Capítulo 3

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  O jogo do meu irmão começava cedo, e por meu pai ser o treinador tínhamos que ir para o campo mais cedo ainda. Se já era chato assistir a uma partida de futebol normal, assistir uma partida de crianças era ainda pior.
Eu tinha a impressão de que nenhum deles sabia direito o que estava fazendo, mas para a felicidade do meu pai o time do meu irmão ganhou de 2x1 ganhando consequentemente o campeonato infantil, e para minha felicidade o jogo acabou.
   Almoçamos no centro de treinamento mesmo, meu pai fez um pequeno almoço com a equipe do time para comemorar a vitória, ele costumava fazer isso sempre que um de seus times ganhava. Eu já tinha passado a manhã assistindo um jogo chato ao extremo, agora passaria a tarde ouvindo as conversas chatas ao extremo do meu pai, sempre sobre futebol.
     Minha mãe nunca foi uma fanática por futebol, mas aguentava já a quase 20 anos os assuntos futebolísticos do meu pai com um sorriso no rosto, e as vezes até entrava na conversa e comentava uma coisa ou outra. Percebi que ela olhava para ele com admiração e orgulho, e mesmo não entendendo tanto de futebol estava sempre ali do lado dele em todos os jogos e conversas, sem se chatear ou se cansar. Pensei comigo mesma que no lugar dela talvez eu não aguentasse e já teria me cansado daquilo.
    Mas que bom que ela não cansou. Nós levávamos uma vida familiar bastante calma, eu nunca havia visto os meus pais brigarem e raramente eles discordavam sobre alguma coisa. Meu pai procurava manter tudo em ordem e sob seu controle, e minha mãe o ajudava nisso, como nunca fui uma adolescente normal, com as rebeldias e birras típicas da idade, nunca dei muito trabalho a eles. Era só cumprir as regras e estaria tudo certo.
   Essas regras me impediam de chegar muito tarde em casa, de sair sem dar satisfação, de dar uma surra no meu irmão como eu sempre tenho vontade de fazer, e de me aproximar muito de garotos. Essa ultima era a preferida do meu pai, e ainda hoje ele sempre olhava de longe e desconfiado a minha amizade com o Luis, apesar de sermos somente amigos e nunca ter passado pela minha cabeça ter alguma coisa com ele.
     Meu pai me chamava de "princesa" e me tratava como se eu realmente fosse isso. Claro que era bom que ele cuidasse de mim e se importasse comigo, mas às vezes esse cuidado excessivo me sufocava. Se dependesse dele acho que eu só namoraria aos 30, no sofá da sala, com ele sentado ao lado observando cada movimento suspeito.
   Até aqui essa era uma regra que eu estava conseguindo manter, nem tanto por vontade própria mas porque nunca me aproximava muito dos garotos, e já havia concluído que não era interessante o suficiente para que alguém quisesse se aproximar de mim. Eu já havia tido alguns rolos na escola mas nada muito importante, eram coisas que desapareciam tão rápido quanto começavam.

   Voltei minha atenção novamente para a conversa sobre futebol na mesa do almoço, eles pareciam estar falando o tempo todo sobre um garoto do time mais velho que pelo que notei era o craque do centro de treinamento, esse tal garoto tinha se mudado para a cidade e começado a treinar com meu pai a pouco tempo, mas já era a grande esperança para que o time conseguisse ganhar o campeonato juvenil que logo começaria. Meu pai falava desse menino com o orgulho de um pai falando de um filho. E eu esperava que ele pegasse um pouco do cuidado excessivo que depositava em mim e passasse um pouco pra esse novo "filho", quem sabe assim eu me sentiria menos sufocada.
   A tarde já estava indo embora quando nós também fomos embora para casa, apesar de ter ficado o tempo todo sentada ouvindo as conversas e perdida em meus próprios pensamentos, eu cheguei em casa exausta. Sabe quando o tédio é tão tedioso que te cansa? Foi exatamente assim.
    Adormeci rápido e na manhã seguinte estava feliz por poder dormir até um pouco mais tarde. Eu havia me levantado a pouco tempo quando a Luana chegou.
  - Trouxe um presentinho do shopping, já que você não foi. - Disse ela me entregando um pacote, pela embalagem reconheci a logomarca da livraria.
- Você disse pra minha mãe que ia dar um jeito de me tirar de casa, não vai funcionar se continuar a me dar livros - Eu falei rindo - Nossa, obrigada! Como soube que eu queria ler esse?
- Eu sei de tudo! - Disse ela - Vamos dar uma volta?

- Para onde vamos? - Perguntei
- Vamos ver se o Luis tá em casa. - Disse ela já me puxando pelo braço porta a fora.
- Mããee tô indo na casa do Luis, ok? - Gritei na esperança que minha mãe me ouvisse da cozinha.

- Ok! Não volte tarde! - Ouvi a resposta dela. 

     As nossas casas ficavam em ruas vizinhas, então logo chegamos a casa do Luis. Foi a mãe dele que abriu a porta e nos convidou a entrar, o Luis estava grudado no seu inseparável vídeo game e nos chamou para uma partida, nem eu e nem a Luana quisermos nos arriscar naquele game frenético de tiros e bombardeios que o Luis tanto gostava. Ficamos só ali sentadas no sofá assistindo ele jogar e conversando, logo o Luis finalizou a partida e se juntou a conversa.
O assunto de hoje, como já era de se esperar, era sobre a escola que retornaria as aulas amanhã. Cada um de nós tinha suas próprias expectativas em relação ao novo ano de estudo. O Luis desejava que a velha professora de geografia, a sra. Núbia, tenha finalmente se aposentado, ele ficou de recuperação em geografia pelo segundo ano consecutivo e por isso tinha adquirido certa antipatia pela professora. A Luana desejava que entrassem alunos novos e bonitos na sala, e fazia descrição de como esperava que esses alunos fossem. E eu só queria sobreviver a mais um ano naquela escola.
   Conversamos até o final da tarde e depois de um passeio até a sorveteria cada um foi para sua casa.
Amanhã iríamos descobrir se alguma das nossas expectativas iria se tornar real. 

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