Capítulo 4 - Mariticídio

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Aquela parecia ser uma noite ainda mais escura do que as outras. Como já passava da meia noite, a rua estava deserta e silenciosa, a não ser por duas figuras que caminhavam na mesma direção em um dos lados da calçada, uma masculina e outra feminina. O homem estava mais adiante, enquanto a mulher o seguia de perto.
Eram Rafael e Anna, a caminho da casa de uma das vítimas. No fim das contas a garota decidiu acompanhar seu amigo na visita à viúva, para evitar que ele fizesse alguma besteira e viesse a perturbar demais o luto da família.

– Escuta, Rafa. Quando chegarmos , não vai sair acusando a esposa. – Advertiu a loira. – Pensando bem... Deixa que eu faço as perguntas.

O rapaz apenas acenou com a cabeça, concordando com Anna, sem dizer uma palavra.

***

Desculpe termos vindo sem avisar, Sra. Belfort. – Disse-lhe cautelosamente a garota, sentada à mesa de centro na sala de estar. – E obrigado por nos receber mesmo nesse horário.

A sala onde todos se encontravam era pequena, porém aconchegante, e apesar dos móveis serem um pouco velhos, estavam em um bom estado de conservação. Alguns assentos estavam dispostos ao redor de uma mesinha de centro vazia, e era em um deles que a dupla visitante estava sentada, no largo sofá curvado. Enquanto Anna dizia aquelas palavras, Rafael permanecia em silêncio, com o cotovelo direito apoiado em um dos braços do sofá, e a mão no queixo, como que segurando a cabeça inclinada, em uma pose bem desleixada. O jovem não tirava os olhos de Clara Belfort, a anfitriã, que lhes trazia uma bandeja com três xícaras e um bule de chá recém fervido.

Não, está tudo bem. Eu não acho que vá conseguir dormir essa noite de qualquer forma mesmo. – A viúva dizia, servindo um pouco do chá em cada um dos recipientes, e já se sentando em uma grande poltrona de frente pros dois. Ela tinha um cabelo castanho claro na altura dos ombros, e uma aparência abatida, de quem havia chorado muito. – Acabei de conseguir colocar as meninas na cama. Estão muito abaladas, coitadas. Mas voltando ao assunto, de onde mesmo vocês disseram que conheciam meu marido?

Anna já tinha toda uma história preparada de antemão e disse a mulher que eram, ambos, estagiários na empresa em que Jorge trabalhava, e que seu marido fora aquele que os tratou melhor dentre todos os funcionários e por isso se tornaram grandes amigos, então se sentiam obrigados a fazer essa visita de condolências a família. Rafael permanecia apenas encarando-a, com um rosto sério e uma postura relaxada, observando as mínimas reações da viúva a cada palavra dita.

Engraçado, ele nunca falou sobre vocês. – Afirmou a mulher, sem demonstrar grandes sinais de desconfiança, mas sim de confusão, enquanto dava um gole no chá.

Rafael entrava na conversa de repente. – É, esse era o Jorge, sempre discreto a respeito do trabalho. – Falou rápido – Agora me diga, você acha mesmo que ele se suicidou? – Foi direto ao assunto e sem enrolação, corrigindo sua postura e olhando nos olhos da viúva, que ouvia pela primeira vez a voz do rapaz desde que ele havia chegado.

Rafael! – Anna exclamou, como que o repreendendo pelo o que disse.

– O-o que?! Mas é claro que foi um suicídio, quer dizer, foi isso que a polícia disse... – Clara balbuciou, confusa e surpresa com a pergunta, e começando a duvidar do que ela mesma dizia. – Por que? Vocês acham que pode ter sido outra coisa? Me digam o que sabem!

O jovem captava atentamente cada mínima reação da viúva, a estudando e tentando determinar se ela estava fingindo suas emoções. Mas só o que ele conseguia enxergar era uma esposa preocupada em saber a verdade sobre a morte do marido, e nada mais. Pelo menos era o que aparentava até agora.

Se eu te contasse, você teria que se matar.Onde histórias criam vida. Descubra agora