›» Capítulo 4 «‹

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Dava para contar em apenas uma mão todas as coisas que eu havia feito na semana inteira. Nada. Engraçado que mesmo assim os dias se passam voando. Quer dizer, eu fui para o colégio, fiquei sentado na cadeira da sala vendo a hora passar — posso incluir algumas vezes que matei aula para não perder o costume —, depois fui para casa, e assim em diante. Ah, claro, eu saí com a galera e pronto. Nada disso foi uma novidade, já que o primeiro e segundo ano foram as mesmas coisas (mas ainda bem que não estou naquela época mais). Engraçado que sempre pensamos que o próximo ano vai ser diferente e cheio de conquistas, mas nada acontece.

Sinceramente, a minha vida é um saco. Tenho uma mãe que não liga se estou em casa ou não e tenho um pai que me força a fazer tudo, incluindo entender os números. Não sei quem teve a ideia de incluir a matemática na minha vida. Quer dizer, todos falam que tem matemática até na cueca que uso todos os dias, mas dizem isso como se fosse mudar alguma coisa. Os fabricantes de cueca que se virem — e das milhões de coisas que existam matemática.

Falando nisso, não aguento mais ouvir a Sra. Rodríguez falando sobre trigonometría. Ela tem um sotaque estranho, acho que é latino, só sei que é engraçado. Outro problema que eu odeio nela é a mania de passar trabalhos. Alguém já falou para ela que isso é irritante? Não sei, acho que preciso avisá-la. De qualquer maneira, é isso o que estamos discutindo agora. Ela pergunta: "quem quer fazer sozinho? Quem quer dupla?" e todo mundo começa a montar os pares, sendo que no final vai ser sorteio. Na real ela acha que está dando aulas para o ensino infantil, porque nos trata como. Eu nem ligo.

— Dá para vocês calarem a boca? — ela diz. — Vou escolher os pares. Sem mais, se virem.

E foi isso mesmo o que aconteceu. Ela foi escolhendo no olhómetro e vendo quem daria mais certo com quem. Eu fiquei torcendo para ficar com alguém que entendesse esse troço, porque eu sempre dou azar e acabo me ferrando para fazer os trabalhos, e se eu não fizer meu pai me dá uma surra. Isso mesmo, ele trabalha para salvar a vida das pessoas, mas fode com a do filho. Eu oficialmente não entendo os adultos — considerando que ano que vem serei um.

No fim, acabei ficando com a Andrea. Ótimo, meu ano vai ser interessante. David fez um gesto de mal gosto — que eu não sei se foi para mim ou para a dupla dele — e foi se sentar com menina. Eu fui em direção a cadeira do lado da Andrea e me sentei.

— Oi — digo suspirando de desânimo.

— Oi — ela diz com a mesma cara. — Não precisa fingir que gosta de mim, tudo bem?

— Oi?

— Você já disse isso. O disco falhou ou...?

— Não.

— Hm.

Alguém por favor dá um cobertor para ela se esquentar? Porra, que garota fria. Ela está bem diferente do dia em que eu a conheci na biblioteca. Sério, agora eu quero saber o que aconteceu, porque não é possível. Ah, claro, tirando o fato dela achar que eu sou um idiota, está tudo bem. Quer saber, que se dane. Também vou ser frio, e não me ofereçam um cobertor, por favor.

Passamos os últimos minutos da aula sentados na mesma posição ouvindo o sotaque latino falar em grego. Quanto mais eu peço, mais as horas demoram para passar. Acho que é praga de alguém. Coloco minhas mãos em meu queixo, que estavam apoiados na mesa, e fico assim até ouvir o sinal bater. Que bom, porque eu estava quase dormindo.

— Sério que vou ter um cara preguiçoso sentado ao meu lado pelo resto do ano? — Andrea pergunta se levantando. Percebo que a pergunta não é diretamente para mim, então ignoro e me levanto também. Espero a dona nervosa sair para não ter que me encontrar com ela novamente. Garota esquisita e bipolar.

Além do MarOnde histórias criam vida. Descubra agora