Capítulo 2 - Homicídio

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O sol já havia nascido, mas a polícia, que estava ali desde as 23:25h da noite anterior, ainda não havia se retirado do teatro. Dentro do camarim os legistas analisavam o corpo da atriz morta, enquanto tiravam fotos e recolhiam provas. Um homem, que parecia ter cerca de 40 anos e ser o legista-chefe, colocou a "arma do crime" em um saco de evidências e se retirou do local.

Todo o teatro estava isolado por faixas amarelas postas pela polícia, e muitos curiosos se juntaram ao redor, na tentativa de entenderem o que havia acontecido. Uma sirene era ouvida ao longe se aproximando, logo estacionava ao lado da cena do crime uma viatura. Vendo que quem havia chegado era o capitão da polícia, o legista caminhou em sua direção narrando suas descobertas.

Laila Lopes, 23 anos, Atriz Principal da peça. Um dos contra regras a encontrou em seu próprio camarim, instantes depois de ouvir o som de um disparo. Ela já estava morta quando ele chegou. A vítima estava sozinha no local da morte e com a arma na mão. Provável suicídio. Já é o 9º só essa semana.

– Décimo. – Disse o capitão de maneira seca, demonstrando certa preocupação em seu rosto. Era um homem de meia idade, já um pouco acima do peso, de barriga saliente e profundas rugas de expressão no rosto. Acabo de vir de um outro provável caso de suicídio. Jorge Belfort, corretor da bolsa de valores, se atirou do prédio onde trabalhava. De acordo com o porteiro e seguranças, ele era o único lá.

– Meu pessoal ainda está interrogando os atores e espectadores que conheciam a vítima, mas até agora todos tem dito que a Laila era uma mulher feliz e que estava adorando estrelar a peça, que era a realização de um sonho pra ela. – Comentou o legista, que já apresentava severos sinais de calvície, analisando um pequeno bloco de notas com algumas anotações.

É, e aposto que a família do Belfort vai dizer a mesma coisa. Assim como foi nos outros suicídios nos últimos dias. Pessoas felizes cometendo suicídio... Isso não faz sentido.

Faz se não forem suicídios. Disse uma nova voz, que vinha do interior do teatro. Foram homicídios. Essas pessoas foram assassinadas.

O capitão e o legista olharam na direção de onde vinha a voz e então viram surgir um rapaz de 1,70m, cabelos castanho claro, quase loiros, que caminhava em direção a eles com um rosto desprovido de emoções.

Rafael Boaventura, você de novo? Perguntou o capitão, mostrando não estar muito contente com a presença do rapaz, que não parecia ter mais do que 19 anos.Como conseguiu entrar aqui? – Se referiu ao perímetro demarcado pelas faixas da polícia.

Vocês deixaram um novato tomando conta da multidão. Ele não me conhecia, por isso foi fácil fazer ele acreditar que eu era um dos atores. Disse sério, enquanto olhava pro capitão parado a sua frente.

O que você quis dizer com "essas pessoas foram assassinadas"? Indagou o legista, curioso, pensando se ele poderia ter deixado passar alguma pista que o garoto notou.

Quis dizer exatamente isso. Andei conversando com os amigos da vítima, e como você disse, ela não tinha razão para se matar. – Tirou o celular, Smartphone, do bolso e mostrou para os dois homens uma matéria que achou em um site. – Também fiz uma pesquisa a respeito do corretor, parece que ele, na última semana, fez uma pequena fortuna com a compra de ações. Também não tinha por que tirar a própria vida.

Os dois homens se espremeram para conseguirem ver ao mesmo tempo a tela do aparelho, que exibia um pequeno artigo em um site a respeito de investimentos de sucesso. Depois voltaram seus olhos para Rafael, esperando pela conclusão do seu raciocínio.

A única explicação para pessoas se matarem quando não tem um motivo, é que alguém deu um motivo a elas. Concluiu.

Está dizendo que alguém as obrigou a cometerem suicídio? Perguntou o legista surpreso.

Exato! – Exclamou o jovem, mantendo a mesma expressão misteriosa e ambígua de sempre, sem mostrar emoção no tom de voz ou no semblante.

Não! Não diga besteiras, garoto! – Berrou o capitão, irritado com as declarações de Rafael. Logo se recuperando desse sobressalto e voltando a baixar o tom de voz a um nível normal. – Primeiro, ambas as vítimas estavam sozinhas. E segundo, não é possível ameaçar alguém para que a pessoa se mate.

O capitão está certo, Rafael. Não dá pra simplesmente apontar uma arma pra alguém e a forçar a se matar. – Disse o legista.

Você só está teorizando e concluindo coisas sem nenhuma prova. – O capitão concluiu.

Rafael moveu os olhos, encarando os dois senhores, um de cada vez, por um breve momento, como se tentasse entender o por que de estarem dizendo aquelas coisas que, ao seu ver, eram tão absurdas. Por fim fixou o olhar no Capitão.

Até agora pouco o senhor parecia concordar que o veredito de "suicídio" não fazia sentido, Capitão Peçanha. – Rafael constatou.

Eu quis dizer que é estranho. Você é muito novo pra entender... As vezes as pessoas fazem coisas sem sentido, tomam atitudes impensadas ou tem motivos ocultos. O policial pôs a mão sobre os ombros do rapaz por um instante enquanto dizia aquilo, como se fosse para confortá-lo, usando um tom de voz bem mais calmo e com um toque de pesar. Mas logo tirava a mão de cima dele e voltava a falar em um tom firme. – Agora saia daqui antes que eu te prenda por violar uma cena de crime. E pare de se intrometer nos assuntos da polícia enquanto brinca de detetive.

Sem dizer mais nenhuma palavra, Rafael caminhou pra longe dali, passando por debaixo das faixas de isolamento. Não quis se esforçar para tentar convencer a polícia da sua versão, e na verdade nem tinha interesse nisso, preferia ele mesmo resolver o caso sozinho.

Diferente do que o capitão havia dito, ele entendia muito bem as pessoas e sabia que não se pode forçar uma pessoa a se matar ameaçando tirar sua vida, mas que é possível se ameaçar tirar dela algo que ela valorize mais do que a própria vida.

Se eu te contasse, você teria que se matar.Onde histórias criam vida. Descubra agora