicado. Era intrigante. Era do jeitinho que tinha que ser. Mas sua felicidade estava no mundo dos sonhos, onde podia encontra-lo. Seu verdadeiro mundo. Seu paraí...