Dementia

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O cheiro de enxofre incomodava e as paredes mofadas do pequeno cômodo, de certa forma, faziam seu estômago revirar. Olhara ao redor à procura de alguma porta ou janela, tendo seus objetivos frustrados ao notar a ausência das mesmas. Mas constara uma pessoa encostada na parede paralela a que estava. Os orbes semicerraram em confusão e curiosidade. Não conseguira visualizar o rosto do estranho graças a certa escuridão que o cômodo se encontrava. Pensara em produzir algum som, algum tipo de ruído para atrair a atenção do ser desconhecido, mas algo em seu interior preferira o silêncio.

Observara com mais atenção os detalhes daquele que se mostrava anônimo. O corpo magro parecia repousar relaxadamente sobre o concreto bolorento. As pernas, cobertas pelo o que parecia ser uma calça de moletom, mantinham-se cruzadas; algo como a posição de lótus. Os braços pareciam tencionados pela força que as mãos exerciam ao "empurrarem" o chão imundo. Mark esboçara uma careta. Por mais que não tivesse nenhuma mania de limpeza, aquele cenário estava fora dos padrões aceitáveis de sujo.

A curiosidade aumentava a cada instante. A cabeça abaixada do outro, deixando o cabelo descolorido à mostra – talvez, a única coisa "branca" naquele lugar – só lhe intrigava cada vez mais. Tomado por esse sentimento, o garoto levantara-se, disposto rumar até o estranho.

O caminho até a outra ponta fora feito de forma calma, quase que hesitante. Os pés se moviam lentamente.

Suava. Sentia as gotas escorrerem por sua testa e as mãos molhadas. Nervosismo? Acreditava que sim.

— Mark, você deveria saber que a curiosidade matou o gato. — Arregalara os lumes. As pernas estancaram no meio do caminho e, estranhamente, começaram a tremer. Conhecia aquela voz, por mais que o timbre parecesse um tanto quanto mais fino que a original. O desconhecido começara a rir. Uma risada descontrolada e debochada, esta que causara calafrios pelo corpo de Mark.

A figura ficara de pé, finalmente revelando sua face. Os orbes do garoto esbugalharam ainda mais, contrariando sua genética asiática. Os lábios tremeram e dois passos para trás foram feitos desajeitados.

— O seu medo é quase palpável... — A voz esganiçada voltara a ecoar junto à gargalhada. — Mas qual será o motivo... — A criatura, com uma velocidade sobrenatural, aproximara-se do garoto, empurrando seu corpo magro de volta à parede, que estava encostado anteriormente. Mark sentira os ossos da coluna estralarem, provavelmente, algo se trincou. O ar faltou com o impacto e seu corpo foi ao chão. Lágrimas silenciosas escorriam por sua face desesperada pelo oxigênio, que aos poucos voltava.

Mal tivera tempo para se recuperar ou associar o que acontecia. O chute acertara perfeitamente a região das bochechas. O gemido de dor fora impossível de não ser solto. Sentira a mandíbula deslocando. Os fios dourados foram agarrados sem o menor zelo, forçando o rosto a desencostar do chão para logo voltar com rudez. O mesmo processo fora repetido por mais algumas vezes; o número exato não fazia a menor diferença.

As pancadas foram cessadas. Mark espalmou as mãos no chão tentando levantar o corpo, tendo a tarefa concluída com certa dificuldade. O gosto metálico cobria seu paladar e o carmim se tornava cada vez mais frequente; tanto em sua faceta quanto em suas vestes e no piso de concreto. A cabeça latejava e rondava; a visão estava turva e sentia que a qualquer momento poderia desmaiar.

— Não apague ainda... Eu não terminei de brincar. — O ser agachara em sua direção. Os orbes agora mantinham contato. O garoto novamente sentira aquela aflição ao encarar o individuo. Era... Perturbador. A copia perfeita de si. A palavra "doppelgänger" passara por sua mente, mas logo fora esquecida ao perceber o toque do outro sobre seu rosto. — Você fica melhor assim... Ferido. Combina com sua essência. — A gargalhada voltara a invadir o recanto. O coração de Mark acelerou consideravelmente. Não entendia o pânico que envolvia seu íntimo. — Você não passa de um fraco. Um covarde solitário... — Os dedos do sósia apertaram suas bochechas, o puxando um pouco mais para perto de si, colando seus lábios ao ouvido do garoto para, enfim, sussurrar. — Um demente...

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